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PROFISSIONAIS ATRAVÉS DE SEUS EMBATES COM O INAP

Atualmente estamos habituados com a figura do artista plástico/visual1 dialogando diretamente com a sociedade sobre todos os domínios da arte e inclusive a respeito da própria arte que produz. Este artista hoje atua como gestor, crítico, professor universitário pesquisador, entre outras atividades. A tal ponto que na nossa sociedade é respeitado como um formador de opinião, de público, de novos conceitos. A classe artística discute inclusive as possíveis distorções provocadas pelo mercado de arte e também a relação da arte com o Estado. Tudo isto ocorre em um meio intelectual de extrema complexidade, multidisciplinar, quase sempre de maneira dispersa e desagregada fisicamente através das novas mídias, principalmente na internet.

Houve períodos anteriores na história da arte em que esta situação favorável ao artista não ocorria. O último deles foi a partir de meados do século XX no período final de consolidação da arte moderna, especificamente nos círculos das vanguardas europeias e norte- americanas com efeitos e práticas que resvalaram aqui no terceiro mundo. Neste período a classe artística ficou dependente, ou pela falta de eloquência midiática, pela dependência de investidores ou por tradições subservientes que afastavam o artista da possibilidade de ter uma atividade gerencial, reflexiva, atuante no sistema de arte. Ele era desta maneira o gerador da arte, mas não participava diretamente de outras funções no sistema da arte, usufruindo maiores frutos. Não participava de comissões julgadoras, de corpos docentes teóricos, ou no desenvolvimento de políticas públicas de educação e cultura, enfim, o artista era apenas a mola propulsora de todo um complexo sistema que gerava riquezas, usufruindo de uma ínfima parte do todo. Citar exceções como Duchamp ou Salvador Dalí e mais recentemente Warhol, seres midiáticos por excelência2 com muito poder, não provará o contrário.

No Brasil dos anos 70 período no qual a classe artística enfrentava uma restrição das liberdades em decorrência do endurecimento do regime ditatorial, a partir de 68, como reflexo da guerra contra as ações comunistas veladas em nosso território forma-se uma

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Utilizaremos este termo misto por considerarmos mais abrangente do que os termos isolados artista visual ou artista plástico. Mais abrangente por incluir práticas artísticas distintas e muitas vezes complementares em um período abrangente da história da arte.

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Duchamp bemmais discreto do que Dalí, mas inteligentíssimo na divulgação do seu fazer artístico nos círculos restritos da arte conseguiu eventualmente acesso as grandes mídias. Dalí ao contrário, como uma espécie de pavão na arte, conseguiu frequentemente acesso ao cinema, à rádio e à televisão.

geração de artistas extremamente politizados, oriundos de um ensino público excelente. Ensino este da época dos complexos e difíceis exames de admissão da escola pública. Neste contexto, várias mobilizações desta classe artística intelectualizada surgem da contestação do sistema geral das coisas. Questões sobre moralidade, a política, a economia e o próprio sistema de arte vigente. Sistema de arte que vinha dos vestígios do mecenato no Brasil e depois, com início nos anos 70 de um mercado de arte no eixo Rio-São Paulo. Sistema este que ainda não havia sido pensado amplamente com as práticas e as características distintas da produção artística brasileira, considerando todos os seus substratos culturais e sociais, até mesmo e situações práticas cotidianas, das próprias necessidades pessoais dos artistas, com reflexo na sua prática de sua cidadania. Todo este conjunto de coisas somado a ditadura com reflexos nas questões morais gerará aqui no Brasil uma maior consciência da classe artística que alterará para sempre o sistema de arte do nosso país.

A ABAPP3 foi uma entidade de classe profissional oficializada em 30 de agosto de 1977, constituída por agremiação livre e espontânea de artistas profissionais, independentemente das escolas artísticas e das tendências estéticas a que se filiavam os artistas participantes. A atividade político-profissional da ABAPP era fundamentada nos princípios do direito ao livre exercício da profissão e da expressão do pensamento. A associação trabalhou intensamente para a consolidação social do lugar do artista na nossa sociedade.

Nosso estudo encontrou uma recorrência de manifestações da ABAPP perante o INAP. Nestas manifestações discutiam minuciosamente a atuação deste instituto, suas ações e seus conceitos que refletiam sua política cultural específica para as artes plásticas no território nacional.

