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IV – Tomás de Aquino – Exposição sobre

o Perihermeneias, Livro I, cap. 3

1 “Acontece, porém, como na alma etc.”. Depois que o Filó- sofo apresentou a ordem de significação das vozes, trata aqui da significação diversa das vozes, das quais algumas signifi- cam o verdadeiro e o falso, algumas não.

A este respeito faz duas considerações: primeiro, preesta- belece a diferença; segundo, esclarece-a ali: “Acerca da com- posição etc.”. Dado que as concepções do intelecto são pré- vias, na ordem da natureza, às vozes que são proferidas para exprimi-las, por isso determina, a partir da semelhança da diferença acerca do inteligido, a que diz respeito às signifi- cações das vozes; de tal modo que este esclarecimento seja não apenas a partir do semelhante, mas também a partir da causa que os efeitos imitam.

2 Deve considerar-se, portanto, que, assim como foi dito no princípio (cap. 1, nº 1), há uma dupla operação do intelecto, como é apresentado no livro III Sobre a alma, em uma das quais não se encontram o verdadeiro e o falso, na outra, porém, encontram-se. Isto é o que ele diz: que na alma, às vezes, há inteligido sem verdadeiro nem falso, às vezes, porém, tem por necessidade um destes. E, posto que as vozes significativas são formadas para exprimir as concepções do intelecto, por

isso, para que o signo se conforme ao designado, é necessá- rio que também dentre as vozes significativas, igualmente, algumas signifiquem sem verdadeiro e falso, algumas, po- rém, com verdadeiro e falso.

3 Depois quando diz “Acerca da composição e da divisão etc.” esclarece o que dissera. Primeiro, quanto ao que disse- ra do inteligido; segundo, quanto ao que dissera da assimi- lação da voz ao inteligido, ali “Os próprios nomes, portanto, e os verbos etc.”.

Para mostrar, portanto, que o inteligido às vezes se dá sem verdadeiro e falso, às vezes, porém, com um destes, diz pri- meiro que a verdade e a falsidade se dão acerca da composição e da divisão.

Onde é preciso entender que uma das duas operações do intelecto é a inteligência dos indivisíveis, na medida em que o intelecto intelige separadamente a quididade ou essência de qualquer coisa por si mesma, por exemplo, o que é o ho- mem ou o que é o branco ou algo de outro similar. A outra operação do intelecto, porém, dá-se na medida em que com- põe e divide simultaneamente tais concebidos simples.

Diz, portanto, que nesta segunda operação do intelecto, quer dizer, que compõe e divide, encontram-se a verdade e a falsidade; restando que na primeira operação não se encon- tram, como também foi apresentado no livro III Sobre a alma.

4 Ora, acerca disto parece haver uma dúvida, primeiro, por- que, visto a divisão se dar por redução nos indivisíveis ou simples, parece que, assim como não há verdade ou falsidade nos simples, igualmente não há na divisão. Deve dizer-se, po- rém, que visto as concepções do intelecto serem semelhanças

das coisas, o que se dá acerca do inteligido pode ser conside- rado e denominado de duplo modo. De um modo, de acordo consigo mesmo; de outro modo, de acordo com as conside- rações das coisas, das quais são semelhanças. Assim como a imagem de Hércules, de acordo consigo mesma, é dita e é cobre; na medida, porém, em que é semelhança de Hércules é denominada homem. Assim também se considerarmos o que se dá acerca do inteligido de acordo consigo mesmo, sempre há composição onde há verdade e falsidade, as quais nunca se encontram no inteligido senão pelo fato de que o inteli- gido compara um concebido simples com outro. Mas, se for referido à coisa, às vezes é chamado de composição, às vezes é chamado de divisão.

Composição, quando um inteligido compara um concebi- do com outro, como que apreendendo a conjunção ou iden- tidade das coisas das quais são as concepções; divisão, no entanto, quando compara um concebido com outro de tal modo a apreender que as coisas são divididas. E também, por este modo, nas vozes, a afirmação é denominada composição, na medida em que significa a conjunção, da parte da coisa; a negação, porém, é denominada divisão, na medida em que significa a separação das coisas.

