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GREVES E MOVIMENTOS NO PERÍODO REPUBLICANO Os meses que se seguiram ao 5 de Outubro foram marcados por

GREVES E MOVIMENTOS OPERÁRIOS NA FOTOGRAFIA DO INÍCIO DO SÉCULO

2. GREVES E MOVIMENTOS NO PERÍODO REPUBLICANO Os meses que se seguiram ao 5 de Outubro foram marcados por

uma mudança de atitude em relação à movimentação operária. As greves foram aumentando em número, alcance e objetivos. Em muitas delas o âmbito da empresa era ultrapassado para virem a afetar fortemente a vida da cidade. Era frequente a acusação da utilização de métodos terroristas, como incendiar fábricas ou fazer descarrilar comboios.

Imagens deste tipo de acontecimentos passam a acompanhar as reportagens de greves, por vezes integradas na mesma notícia, criando a identificação entre movimento operário e destruição. Porém a destruição provocada por greves pode aparecer isolada, já que o fator surpresa, que as ações procuravam ter, fazia com que fossem fáceis de perder pelos repórteres. Já a fabrica incendiada, ou a locomotiva descarrilada permaneciam nessa situação o tempo suficiente para se fazer a fotografia.

À medida que as lutas se tornam mais intensas e violentas, o movimento operário e o regime republicano vão-se distanciando. Agora os campos estão claramente separados, sem possibilidade de confusão ou identificação. A visão dos movimentos operários que anteriormente

era positiva vai-se tornando cada vez mais negativa. A visão mais negativa e tradicional de «classes laboriosas, classes perigosas» é a patente na cobertura de greves e movimentos operários, visão que é reforçada pelo facto de uma boa parte das imagens serem imagens de destruição.

A mudança de atitudes face às movimentações laborais levou a uma alteração do tipo de imagens a elas ligadas. A benevolência em face da movimentação operária durou enquanto esta foi conveniente, mas o número de ações, o seu alcance e os seus objetivos, rapidamente a tornaram num incómodo e, mesmo, numa ameaça, o que forçosamente levou à alteração dessas atitudes. Neste sentido, é significativa a importância dada às greves de transportes que tinham efeitos visíveis na vida das cidades.

Também é visível, nesses primeiros tempos do regime republicano, a entrada nos processos reivindicativos de um número crescente de grupos. Não são só os operários fabris, mas também os trabalhadores dos transportes, os pescadores e as peixeiras e os trabalhadores rurais. Também o âmbito das reivindicações se ia alargando, o que tem sido interpretado em outros países, onde isso também se verificou, como um sinal da maior confiança das classes laboriosas em si próprias. O panorama que destes movimentos nos é dado pela fotografia de imprensa é, geralmente, limitado à cidade de Lisboa, sendo raras as imagens de outros locais. O facto de as fotografias se fazerem normalmente nas manifestações que acompanham as greves, torna-as bastante semelhantes entre si.

As imagens apareciam, habitualmente, com algum atraso, já que eram imagens feitas por algum amador na sua região e não o produto dos profissionais da fotografia de imprensa. Houve, por este tempo, várias movimentações de trabalhadores rurais, mas só se publicaram fotografias daqueles que dos arredores de Lisboa desceram à capital para se manifestar8. A cobertura fotográfica da agitação laboral passou a ser

menos a da ação e mais a dos seus efeitos, em especial quando estes eram mais visíveis ou gravosos. É por isso que as greves nos transportes são aquelas que levaram à publicação de um maior número de fotografias na imprensa9.

8 Ilustração Portuguesa 19/6/1911, AFCML, A. 6892. 9 Ilustração Portuguesa 17/7/1911, IP, 12/6/1911.

Figura 3. Greve Geral 1912, Ilustração Portuguesa, 05-02-1912.

Muito significativas são as imagens de algumas greves, por vezes de novas camadas até aí não muito reivindicativas. Operárias desfilam

em Lisboa, mostrando o melhor sorriso para a câmara10, o que era oposto

à seriedade das convenções fotográficas da época, e sugere que o movimento era sentido de uma forma libertadora.

