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Quanto ao segundo, argumenta-se da seguinte maneira: pa- rece que a ciência natural não trata do que é no movimento e na matéria. Com efeito, a matéria é o princípio de individuação.

Ora, nenhuma ciência trata dos indivíduos, mas somente dos universais, de acordo com a sentença de Platão apresentada em Porfírio. Portanto, a ciência natural não trata do que é na matéria.

2 Ademais. A ciência pertence ao intelecto. Ora, o inte- lecto conhece abstraindo da matéria e das condições da ma- téria. Portanto, não pode haver ciência nenhuma do que não for abstraído da matéria.

3 Ademais. Na ciência natural, trata-se do primeiro motor, como é patente no livro VIII da Física. Ora, ele é imune de toda matéria. Portanto, a ciência natural não trata apenas do que é na matéria.

4 Ademais. Toda ciência trata do necessário. Ora, tudo que se move, enquanto tal, é contingente, como se prova no livro IX da Metafísica. Portanto, não pode haver nenhuma ciên- cia das coisas móveis, e assim, nem ciência natural.

5 Ademais. Nenhum universal se move, pois, o ente hu- mano universal não se cura, mas este ente humano, como se diz no princípio da Metafísica. Ora, toda ciência trata dos universais. Portanto, a ciência natural não trata do que é no movimento.

6 Ademais. Na ciência natural determina-se a respeito de algo que não se move, como é a alma, como se prova no livro I

Sobre a alma, e a Terra, como se prova no livro II Sobre o céu e o

mundo; e até mesmo todas as formas naturais não vêm a ser nem se corrompem e, pela mesma razão, não se movem senão acidentalmente, como se prova no livro VII da Metafísica. Por- tanto, nem tudo de que trata a física é no movimento.

7 Ademais. Toda criatura é mutável, já que a verdadeira imutabilidade só cabe a Deus, como diz Agostinho. Se, por- tanto, cabe à ciência natural a consideração do que é no movi-

mento, caber-lhe-á considerar a respeito de todas as criaturas, o que se mostra claramente falso.

Em sentido contrário. Cabe à ciência natural determinar a respeito das coisas naturais. Ora, as coisas naturais são as em que há princípio de movimento. Mas, onde quer que haja movimento é preciso que haja matéria, como se diz no livro

IX da Metafísica. Portanto, a ciência natural trata do que é no movimento e na matéria.

2 Ademais. É preciso que haja alguma ciência especulati- va a respeito do que é na matéria e no movimento; do con- trário, a transmissão da filosofia, que é o conhecimento do ente, não seria perfeita. Ora, nenhuma outra ciência especu- lativa trata disto, pois nem a matemática nem a metafísica o fazem. Portanto, a ciência natural trata disto.

3 Ademais. Isto é patente a partir do que diz o Filósofo no livro VI da Metafísica e no livro II da Física.

Resposta. É preciso dizer que, por causa da dificuldade desta questão, Platão foi obrigado a afirmar as ideias. Pois, como diz o Filósofo no livro I da Metafísica, crendo que todos os sensíveis estão sempre em fluxo, de acordo com a opinião de Crátilo e Heráclito e, assim, julgando que não pode haver ciência a respeito deles, afirmou certas substâncias separadas dos sensíveis, a respeito das quais tratariam as ciências e se- riam dadas as definições. Ora, ocorre aqui uma falha pelo fato de que não distinguiu o que é por si do que é de acordo com o acidente; assim, de acordo com o acidente, falham frequen- temente até os sábios, como se diz no livro I dos Elencos.

Ora, como se prova no livro VII da Metafísica, visto na subs- tância sensível encontrar-se o próprio todo, isto é, o compos-

to, e a noção, isto é, sua forma, por si gera-se e corrompe-se o composto, mas não a noção ou forma, mas apenas aciden- talmente. “De fato, não se faz a casa ser”, como se diz no mesmo lugar, “mas esta casa”. Ora, o que quer que seja pode ser considerado sem tudo o que não se refere a ele por si; assim, as formas e noções, ainda que sejam de coisas existen- tes em movimento, na medida em que são consideradas em si, são sem movimento. É assim que dizem-lhes respeito as ciências e as definições como o Filósofo diz no mesmo lugar. Pois, as ciências das substâncias sensíveis não se baseiam sobre o conhecimento de algumas substâncias separadas dos sensíveis, como se prova no mesmo lugar.

