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ARTIGAS, RACIONALISMO E ARQUITETURA MODERNA

O percurso profissional de Vilanova Artigas, como o de muitos arquitetos brasileiros, foi marcado por várias influências estéticas. Conforme THOMAZ (1997), o arquiteto inicia sua carreira em São Paulo onde se formou na Politécnica, como engenheiro-arquiteto, em finais de 1937, montando um pequeno escritório com Duílio Marone, na rua São Bento, 484.

Na condição de recém-formado, e mesmo com a construtora montada, Artigas é “designado” para trabalhar em obras públicas, no ano de 1938, para a Secretaria de Viação e Obras públicas do Estado de São Paulo. Como parte de uma equipe de profissionais, ele participa de projetos urbanos por cerca de sete meses o que teria, segundo THOMAZ (1996), proporcionado a ele um refinamento do olhar sobre a cidade, por um lado, e de outro criado uma conjuntura que teria favorecido sua vida profissional longe dali – como a aproximação com Gregori Warchavchik. Com este, realiza uma parceria provisória para participar do concurso sobre a construção do Paço Municipal, em 1939, ficando em segundo lugar.

Seus primeiros projetos e obras realizados até o final dos anos 30 estavam pautados num repertório que THOMAZ chama de “variações ecléticas”, e eram diferentes da linguagem adotada no concurso do paço municipal, pois apontavam na direção diametralmente oposta a todas as inovações da experiência “modernista” que havia sido desenvolvida por Warchavchik no Brasil. Elaborando residências para a classe média paulistana Artigas vai desenvolvendo pesquisas e amadurecendo seu trabalho de projeto elaborando suas primeiras inquietações em relação ao uso de outras idéias arquitetônicas, diferentes das que praticava nestas residências.

Inclinado a explorar sua curiosidade pelo desenho artístico, que o curso da Politécnica não seria capaz de proporcionar, Artigas matricula-se no curso noturno de desenho livre da Escola de Belas Artes de São Paulo nos últimos anos de graduação. Lá teve contato com um grupo de pintores que ficou conhecido posteriormente como “Família Artística Paulista” ou “Grupo Santa Helena” - nome do edifício onde se realizavam as aulas de desenho. Segundo BUZZAR (1996), nestas seções de desenho e modelo vivo, Vilanova Artigas desenvolvia não só o aprendizado de técnicas específicas e o conhecimento dos valores da disciplina artística (figuras), que tiveram significativa importância na definição de sua atividade, mas também interagia com um universo de questões novo, ligado ao desenvolvimento da componente social na produção artística brasileira realizado por integrantes do Grupo. Assim, Artigas se aproxima de artistas e intelectuais brasileiros que demonstravam estarem atualizados com o debate cultural na URSS e a sua definição de arte como instrumento de luta ideológica, o que correspondia a uma politização crescente no interior do modernismo brasileiro, politização esta que passaria a ser crescente também para o pensamento do arquiteto.

Um pouco após a sua entrada nas aulas de desenho do Grupo Santa Helena, Artigas desenvolve ainda uma relação arquitetônica com o trabalho de Frank Lloyd Wright16. São

deste período a residência de Rio Branco Paranhos (figura 30) e a primeira casa de Artigas (figuras 31 e 32).

Nestas duas residências, por exemplo, observam-se elementos próprios desta linguagem atrelada à Wright como a planta de forma centrípeta ou centrífuga, isto é, que se desenvolve ao redor de um eixo central, ou mesmo o uso de materiais in natura17(figura 29).

A assimilação destes conceitos ocorreu paralelamente ao impacto causado pela consagração da arquitetura do grupo carioca em 1943, por ocasião da publicação do livro “Brazil Builds” e da exposição do Museu de Arte Moderna de Nova York que não atingiu somente Artigas, mas os outros arquitetos e também os meios intelectuais da época. É necessário frisar que frente à arquitetura de Wright e a de Le Corbusier Artigas optará pela segunda. O que foi decisivo para esta opção por parte de Artigas não foi uma questão de experimentação de linguagens, mas sim questões políticas. A filiação ao Partido Comunista Brasileiro, ocorre em 1945, e segundo THOMAZ (1997), Artigas alinhou-se às expectativas de redemocratização do país vislumbrada por segmentos intelectuais daquele momento colocando-se ao lado das tentativas de reorganização de setores representativos da sociedade civil. Tentava daí para frente se aproximar da arquitetura “moderna”, a vertente carioca da Arquitetura Brasileira, que parecia mais ligada aos interesses da sociedade como um todo. Em outras palavras, a escola, ou grupo carioca, apresentava um compromisso com a construção da cultura nacional. Após abraçar o comunismo e sua política de revolução por etapas, a adoção, por parte de Artigas, do repertório corbusiano retrabalhado pelo grupo (escola) carioca, era a posição que se mostrava mais adequada. Segundo BUZZAR (1996), foi esta ligação político-ideológica que Artigas estabeleceu entre racionalismo arquitetônico e a cultura nacional que teria inibido, portanto o desenvolvimento de sua “expressão wrightiana” e sido o mote decisivo para a opção corbusiana18.