5 Além disso, porém, parece que a verdade não consiste ape- nas na composição e divisão.

Primeiro, com efeito, pois também a coisa é dita verdadeira ou falsa, assim como o ouro é dito verdadeiro ou falso. Diz- -se também que o ente e o verdadeiro são convertíveis. Don- de, parecer que também a concepção simples do intelecto, que é semelhança da coisa, não carece de verdade e falsidade.

Ademais, o Filósofo diz no livro Sobre a alma que o sentido acerca dos sensíveis próprios é sempre verdadeiro; ora, o sen-

tido não compõe nem divide; portanto, a verdade não está apenas na composição e na divisão.

Também, no intelecto divino não há nenhuma composição como é provado no livro XI da Metafísica (XII – Lambda – 1075 a 5-10); no entanto aí está a primeira e suma verdade; portanto, a verdade não se dá apenas acerca da composição e da divisão.

6 Para evidência disto deve, pois, considerar-se que a verda- de encontra-se em algo de dupla maneira: de um modo, como naquilo que é verdadeiro; de outro modo, como no que diz ou conhece o verdadeiro. Ora, a verdade encontra-se, como no que é verdadeiro, tanto nos simples como nos compos- tos; mas, como no que diz ou conhece o verdadeiro, não se encontra senão de acordo com a composição e a divisão. O que se patenteia da seguinte maneira.

7 De fato, o verdadeiro, como diz o Filósofo no livro VI da

Ética, é o bem do intelecto. Donde, seja o verdadeiro dito de não importa o quê, é preciso que isto se dê por referência ao intelecto.

(Ora, de fato, as vozes se comparam ao inteligido como signos, as coisas, porém, como aquilo de que os inteligidos são semelhanças.)

É de considerar, porém, que alguma coisa compara-se ao intelecto de duplo modo.

De um modo, assim como a medida para com o medido, e desta maneira as coisas naturais se comparam ao intelecto es- peculativo humano. E, assim, o intelecto é dito verdadeiro na medida em que se conforma à coisa; falso, porém, na medida em que discorda da coisa.

A coisa natural, porém, não é dita verdadeira por compara- ção com o nosso intelecto, como sustentaram alguns antigos estudiosos da natureza, estimando que a verdade das coisas está apenas no fato que é parecer; com efeito, de acordo com isto, seguir-se-ia que contraditórias seriam simultaneamente verdadeiras, pois contraditórias caem sob a opinião de diver- sos. No entanto, alguma coisa é dita verdadeira ou falsa por comparação com o nosso intelecto, não essencial ou formal- mente, mas efetivamente, isto é, na medida em que é consti- tuída para produzir de si uma estimativa verdadeira ou falsa; de acordo com isto o ouro é dito verdadeiro ou falso.

De outro modo, porém, as coisas se comparam ao intelec- to, assim como o medido para com a medida, como é paten- te no intelecto prático que é causa das coisas. Donde, a obra do artífice ser dita verdadeira na medida em que atinge a determinação da arte; falsa, no entanto, na medida em que é deficiente em relação à determinação da arte.

8 E visto que tudo, mesmo o que é natural, compara-se ao intelecto divino como o produto da arte para com a arte, por conseguinte qualquer coisa é dita ser verdadeira na medida em que tem a forma própria, de acordo com a qual é imitada a arte divina. Pois, o ouro falso é verdadeiro oricalco. Deste modo, o ente e o verdadeiro são convertíveis, pois, qualquer coisa natural conforma-se à arte divina pela sua forma. Don- de, o Filósofo denominar a forma de algo divino no livro I

da Física.

9 E assim como uma coisa é dita verdadeira por compara- ção com a sua medida, assim também o sentido ou o intelec- to cuja medida é a coisa fora da alma. Donde, o sentido ser dito verdadeiro quando, pela sua forma, conforma-se à coisa

existente fora da alma. E, assim, entende-se que o sentido acerca do sensível próprio é verdadeiro. E também deste modo o intelecto que apreende aquilo-que-algo-é sem composição e divisão, sempre é verdadeiro como é dito no livro III Sobre

a alma.