3 A primeira ABAPP foi a carioca, depois foram constituídas algumas outras em outros estados da Federação,

localizadas em cidades como Belém, Manaus, Pernambuco e Porto Alegre. Alguns dos principais artistas participantes da Associação carioca foram: Iberê Camargo, Katie Van Scherpenberg, Loyo Pérsio, Carlos Vergara, Marilia Kranz, Rute Gusmão, Maria Luiza Saddi, Fernando Cocchiarale, Valério Rodrigues, Indaiá Lacerda, Manfredo de Souza Netto, Jorge Duarte, Adriano de Aquino, Rogério Luz, Cildo Meireles, Marília Rodrigues, Ascânio, Fayga Ostrower, Frank Schaeffer, Rubens Gerchman, Waltércio Caldas, Joaquim Tenreiro, Solange Oliveira, Igor Marques, Montez Magno, Paulo Roberto Leal, Carlos Scliar, Abelardo Zaluar, Antonio Henrique Amaral, Glauco Pinto de Morais, Ronaldo do Rêgo Macedo, Aníbal Fernando Martinho, Paulo Estellita Herkenhoff, Miriam Danowsky, Carmen Bardy, Aluisio Carvão, Thereza Miranda, Denise Weller entre outros. Já existiam outras associações anteriores à ABAPP, a Associação Riograndense de Artes Plásticas Francisco Lisboa é uma delas, foi fundada em 1938. Concentramos-nos na ABAPP porque esta foi a que manteve um embate perante o INAP desde sua criação que é o que nos interessa a esta pesquisa e foi ela quem congregou todas as associações de artistas plásticos do Brasil em encontros e debates para discutir a política cultural dedicada às artes plásticas.

Lembremos estas manifestações foram minuciosamente lembradas por Carlos Vergara um dos fundadores da associação em entrevista para o nosso trabalho de mestrado, um dos fundadores da ABAPP. (ANDRIANI, 2010, p. 127).

Os embates da ABAPP não se restringiam aos espaços e procedimentos da FUNARTE, segundo Adriano de Aquino (ANDRIANI, 2010, p. 117-126), Ex-Presidente da ABAPP, a associação reunia artistas das mais diversas tendências estéticas e o elo principal que unia esses artistas, era a vontade de que instituições como o MAM (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro) refizessem seus paradigmas, suas formas de trabalhar. Fortes fatores favoreceram esta vontade dos artistas, como o incêndio no MAM, questões da gestão do museu e a distância que se formara entre os dirigentes do museu e a classe artística.

A ABAPP foi a principal associação da sociedade civil que interferiu na atuação do INAP, exigindo uma atuação democrática da instituição e propondo projetos diversos. Devemos recordar que a partir de 1975, todos estes espaços institucionais criticados pela ABAPP, como o MAM e o Salão Nacional já estavam sob o controle da política cultural da FUNARTE através do INAP.

Após este breve resumo da formação e da atuação da ABAPP no qual podemos ver a importância histórica da ABAPP no estabelecimento do lugar do artista, nos espaços da arte, nas instituições da arte, no ensino da arte, na legislação da arte, na liberdade do artista, no mercado de arte e principalmente, nas relações entre Estado e arte. Podemos nos perguntar se, em tão pouco tempo de existência, com os recursos limitados da época, com a amplitude de sua abrangência e os reflexos que hoje usufruímos, não seria o momento atual, o momento de uma reabertura da ABAPP ou de algo equivalente atualizado?

Um local de livre discussão, que abarcasse os indivíduos artistas com toda a pluralidade atual? Que diminuísse as distâncias continentais do nosso país, congregando todos os artistas do território nacional que lhe recorressem em busca de novos conceitos, de livre expressão ou de auxílio técnico e jurídico? Os coletivos atuais, comuns nas práticas contemporâneas não obteriam um resultado efetivo perante as esferas públicas locais e federais?

Com o amadurecimento do entendimento da coisa pública presente no contexto brasileiro, veríamos até o caminho inverso. Por exemplo, discussões em torno do exagero com o qual alguns artistas utilizam a coisa pública através das leis de incentivo fiscal.

As ações atuais da FUNARTE, mesmo que indiretamente revogadas, são em boa parte resultado dos preceitos congregados pela ABAPP. Quando detalharmos adiante as ações atuais do CEAV perceberemos, então, a absorção das conquistas da ABAPP que podemos

resumir em: maior participação do artista; contratação de artistas em seu corpo de funcionários; transparências nas ações perante a classe artística; assimilação de correntes artísticas variadas; valorização da arte brasileira contemporânea; abertura a discussões públicas e capacidade autocrítica.

Por ter proporcionado enorme colaboração ao bem estar profissional e social que nós artistas gozamos nos dias de hoje a ABAPP merece ter sua história detalhadamente contada. Sabemos que diante desta enorme empreitada, nem mesmo seus antigos participantes conseguirão executá-la isoladamente. Desta maneira a FUNARTE deveria entrar como principal agente financiador, com o auxílio documental de seu CEDOC nesta tarefa e formalizar através de uma excelente publicação a historicização da ABAPP para mostrar às atuais e futuras gerações de artistas visuais a importância da união em busca de objetivos nobres comuns aos artistas e à sociedade.

3 O GOVERNO COLLOR, A CRIAÇÃO DO IBAC E DE SEU