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Articulando as aprendizagens em Química e as propostas de ensino

3 DISCUSSÃO E ANÁLISE DE DADOS

3.3 Articulando as aprendizagens em Química e as propostas de ensino

Inúmeras denúncias de que o ensino de Ciências/Química não responde às demandas atuais têm contribuído para disseminar “entre os professores de ciências, especialmente nos anos finais do ensino fundamental e do ensino médio, uma crescente sensação de desassossego, de frustração, ao comprovar o limitado sucesso de seus esforços docentes” (POZO E CRESPO, 2009, p. 15). Todavia, ao vivenciarem críticas externas e autoquestionamentos, dentro das escolas, os professores conscientizam-se dos problemas e deixam claras suas preocupações com uma formação efetiva e eficaz.

Nesse sentido, os professores entrevistados expressam que as propostas de mudanças na educação não são elaboradas com o intuito de levar o aluno à melhoria das aprendizagens, mas, simplesmente, para levá-lo a obter resultados satisfatórios, como, por exemplo, diminuir a reprovação, não importando se aprenderam ou não.

Eu vejo que a aprendizagem do aluno de Química, hoje, está muito decadente. Por mais que eu veja professores bons na frente de uma sala de aula, as leis que foram criadas para reger o ensino só fazem o aluno ficar preguiçoso, ficar desatento, brincando o ano inteiro, porque ele tem a segunda, a terceira, a milésima oportunidade, ele tem todas as chances que ele quer. O estado não quer aluno inteligente, não quer aluno que pensa. O estado e o governo querem índices de aprovações altíssimos para ter mais verba das instituições internacionais, só que não se preocupam se aquele menino vai ser o profissional de amanhã, não se preocupam se aquele menino está sendo assistido de maneira correta como deveria ser. O aluno tem direitos, hora nenhuma fala no dever do aluno ou fala na obrigação do aluno, nenhuma hora fala em como o aluno deveria ou deve agir em uma sala de aula. (Isabel)

Nas falas dos professores é evidente a insatisfação com o sistema de avaliação. A avaliação é um tema polêmico e que deve ser tratado com muito cuidado. A imagem que os professores detêm sobre o processo de avaliação proposto pelas instituições de ensino é que todos os alunos deverão ser aprovados (aprovação contínua se transforma em automática). Isso significa para eles uma perda de qualidade no sistema escolar. Embora a aprovação contínua tenha sido idealizada numa perspectiva de bom ensino, infelizmente parece que as ideias estão distorcidas, pois se promove o aluno para a série seguinte sem que ele tenha dominado os pré- requisitos básicos para isso.

Para alguns dos depoentes, os alunos enfrentam dificuldades de aprendizagem por ficar muito tempo fora da escola (se referindo aos alunos de EJA); pela necessidade de trabalhar; pelas condições do ambiente de aprendizagem; pelo excesso de alunos; pelo reduzido número de aulas.

Eu sinto que eles têm muita dificuldade, eles têm bastante dificuldade, eu trabalho com a EJA, que é a Educação de Jovens e Adultos, tem alunos ali que estão sem estudar há quinze, vinte anos e sempre é uma dificuldade enorme. Eu trabalho com eles individualmente, às vezes, se a sala for lotada eu os coloco de dupla, para um aluno ensinar o outro e mesmo assim eu chego na outra aula e vou explicar a mesma coisa, eu tenho que explicar tudo novamente, porque eles já esqueceram. Aí entra a questão até mesmo deles trabalharem, sobra pouco tempo. As aulas são pequenas, não dá para você trabalhar muito com o aluno. Então, eles têm uma grande dificuldade de aprender. Não é a questão do conteúdo ser tão complicado, é que às vezes não sobra tempo para estar ensinando o aluno individualmente. Como hoje em dia, eles sentem essa necessidade, eles não estão conseguindo mais pegar o conteúdo e aprender só com uma explicação do professor para a sala toda, está tendo que explicar individualmente, e mesmo assim, é uma dificuldade grande. (Maria)

Eu acho que tem sido péssimo. Os alunos têm aprendido muito pouco, porque, como eu disse, o número de aulas é pequeno e gera dificuldade em incentivar os alunos para a aprendizagem. Eu acredito que o aluno que sai do terceiro colegial hoje, o máximo que ele consegue aprender de Química é 20%, 30%, quando ele é um bom aluno, porque, primeiro, com o número de aulas não tem como dar os 100% da matéria, se ele conseguir ser aprovado com 50% ele aprendeu a metade do que foi dado. Se o professor conseguiu dar 50% do conteúdo e o aluno foi aprovado com 50% de aproveitamento, o conhecimento já se converte a 25%, quer

dizer que o que o aluno aprende é muito pouco. Isso não é em Química não, é em todos os conteúdos. (Miguel)

O relato dos docentes remete a entender que a aprendizagem dos alunos não é boa. Todavia, parece que o enfrentamento dos problemas não é tarefa do professor. São problemas que exigem atitudes de âmbito social (os alunos que ficaram muito tempo fora da escola e os que trabalham e não conseguem se dedicar mais aos estudos) ou organizacional no meio escolar (número de aulas insuficiente e salas com excesso de aluno).

Dessa forma, fica difícil para o professor abraçar os avanços que venham beneficiar a aprendizagem dos alunos e a educação em si, pois, “ainda que o professor ocupe posição central na execução de uma inovação relacionada a ensino e aprendizagem, os sistemas escolares têm um funcionamento que está além dos poderes do professor” (LEAL, 2003, p. 58).

Um dos professores depoentes avaliou como boa as aprendizagens em Química, tendo em vista que muitos alunos se interessam em ingressar no Ensino Superior.

Na minha escola eu acho que é boa. Porque os alunos chegam ao terceiro colegial, alguns querendo fazer Farmácia, Biologia, eles tentam usar a matéria Química para o futuro deles. Quer dizer, mesmo eu não mostrando esse conteúdo que o CBC quer, da minha forma tradicional eu consigo mostrar para ele que a Química tem um futuro para ele de emprego, de serviço, de faculdade. Por ano, três, quatro alunos estão fazendo Química, três, quatro estão fazendo Farmácia e alguns estão fazendo porque tiveram aula comigo. (Gabriel)

O ingresso no Ensino Superior continua sendo o balizador das ações pedagógicas escolares.

As manifestações da maioria dos entrevistados indiciam que as aprendizagens dos alunos em Química deixam a desejar. No entanto, as justificativas dos docentes para isso são diversas. Pelo fato de vivenciarem realidades distintas, a aprendizagem assume diferentes sentidos.

Por isso, para Isabel, a aprendizagem ruim está relacionada a um fator político e à forma de elaborar as leis educacionais que tendem a dar oportunidades demais para os alunos, tornando-os sem responsabilidade. Maria associa a dificuldade de aprender ao fato de os estudantes trabalharem e por terem ficado muito tempo fora do ambiente escolar, já que ela

trabalha na EJA. E Miguel faz uma relação com o número de aulas por turma, que é pequeno, não lhe dando tempo para motivar os alunos.

Somente um dos depoentes, o professor Gabriel, pelo fato de haver sempre certo número de alunos que buscam dar continuidade aos estudos seguindo cursos relacionados com a área de Química, considera boa a aprendizagem de seus alunos.