É, no entanto, de considerar que, embora o sentido acerca do objeto próprio seja verdadeiro, não conhece este verdadei- ro. De fato, não pode conhecer a referência de conformidade de si para com a coisa, mas apreende a coisa somente; o inte- lecto, porém, pode conhecer tal referência de conformidade; por isso, somente o intelecto pode conhecer a verdade. Don- de, também o Filósofo dizer no livro VI da Metafísica que a verdade está apenas na mente, isto é, como no que conhece a verdade. No entanto, conhecer a supracitada referência de conformidade nada mais é que julgar que assim é na coisa ou não é, o que é compor e dividir; por isso, o intelecto não conhece a verdade senão compondo ou dividindo pelo seu juízo. O qual juízo, se consonar com as coisas, será verdadei- ro, por exemplo, quando o intelecto julga a coisa ser o que é, ou não ser o que não é. Falso, porém, quando dissona da coisa, por exemplo, quando julga não ser o que é ou ser o que não é. Donde, ser patente que não há verdade e falsidade, como no que a conhece e diz, senão acerca da composição e da divisão. É desta maneira que o Filósofo fala aqui.

(Como as vozes são signos dos inteligidos, será voz ver- dadeira a que significa um inteligido verdadeiro; falsa, porém, a que significa um inteligido falso, embora a voz, na medida em que é uma certa coisa, seja dita verdadeira assim como as demais coisas. Donde, esta voz “o homem é asno” é verda- deira voz e verdadeiro signo, mas como é signo do falso, por isso é dita falsa.)

10 Deve compreender-se, porém, que o Filósofo fala aqui da verdade, na medida em que é pertinente ao intelecto hu- mano, que julga da conformidade das coisas e do intelecto compondo e dividindo. Mas, o juízo do intelecto divino a este respeito é sem composição e divisão, pois, assim como, mesmo o nosso intelecto intelige imaterialmente o que é ma- terial, assim também o intelecto divino conhece de maneira simples a composição e a divisão.

11 Depois, quando diz “Portanto, os próprios nomes e os verbos etc.” explica o que dissera acerca da semelhança da voz para com o inteligido.

Primeiro, explica o proposto; segundo, prova por um sinal, ali “Sinal disto, porém etc.”.

Conclui, portanto, a partir do já dito, que, visto só haver verdade ou falsidade no intelecto acerca da composição e da divisão, por conseguinte, os próprios nomes e verbos, toma- dos separadamente, assemelham-se ao inteligido que é sem composição e divisão; assim como, quando digo “homem” ou “branco”, se nada mais for acrescentado. Com efeito, ainda não é nem verdadeiro nem falso; mas, posteriormente, quando se acrescenta “ser” ou “não ser”, torna-se verdadeiro ou falso.

12 Nem é instância o caso daquele que dá uma resposta ver- dadeira, por um único nome, a uma pergunta feita, assim como, a quem pergunta “o que nada no mar?”, alguém res- ponde: “o peixe”. Pois, entende-se o verbo que foi posto na pergunta. Assim como o nome posto por si não significa o verdadeiro ou o falso, assim também, nem o verbo dito por si; nem é instância o caso dos verbos da primeira e da segun- da pessoa e dos verbos de ação excetuada [impessoais], pois,

nestes entende-se um nominativo determinado. Donde, ha- ver composição implícita, embora não explícita.

13 Depois, quando diz “Disto, no entanto, é sinal etc.” in- troduz um sinal a partir de um nome composto, isto é, hirco- cervo que é composto de hirco e cervo, que em grego se diz tragelaphus, pois, tragos é hirco e laphos, cervo. De fato, tais nomes significam algo, quer dizer, certos concebidos sim- ples, embora de coisas compostas. Por isso, não há verdadei- ro ou falso, senão quando acrescenta-se “ser” ou “não ser” de acordo com o tempo presente, que é ser ou não ser em ato, e por isso, diz ser “pura e simplesmente, ou de acordo com o tempo” passado ou futuro que não é ser pura e simples- mente, mas de acordo com um certo aspecto, como quando se diz que algo foi ou será. Propositadamente, usa-se o exem- plo de um nome significando o que não há na natureza das coisas, no qual a falsidade apareceria imediatamente, se pu- desse haver verdadeiro e falso sem a composição e a divisão.

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