As greves fabris parecem ter um ambiente festivo, levam-se as crianças, assumem-se poses mais descontraídas que o habitual e até a presença policial nem sempre parece hostil, mesmo quando há uma grande proximidade física11. Já se referiram as fotografias em que lado

a lado aparecem grevistas e guardas, não é a situação habitual, mas nestas imagens raramente a presença das autoridades parece uma ameaça. A fotografia surge como um momento social que, embora provocado pela greve, a parece ultrapassar, conciliando, por um instante, os oponentes.

Com a Grande Guerra há uma diminuição da cobertura dada a greves e movimentos operários, isto acompanha uma maior cobertura das atividades bélicas. Seguramente por razões económicas também a presença de fotografias na imprensa vai sendo mais reduzida. As multidões desta altura são as das fotografias de Benoliel com a passagem por Lisboa dos jovens recém incorporados na tropa.

As imagens de lutas operárias foram sendo mais escassas até quase desaparecerem12, acompanhando os próprios movimentos. Só voltam a

ter uma grande presença nos anos finais do conflito quando os acontecimentos revolucionários de 1917 vão trazer notícias e imagens da longínqua Rússia. São as imagens das agências internacionais, difundidas pelo mundo fora, que reforçam a visão fortemente negativa dos acontecimentos, em especial dos que se seguiram à Revolução de Outubro. Nestas imagens, mostram-se manifestações, massacres e até um retrato de Trotsky13.

Nos anos de 1917 e 1918, a agitação operária começa a estar mais presente por toda a Europa, inclusive em Portugal. Desde julho de 1917 começam a aparecer reportagens das greves e dos tumultos com elas relacionados14. Havia exemplos que, embora longínquos, não eram

10 AFCML A 8560.

11 Ilustração Portuguesa 27/11/1911.

12 Um dos últimos exemplos está em Ilustração Portuguesa 9/8/1915. 13 Ilustração Portuguesa 2/7/1917; 8/10/1917; 21/1/1918.

tranquilizantes, o que determina uma atitude da imprensa face à movimentação operária ainda mais negativa que a dos anos anteriores ao conflito.

A greve é cada vez menos representada pela fotografia da manifestação. Agora são as consequências negativas, incêndios, descarrilamentos e a repressão que ocupam quase todo o espaço de reportagem15. Claro que quando a agitação assume em si esse lado

violento, também é digna de cobertura noticiosa16.

Surge a figura do terrorista/bombista que mata pessoas na sua ação e com os seus erros frequentes chega a ser a sua própria vítima. Pode então ter honras de retrato e identificação, por vezes o retrato é pós- mortuário, as vítimas podem partilhar do mesmo tratamento. Esta figura torna-se tão «popular» que a Illustração Portuguesa faz uma reportagem intitulada «Lisboa Vermelha», com um resumo dos principais casos17.

Aliás, a questão das bombas manteve-se, ainda nos primeiros tempos da ditadura, com uma apreensão noticiada em 192818. Para a imprensa

sindicalista, este era um problema difícil de encarar já que não podia apoiar os bombistas, mas via-se confrontada com o facto de muitas vezes eles pertencerem às suas organizações. Os artigos que apareciam eram ambíguos19, e acompanhados de retratos formais das bombistas vítimas

da sua própria ação.

A imagem fotográfica documenta a repressão que marca estes anos, estamos longe do clima de aparente aceitação entre manifestantes e guardas. Se a presença destes era comum no início da década de 1910, no fim dessa década, e durante a seguinte, não só temos a presença como a atuação repressiva das forças da ordem a marcar a maioria das reportagens sobre greves e outras movimentações operárias.

