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RECONSTRUINDO O(S) DISCURSO(S) SOBRE PODER(ES) SINDICAIS:CONTRIBUTOS

2. ARTICULAÇÃO ENTRE TIPOLOGIAS

Das diferentes propostas e dimensões que apontámos sobre os recursos de poder aplicados ao campo sindical, interessa-nos a partir daqui desenhar um olhar mais concreto que nos conduza à compreensão da realidade sindical em articulação com os diversos setores e estudos de caso. Convém começar por lembrar, na linha de outras abordagens, que de entre as competências estratégicas atribuídas aos sindicatos a primeira delas é saberem transformar as ameaças em oportunidades. Os estudos centrados na chamada revitalização sindical orientam-se, regra geral, nesse sentido30. A tipologia anterior pode conjugar-se com outras

dimensões e, assim, ajudar a avançar para uma possível hipótese de trabalho dirigida ao caso português. O modelo que é possível cruzar refere-se a diferentes modos de mobilização a que os sindicatos podem recorrer para capitalizar os referidos recursos de poder: (i) solidariedade interna; (ii) integração em rede (network embeddedness); (iii) imagem externa/ comunicação para a sociedade; e (iv) recursos infraestrurais/ financeiros31.

Sendo certo que os meios que os sindicatos têm à sua disposição são escassos, trata-se, então, de colocar como exigência uma utilização mais otimizada e eficaz dos mesmos. A «solidariedade interna» é um desses meios que vale a pena analisar, ainda que o poder associativo se possa distinguir do poder organizacional32. A «solidariedade interna»

30 Rebecca Gumbrell-McCormick; Richard Hyman, Trade unions in Western Europe: hard

times, hard choices. (Oxford: Oxford University Press, 2013).

31 Christian Lévesque; Gregor Murray, “Understanding union power: resources and

capabilities for renewing union capacity”, Transfer – European Review of Labour and

Research, 16 (3),(2010): 333–350.

32 Rebecca Gumbrell-McCormick e Richard Hyman distinguem entre “poder associativo” e

“poder organizacional”. O primeiro é identificado com o número de membros de um sindicato, pelo que os próprios membros são tomados como um recurso da organização só

faz apelo a identidades coletivas coesas e a uma vitalidade deliberativa, de que os sindicatos dependem para atingirem os objetivos. Ou seja, trata-se de uma solidariedade ou coesão interna do grupo ou da organização que varia na razão inversa da sua ligação à sociedade e a outros atores coletivos. Se a união interna da associação corresponde ao grau de identificação dos seus membros com a cultura e modus operandi que lhe são próprios, isso estará inevitavelmente ligado à perceção da demarcação social em relação a outros grupos. Tradicionalmente, sabemos bem como a formação das ortodoxias deriva de um sentimento de hostilidade da parte do núcleo duro em relação a públicos externos ou grupos rivais. Daí que, por exemplo, o discurso das lideranças reflita muitas vezes formas exacerbadas de demarcação ou supostas ameaças não apenas derivadas de um poder estrutural que subalterniza o sindicalismo, mas também de sindicatos de outra filiação. Podemos perceber isso, no caso português, olhando a clássica rivalidade entre as duas principais confederações sindicais. Perante o agudizar da fragilização sindical e perda de associados, a solidariedade interna só pode converter-se em capacidade renovadora se a mesma for capaz de conjugar-se com os restantes meios de ação que acima enunciámos.

A «integração em rede» (network embeddedness) é, por exemplo, um fator de grande potencial que tem vindo a ser sugerido como ferramenta para o fortalecimento da ação sindical. Combinada com as várias formas de «recursos de poder» da nossa tipologia, esta atividade vai ao encontro dos novos instrumentos informáticos e de ativismo digital face ao qual o campo sindical se tem mostrado em geral arredado. A sua fragilização poderia ser sido travada caso as instâncias dirigentes tivessem em devido tempo alcançado uma real consciência do potencial que isso oferece. Entre os diferentes recursos referidos (poder estrutural, associativo, institucional e societal) todos eles poderiam ser reforçados se o investimento neste meio de resposta fosse efetivamente uma prioridade. Evidentemente que a disponibilização e expansão das redes comunicacionais no conjunto da sociedade constitui em si mesma uma «ameaça» ao poder sindical, na medida em que esse processo obedece a uma tendência geral da «estrutura» económica, que ao mesmo tempo

pelo facto de estarem filiados, facto importante do ponto de vista financeiro. O “poder organizacional” é, comparativamente, um tipo de poder mais “ativo”, pois vai além da mera condição de membro de algo. Pressupõe o desenvolvimento de formas de capital social entre os membros, promovendo, assim, a sua identificação e envolvimento nas ações da organização.

fragmentou o trabalho, individualizou as relações sociais e mercantilizou o próprio uso das tecnologias digitais. Porém, este é um meio que se ofereceu como um novo território em disputa pelas classes e atores que se digladiam pela hegemonia da mudança societal e laboral. A força dos novos movimentos sociais e dinâmicas de ação coletiva – mais ou menos radicais, esquerdistas, nacionalistas, populistas, etc. –, que se alimenta e expande com bases nessas ferramentas e redes digitais, mostra bem como é um erro os sindicatos permanecerem de fora. É claro que existem contra tendências e começam a surgir núcleos dinâmicos que aglutinam setores novos da força de trabalho, sobretudo os mais precarizados e mais jovens. Mas o campo sindical mais tradicional tem continuado a olhar impotente ou condescendente para esses setores e para o campo do ciberativismo, ao mesmo tempo que as suas bases se vão envelhecendo e desertando. A integração em rede, mais do que as velhas hierarquias verticalizadas, favorece ligações horizontais com os diversos congéneres, com movimentos sociais ou outros atores sociais. Os sindicatos que se encontram integrados em redes e espaços de solidariedade mais alargados apresentam maior possibilidade de desenvolver uma agenda própria que lhes permitirá influenciar os processos de mudança.

