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4 CORPO PRESENTE

5.1 Ser artista Mulher

Os adjetivos marcam a nossa vida profundamente. O menino afeminado, a travesti, a artista queer, a artista transexual, a artista mulher. Recentemente no livro De Sinhá Prendada a Artista Visual: Os caminhos da mulher artista em

Pernambuco, 2017, organizado pela Prof. Dra. Madalena Zaccara, figuro como

um dos perfis levantados no livro. Essa dissertação, a caminhada pelo mestrado, as leituras, a minha própria vivência, e mais recentemente esse livro, me fizeram mudar de percepção nos últimos dois anos. Meu trabalho sempre foi marcado pelo medo da violência que uma pessoa desviante como eu poderia sofrer. E sofri. As mais diversas narradas nessa dissertação. Quando comecei a pensar em fazer essa série, que mais tarde se transformou em instalação na Exposição Coletiva TRAMAÇÕES, me via como a artista transexual. Um adjetivo que pesa muito sobre minhas costas até hoje. Porém coloquei muitas das minhas angústias para fora, e cada vez que as regurgitava apareciam outras, até que foram diminuindo. Não me entendam mal. Não é que não me considere mais uma mulher transexual, é apenas que sinto que muitos dos problemas concernentes a essa questão foram superados nessa caminhada. Hoje, por exemplo, eu consigo ir num salão de beleza e até visto roupas mais ousadas. Porque a caminhada, o conjunto dela, me fez superar muita coisa. E não só essas aparentemente superficiais. Essa mudança de percepção me fez superar, principalmente, o estigma e a falta de empatia das pessoas. Aprendi que poder é algo que não está verticalmente acima de nós. Ele é muito mais rizomático, pegando emprestado o termo Deleuziano, e muito mais dinâmico do que se imagina. Poder também é resistência, e aprendi a usar as ferramentas que tinha para resistir. De maquiagem à produção da

instalação Corpo Presente. A publicação supracitada sobre artistas mulheres pernambucanas foi um choque. Eu fiz a sociedade me ver como mulher. Não todos, mas uma grande maioria; a publicação é algo que legitima isso. Mas não é apenas ela que legitima esse fato, apenas que através dela consegui enxergar o quanto do peso tirei das minhas costas. Me ver lá, entre tantas outras mulheres, me fez mudar a percepção que tinha sobre mim mesma e sobre o mundo. Hoje eu posso dizer: estou caminhando. Pois há um certo tempo me sentia parada. Presa num lamaçal de dúvidas e interrogações sobre o futuro. O medo da violência sempre permeou meu trabalho enquanto temática visual; acredito que continuará sendo. Mas não da mesma forma, não como meu corpo sendo objeto dessa violência, mas, sim, do meu corpo resistindo a ela. Sinais já foram dados em algumas das aquarelas analisadas aqui, especialmente em A colegial e Polinização.

Encerro esse texto com o sentimento de querer expandir esse trabalho, tratar de outros temas também. Continuar a caminhada, porque ainda há lama nela, mas eu preciso continuar caminhando.

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