Também eram frequentes as imagens de prisão e deportação de dirigentes operários20 ou do assalto e destruição pela polícia de sedes de

15 Ilustração Portuguesa 10/9/1917;2/12/1918; 30/6/1919; 4/8/1919. 16 Ilustração Portuguesa 29/1/1921.

17 Ilustração Portuguesa 1/3/1920.

18 ANTT, Arquivo de O Século, Álbum n.º 9, n.º 494 C; 495 C, 15/3/1928. 19 A Batalha 5/1/1922.

20 Ilustração Portuguesa 9/9/1921; ANTT, Arquivo de O Século Álbum n.º 2 ;759 A; 760 A;

associações de classe, inclusive, por várias vezes, da própria CGT21.

Estas imagens são importantes para a compreensão das alterações por que passou o movimento operário entre 1918 e o início da ditadura.

Porém, há um outro tipo de imagem a dar conta de novos acontecimentos. A Batalha começa a ser ilustrada com fotografias a partir de 1919. A partir do final da guerra, as organizações cresceram, coordenaram-se e ganharam uma expressão política mais autónoma, mas isso só está presente nas imagens da imprensa operária. A imprensa geral preferia mostrar fotografias da repressão sobre os movimentos, as organizações, os militantes. Para esta, as reuniões e congressos operários eram atividades de reduzido impacto no seu público, e como tal, pouco dignas de cobertura jornalística. A exceção era quando estavam relacionadas com grandes questões e conflitos tal como a «questão dos tabacos» de que O Século fez reportagens, não só de manifestações e repressão, como de assembleias de pessoal22.

21 Ilustração Portuguesa 6/9/1920.

22 ANTT, Arquivo de O Século, Álbum n.º 2, 663 A, 30/4/1926,1/5/1926, 759 A,760 A,

Figura 4. Greve Geral, A Batalha, suplemento s.d.

A imagem da agitação e da sua repressão tem a sua popularidade confirmada pela existência de postais com essa temática. Estas imagem talvez não se dirigissem ao grupo mais reivindicativo dos leitores do diário sindicalista, uma vez que não se encontram imagens deste tipo entre os postais e fotografias que se vendiam por seu intermédio. Talvez a sua popularidade viesse de um público mais vasto e com sentimentos mais contraditórios em relação à agitação social.

É com o crescimento da organização operária que é possível a melhoria da sua imprensa. Começam a aparecer fotografias, a princípio ocasionalmente, depois mais regularmente, em A Batalha e nas publicações centrais da CGT, mais raramente em outros órgãos sindicais. Há uma visão forçosamente diferente, os bons e os maus

tinham trocado de lugar. Curiosamente, isso podia ser feito com as mesmas fotografias. A famosa fotografia em que dezenas de pessoas seguem empoleiradas num elétrico com bandeiras apareceu na Illustração Portuguesa por ocasião da tentativa de greve geral de 1912, antes ser publicada no almanaque de A Batalha de 192623. Até as

imagens da repressão eram semelhantes às que se encontravam noutros órgãos de imprensa: casas com móveis destruídos e papéis pelo chão, apareciam nuns e noutros, representando a invasão policial de sedes sindicais24.

A organização do movimento operário é que só aparecia nos jornais sindicalistas. Os principais congressos, aqueles em que era maior o número de presenças, ou se criavam novas organizações, eram alvo de cobertura fotográfica, representando uma parte considerável do reduzido número de fotografias da imprensa operária. Mas, a fraca qualidade das impressões não deixava que estas imagens fossem particularmente legíveis, tornando-se os congressistas numa massa quase indistinguível25.

Porém, os movimentos grevistas não se contavam entre os principais motivos da cobertura fotográfica da imprensa operária, que parecia mais preocupada com a organização e a imagem que dela se poderia dar. Talvez houvesse aqui um reflexo de defesa, uma tentativa de difusão de uma imagem mais poderosa do que aquela que aparecia na imprensa geral. Havia, frequentemente, a tentativa de refutar as acusações de sabotagem que iam aparecendo, em especial em relação aos trabalhadores dos transportes26. Também se tentava uma construção

de memória das organizações com os seus momentos mais importantes (congressos), as visitas (militantes estrangeiros) e a própria família, em especial os que morriam (militantes portugueses). Estas fotografias podiam ser alvo de edições para venda, ou de exposição na sede de organizações, A Batalha chegou, mesmo, a anunciar a inauguração de uma fotografia ampliada de Neno Vasco 27, falecido havia pouco tempo.