Os «recursos narrativos/comunicacionais» derivam do esforço de atualização programática, vinculados a valores, significados partilhados, histórias e ideologias que agregam identidades e interesses. São, por isso, instigadores da constituição de plataformas (frames) capazes de interpretar e agir sobre as mudanças, bem como de antecipar algumas das suas consequências mais destrutivas sobre o mundo laboral. Esta dimensão é igualmente fundamental para fortalecer outras fontes e recursos de poder, em particular o poder societal, estrutural e associativo. Como afirmámos anteriormente, o campo sindical sempre assentou na dupla face que o acompanha desde a sua génese: conflito e negociação. Daí que o recurso institucional possa mostrar-se num plano secundário quando a estrutura sindical se dirige a um público mais amplo e enfatiza mais a mobilização do que o diálogo. De facto, esta vertente faz apelo essencialmente a um investimento estratégico na atualização teórica e na formação técnica dos quadros sindicais a fim de poderem captar mais eficazmente a crescente complexidade da vida social e as contradições que isso arrasta para a esfera laboral e do emprego. Os movimentos difusos que nos últimos tempos atraem núcleos inseridos no campo sindical (ainda que por vezes obedecendo a

forças organizadas do exterior) operam cada vez mais a partir dos meios digitais (Facebook, Twitter, WhatsApp, etc.) e das plataformas de opinion making que elas constroem segundo uma conjugação vertiginosa de pragmatismo e hiperrealismo33.

Os recursos que aqui designamos como formas e meios de ação internos – também chamados recursos infraestruturais34 –, referem-se

aos meios materiais e humanos e sua alocação através de processos, ações organizacionais programáticas que podem incluir uma dimensão de inovação tendo em vista potenciar os recursos disponíveis35. Embora

tais meios sejam fundamentais para dar corpo aos recursos de poder que advêm de diversos domínios, a sua influência faz-se notar mais diretamente na própria esfera associativa, já que implica, em primeiro lugar, a autonomia de meios e recursos, nomeadamente financeiros, que estabelecem a margem de manobra dos sindicatos36. De igual modo, é

importante atender aos meios humanos, ou seja ao volume de associados, às atualizações da quotização dos membros, assim como o número de ativistas mobilizáveis, seja em ações coletivas seja na difusão da mensagem do sindicato e do público em geral.

Do cruzamento das diferentes propostas e da enunciação das principais características das várias fontes de poder fica claro que se trata de um conceito dinâmico e sujeito a múltiplas influências. Como um todo complexo, a abordagem os recursos de poder sindical abre, assim, espaço para convergências, ambiguidades e discordâncias37, Sem

prejuízo disso, em nosso entender, o poder sindical desenvolve-se na interação estabelecida entre membros e apoiantes, entidades

33 Manuel Castells, Redes de Indignação e Esperança. Movimentos sociais na era da internet.

(Rio de Janeiro: Zahar, 2013). Julian Stallabrass, “Digital partisans: on mutte and the cultural politics of the net”, New Left Review, 74, (2012): 125-139.

34 Carola M. Frege; John Kelly, “Union revitalization strategies in comparative perspective”,

European Journal of Industrial Relations, 9(1), (2003): 7–24.

35 São exemplos os programas e processos para envolver os membros (comunicação,

educação e formação, métodos de fornecer serviços – servicing), utilização de novas tecnologias (websites, redes, treino de funcionários e ativistas, desenvolvimento de vídeos, etc.) e novos métodos de recrutamento (treino, alocação de recursos, etc.) (Kumar e Murray, 2006).

36 Stefan Schmalz; Klaus Dörre, “El planteamiento de los recursos del poder”. Ciudad de

México: Fundación Friedrich Ebert, 2013. Consultado em 13/07/2019. Disponível em: https://bit.ly/2v3GMiE.

37 Stefan Schmalz; Carmen Ludwig; Edward Webster, “Power resources and global

empregadoras e com o Estado, segundo o modelo tripartido de diálogo social que define o modelo laboral europeu. Por outro lado, é importante sublinhar que a ação estratégica dos sindicatos comporta combinações diversas, desde situações específicas a recursos de poder externos, incluindo os que atrás acabámos de enunciar. De entre os recursos institucionais, vale, assim, a pena destacar, as relações privilegiadas com as forças partidárias, bem como a presença nas instâncias de concertação social. Esta ligação resulta da prática antiga das lutas sindicais e do movimento operário internacional que, em especial entre os finais do século XIX e os princípios do século XX, serviram de campo de disputa por parte de diferentes correntes ideológicas, uma ligação que, como se sabe, ainda hoje permanece embora de forma mais dissimulada. Aliás, esse é um ponto que teremos de assinalar dado tratar-se de um «recurso de poder» carregado de ambivalências, isto é, num contexto em que a atividade dos partidos políticos e a sua proximidade (maior ou menor) a determinadas correntes sindicais é vista com desconfiança por parte da opinião pública. Daí a contradição entre beneficiar-se de um recurso (um partido com representação parlamentar, por exemplo) inserido nas instituições do poder político, mas, em contrapartida, ver a sua imagem menorizada por parte de setores significativos da sociedade civil.

CAPÍTULO 4

GREVES E MOVIMENTOS OPERÁRIOS NA