As noções deste tipo, que as ciências que tratam das coisas consideram, são consideradas sem movimento; assim, é pre- ciso que sejam consideradas sem aquilo de acordo com o que cabe o movimento às coisas móveis. Ora, como todo movi- mento é medido pelo tempo e o primeiro movimento seja o movimento local, o qual removido, nenhum outro movimen- to se encontra, é preciso que algo seja móvel na medida em que é aqui e agora; ora, isto acompanha a própria coisa móvel, na medida em que é individuada pela matéria existente sob dimensões indicadas. Donde, é preciso que tais noções, de acordo com as quais as ciências podem tratar das coisas mó- veis, sejam consideradas sem a matéria indicada, e sem tudo o que se segue à matéria indicada, mas não sem a matéria não indicada, pois de sua noção depende a noção da forma que determina para si uma matéria. Por isso, a noção de ente hu- mano, que a definição indica e de acordo com a qual a ciência argumenta, é considerada sem estas carnes e sem estes ossos, mas não sem as carnes e os ossos de modo absoluto. Visto que os singulares incluem na sua noção a matéria indicada

e os universais a matéria comum, como se diz no livro VII da

Metafísica, por isso a supracitada abstração não é denominada da forma em relação à matéria de modo absoluto, mas do univer- sal em relação ao particular. Tais noções assim abstraídas po- dem, portanto, ser consideradas de dois modos. De um modo, de acordo com elas próprias e, assim, são consideradas sem movimento e matéria indicada, e isto não se encontra nelas se- não de acordo com o ser que têm no intelecto. De outro modo, na medida em que se referem às coisas das quais são noções, as quais coisas são na matéria e no movimento. E, assim, são prin- cípios para conhecê-las, pois toda coisa é conhecida pela sua forma. Deste modo, através de tais noções imóveis e conside- radas sem matéria particular, tem-se conhecimento na ciência natural das coisas móveis e materiais existentes fora da alma.

1 Ao primeiro argumento é preciso, portanto, dizer que a matéria não é princípio de individuação senão na medida em que é existente sob as dimensões indicadas. Deste modo, mesmo a ciência natural abstrai da matéria.

2 Ao segundo, é preciso dizer que a forma inteligível é a quididade da coisa; pois, o objeto do intelecto é o “quid”, como se diz no livro III Sobre a alma. Ora, a quididade do composto universal, como do ente humano ou do animal, inclui em si a matéria universal, mas não a particular, como se diz no livro VII da Metafísica. Donde, o intelecto comumen- te abstrai da matéria indicada e de suas condições, mas não da matéria comum na ciência natural; embora, mesmo na ciência natural, não se considere a matéria senão em referên- cia à forma; donde, também a forma ter prioridade sobre a matéria na consideração da ciência natural.

3 Ao terceiro, é preciso dizer que, na ciência natural não se trata do primeiro motor como de seu sujeito ou de parte

do sujeito, mas como do termo ao qual a ciência natural conduz. Ora, o termo não pertence à natureza da coisa da qual é termo, mas tem alguma relação para com esta coisa, assim como o termo da linha não é linha, mas tem para com ela alguma relação. Assim também o primeiro motor é de outra natureza que as coisas naturais; tem, no entanto, para com elas alguma relação, na medida em que lhes imprime o movi- mento, e assim cai na consideração da ciência natural, quer dizer, não por si mesmo, mas na medida em que é motor.

4 Ao quarto, é preciso dizer que a ciência trata de algo de dois modos. De um modo, em primeiro lugar e principalmen- te; desta maneira a ciência trata das noções universais, sobre as quais se baseia. De outro modo, trata de algo secundaria- mente e como que por uma certa reflexão; desta maneira trata daquelas coisas, às quais aquelas noções pertencem, na me- dida em que aplica, com o auxílio das potências inferiores, aquelas noções mesmo às coisas particulares, às quais perten- cem. Pois, aquele que sabe serve-se da noção universal, quer como coisa sabida, quer como meio de saber; pois, pela noção universal do ente humano posso julgar deste ou daquele. Ora, todas as noções universais das coisas são imóveis e por esta razão, quanto a isso, toda ciência trata do necessário; mas, algumas das coisas, às quais aquelas noções pertencem, são necessárias e imóveis e algumas contingentes e móveis; quan- to a isso, diz-se que as ciências tratam das coisas contingen- tes e móveis.

5 Ao quinto, é preciso dizer que, embora o universal não se mova, é a noção da coisa móvel.

6 Ao sexto, é preciso dizer que as almas e as outras formas naturais, embora não se movam por si, movem-se acidental- mente e, além do mais, são perfeições de coisas móveis e, nes-

ta medida, caem na consideração da ciência natural. A Terra, na verdade, embora não se mova segundo o todo, o que lhe advém na medida em que está no seu lugar natural, no qual algo repousa pela mesma natureza pela qual é movido para o lugar, suas partes se movem para o lugar, caso estejam fora do lugar próprio. Assim, a Terra cai na consideração da ciên- cia natural, tanto por causa do repouso do todo, como por causa do movimento das partes.

7 Ao sétimo, é preciso dizer que aquela mutabilidade que cabe a toda criatura não se dá de acordo com algum movi- mento natural, mas de acordo com a dependência para com Deus, pelo qual, se fosse abandonada a si, ficaria desprovida daquilo que é. Ora, esta dependência cabe antes à considera- ção do metafísico do que à do estudioso da natureza. Além disso, as criaturas espirituais não são mutáveis senão de acordo com a escolha, e tal mutação não cabe ao estudioso da natureza, mas antes ao estudioso da ciência divina.