23 Reeditado pelas Edições Rolim, Lisboa, sd, com prefácio de Maria Filomena Mónica, pp

62-63.

24 A Batalha 30/10/1925.

25 A Batalha 27/9/1925, fotos 108;109. 26 A Batalha 11/11/1921.

Uma reprodução da mesma imagem foi posta à venda uns meses depois ao preço de $20.

Era notório o alargamento da atividade e da autonomia política do movimento operário e, consequentemente, da sua representação. Se nos anos anteriores à guerra, houve imagens de greves e manifestações, para os que lhe seguem há uma maior diversidade com fotografias de dirigentes, de grandes e pequenas reuniões, de atividades recreativas, sinal de que a atividade do movimento operário tomava um âmbito mais alargado, ao mesmo tempo que as suas organizações se tornavam mais presentes. O reforço da imprensa é um produto deste alargamento, mas também contribui para ele.

Para as classes dominantes o movimento operário organizado torna-se perigoso, e consequentemente, mais reprimido. Os acontecimentos revolucionários na Rússia a partir de 1917, e também os da Alemanha e da Itália, vêm chamar a atenção para os perigos, reais ou imaginários, da sua existência. A ligação dos movimentos nacionais aos internacionais era visível nos acontecimentos e não desmentida pelos movimentos operários que publicitavam o que se ia passando noutros países, como forma de reforçar a sua ação, ou de apelar à solidariedade. A componente internacional veio contribuir para a sensação de perigo que estes movimentos despertavam nas classes médias, para mais quando alguns dos seus membros se deslocaram até à Rússia bolchevique, sendo depois extraditados da Alemanha e julgados em Portugal. A atenção com que o caso foi acompanhado na imprensa, tendo-lhe sido dedicado várias fotografias em O Século28, é o sinal da

importância que esse pequeno incidente teve nas classes médias de um país saído da guerra.

Surgem novas figuras: o bombista, o legionário vermelho, o bolchevique, cuja imagem fotográfica não podia estar à altura dos medos dado o seu carácter mais imaginário que real, e que substituem, no imaginário das classes médias, o criminoso comum. Estes podiam causar vítimas, ou ser as próprias vítimas das suas ações, dando nas duas situações bom material para a objetiva dos repórteres29. O clima

contrastava com o que rodeou o 5 de Outubro de 1910, em que os

28 ANTT, Arquivo de O Século, Álbum n.º 31080Anº31080A a 1082A, 26/8/1926; 1104A,

9/9/1926; 1118A, 1119A, 22/9/1926, foto 125.

bombistas da carbonária foram tratados como heróis em imagens encenadas publicadas nos meses seguintes30. O medo levava à repressão

e essa era fotografável, não só por meio da ação direta da polícia, como com os julgamentos ou nas deportações, num clima de tensão, que culminou mas não terminou, a 28 de maio de 1926.

Há uma alteração de visão sobre lutas operárias à medida que se vão tornando mais fortes e violentas, de aliados possíveis contra a monarquia transformam-se em classes perigosas. A fotografia reflete o divórcio Movimento Operário/Republica.

As principais lutas (e mais espetaculares) são objeto de fotografia, numa altura em que operários e fábricas são menos valorizados pela fotografia em comparação com as cenas bucólicas. Porém, o país das lutas operárias é sobretudo Lisboa, sendo raras as imagens de fora da capital. Isto deve-se, por um lado, à concentração operária e das suas lutas na capital e, por outro, por ser aí que se encontrava imprensa.

30 Ilustração Portuguesa 9/1/1911.

CAPÍTULO 5