Cabe lembrar que Artigas não estaria sozinho neste processo de reformulações e de desejo de renovação na direção apontada pelas realizações cariocas, isto ocorria também com alguns arquitetos de São Paulo, como é o caso de Eduardo Kneese de Mello entre outros, com a diferença de que estes não estabeleceram um vínculo com o PCB.

16Além dos trabalhos já citados, há um de Autoria de Adriana Irigoyen, que discute mais especificamente esta

influência Wrightiana. Cf. IRIGOYEN, A. Wright e Artigas: duas viagens. São Paulo: Ateliê editorial/FAPESP, 2002.

17 É dispensável para esta pesquisa uma análise pormenorizada sobre estas obras, sendo suficiente resgatar apenas

estes dois aspectos desta produção.

18 A experiência do socialismo soviético, o contato com o Grupo Santa Helena e a clientela de “intelectuais” que

mantinham relações com o movimento operário ou com o Partido Comunista, por si só, mostra o contato e interesse pelo debate político-ideológico.

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Os primeiros projetos de Artigas que mostram a adoção desta linguagem racionalista/corbusiana são a residência Benedito Levi (figuras 33 e 36), residência Czapsky (figura 34), a segunda residência de Artigas (figuras 35 e 37), os projetos feitos em Londrina no Paraná, entre outros. Tal influência sempre estaria presente daí para diante em sua produção arquitetônica, porém, como se verá a seguir, Artigas passa a desenvolver um trabalho específico, adquirindo uma expressão própria dentro da Arquitetura Brasileira.

Vejamos algumas obras deste período, muito conhecidas do arquiteto, a fim de compreender e de resgatar alguns elementos presentes nelas, que embasarão as leituras das obras posteriores à Casa Elza Berquó.

Começando pela Casa Benedito Levi, de 1944 (figura 33), é possível perceber a presença dos elementos da estética racionalista, por exemplo, como os pilotis que liberam o térreo para integrar-se com as áreas verdes do jardim, as janelas horizontais, e um purismo das linhas retas que predominam no projeto. Detalhe digno de nota é a presença das pedras no embasamento da construção debaixo dos pilotis, criando um patamar mais elevado do que o do jardim. Se de fato isto é algo previsto já no projeto de Artigas, é bem possível que este embasamento tenha a ver com a estética de Wright que ele até então havia utilizado, escolhendo preservar os materiais “naturais” ou mais “primitivos”, convivendo com os materiais industrializados, como o concreto armado. Qual a exata dimensão da intenção de Artigas optar por estes diferentes materiais, é algo difícil de precisar, mas é possível perceber ao mesmo tempo um contraste e uma síntese de linguagens distintas que conviviam numa mesma época. Veremos mais adiante que esta opção continuará existindo em sua obra e com diferentes significados.

Na segunda casa de Artigas (figura 35), de 1949, pode-se perceber um desenvolvimento da linguagem utilizada na casa Benedito Levi, agora utilizando planos inclinados de cobertura (asa de borboleta) e expandindo os panos de vidro para os dois andares. Com relação aos materiais há o concreto armado predominando na parte superior da casa, a cobertura, no nível intermediário os panos de vidro e abaixo deles, no embasamento, paredes em tijolo a vista. Neste caso, de forma semelhante à casa analisada anteriormente, há aquela síntese de materiais diferentes, só que desta vez o contraste é estabelecido entre o tijolo e o concreto, o que parece acentuar o caráter de síntese de linguagens, mesmo após transcorridos 5 anos entre os projetos. Cabe lembrar ainda que, em ambas as casas, não se observa mais a distribuição da planta de forma centrífuga (figuras 36 e 37), mas o espaço agora passa a ser explorado de forma linear.

1.4

QUESTIONANDO A ARQUITETURA MODERNA: A DUALIDADE DA