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As áreas protegidas e as comunidades locais no Brasil

2. Áreas naturais protegidas: dos conflitos à gestão participativa

2.4 Áreas protegidas e populações humanas

2.4.1 As áreas protegidas e as comunidades locais no Brasil

Para Vianna (2008):

[...] o fato da conservação da natureza ter surgido historicamente dissociada da justiça social e da distribuição da riqueza nacional, criando uma aparente interdependência entre estas questões, [gerou] motivos dos impasses da legislação ambiental brasileira, inclusive no tocante às unidades de conservação, vistas como impeditivo de desenvolvimento (VIANNA, 2008, p. 181).

No Brasil, os primeiros passos em direção à proteção de extensas áreas verdes ocorrem a partir da década de 1930, quando surge o primeiro Código Florestal, em 1934, seguido pela criação do Parque Nacional de Itatiaia (PNI) – o primeiro parque nacional. Os parques nacionais acompanharam o modelo norte-americano preservacionista (DIEGUES, 2004). Autores como Medeiros, Irving e Garay (2006) apontam também que a instituição dessas áreas respondia a outros fatores:

A lógica da conservação e uso, com participação da sociedade civil, paralela à lógica da preservação; a preservação – conservação como instrumento geopolítico; a necessidade de se adequar o sistema de áreas protegidas à dimensão continental, pluri-cultural e megadiversa do Brasil (MEDEIROS, IRVING, GARAY, 2006, p.21).

O desmatamento em larga escala no Brasil ocorreu desde o início da colonização, visto que os ciclos econômicos atendiam sempre às demandas externas, e não havia preocupação com os impactos da produção. Vianna (2008, p. 165) aponta que em 1658 houve algumas manifestações contra intervenções na cidade do Rio de Janeiro, assim como também cita a preocupação para com o meio ambiente de figuras históricas como José Bonifácio, André Rebouças, entre outros (VIANNA, 2008).

No final do século XIX ocorre o início da industrialização, ainda que morosamente se comparado aos países europeus ou continente norteamericano. Mas estes avanços já causavam intensa degradação aos ecossistemas. A partir da década de 1950 o Brasil, de fato incluso na economia global, inicia projetos de grande infraestrutura: estradas, barragens, hidrelétricas. O desenvolvimento do Brasil, ocorrido no segundo quinquênio do século vinte, foi tamanho e muito peculiar que Santos (1987, apud VIANNA, 2008) aponta como um “crescimento delirante”. Na década de 1960 foram instituídas inúmeras unidades de conservação, algumas até no mesmo dia (VIANNA, 2008, p. 168).

O segundo Código Florestal Brasileiro entra em vigência no ano de 1967, mas não havia articulação nacional do que seria uma unidade de conservação. Talvez, uma das justificativas plausíveis girava em torno da “proteção das belezas cênicas”.

A Conferência de Estocolmo de fato iria contribuir para o contexto brasileiro. A Secretaria Especial do Meio Ambiente (SEMA), criada em 1973, é um desdobramento da conferência. Como é exaustivamente explicitado, o Parque Nacional do Itatiaia teve forte influência do preservacionismo de John Muir. Mas na década de 1980, surgiu no Brasil uma categoria que privilegiava uma visão mais utilitarista do meio ambiente, a Área de Proteção Ambiental (APA), em acordo com as ideias de Gifford Pinchot, e também dos congressistas de Estocolmo.

Ainda na década de 1980, é impreterível sublinhar também a Política Nacional de Meio Ambiente (1982), como forma de organizar a questão ambiental, assim como a criação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) em 1989, que possuía diversas atribuições, entre elas, a administração das unidades de conservação (VIANNA, 2008).

O Sistema Nacional de Unidades de Conservação, o SNUC, instituído em 2000, é visto como um dos grandes avanços decorrentes de discussões sobre proteção da natureza brasileira, fruto de muitas discussões. De acordo com a lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000, que dispõe sobre o SNUC, as Unidades de Conservação são:

[...] espaço territorial e seus recursos ambientais, incluindo as águas jurisdicionais, com características naturais relevantes, legalmente instituído pelo Poder Público, com objetivos de conservação e limites definidos, sob regime especial de administração, ao qual se aplicam garantias adequadas de proteção (BRASIL, 2000, artigo 2°).

Nesta mesma lei é determinada a existência de dois grupos de Unidades de Conservação (UC): Unidades de Proteção Integral e Unidades de Uso Sustentável. A propriedade da terra nas Unidades de Proteção Integral é, em geral, de uso público, e o objetivo destas unidades é a preservação da natureza, admitindo-se apenas o uso indireto12 dos seus recursos naturais, com exceção dos casos previstos nesta lei. Este grupo possui cinco categorias: Estação Ecológica, Reserva Biológica, Parque Nacional, Monumento Natural e Refúgio de Vida Silvestre.

Por sua vez, as Unidades de Uso Sustentável podem ser de uso público e privado, e têm como finalidade compatibilizar a conservação da natureza com o uso sustentável de parcela dos seus recursos naturais. Possuem as seguintes categorias: Área de Proteção Ambiental, Área de Relevante Interesse Ecológico, Floresta Nacional, Reserva Extrativista,

12 Segundo a alínea IX do Art. 2o da Lei nº 9.985, uso indireto é: aquele que não envolve consumo, coleta, dano

Reserva da Fauna, Reserva de Desenvolvimento Sustentável, Reserva Particular do Patrimônio Natural.13

Entre os grupos de Unidades de Conservação de Proteção Integral ou Unidades de Uso Sustentável, somente as categorias como Estação Ecológica e Reserva Biológica não admitem o desenvolvimento da atividade turística, nem mesmo visitação pública, exceto quando há objetivo educacional ou de pesquisa.

Observando as categorias de Unidades de Conservação, a Barra do Una percorreu os caminhos de ser desde uma Estão Ecológica (ESEC), de Proteção Integral, a uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS), do grupo de Uso Sustentável.

Reforçando as diferenças de uma UC de proteção integral e uma de uso sustentável, expõe-se uma diferença substancial, por exemplo, entre uma Área de Proteção Ambiental (APA) e uma Estação Ecológica (ESEC). Estas foram criadas pela SEMA. Nas estações ecológicas o intuito era permitir a realização de pesquisas científicas em 10% da área da unidade. Em uma APA é permitido a propriedade das terras a particulares, mas havendo controle das atividades econômicas que sejam desenvolvidas no interior da área (VIANNA, p. 172, 173).

Em 2007 a gestão das unidades de conservação passa a ser administrada pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, deixando de ser responsabilidade de setores do IBAMA.

Por conta de tantas contestações oriundas de comunidades que habitam UC, ao contrário de se tomar posturas de penalidade e patrulhamento, têm emergido, por parte do poder público, políticas de participação local na implantação de planos de manejo de áreas protegidas (MORSELLO, 2001, p. 248). E no Brasil, o debate sobre conflitos de comunidades em UCs acontece à exaustão, em vasta produção literária acadêmica, congressos, fóruns.

O SNUC possui em seus artigos premissas que promovem a participação social, bem como documentos legais que confirmam tais pressupostos: o Plano de Manejo e os Conselhos Consultivos e Deliberativos. Ressalta-se, todavia, para uma postura real de inclusão socioeconômica destas comunidades, que não fique apenas no “papel” a participação popular, partindo do pressuposto que o Estado deve trabalhar sempre negociando com os diversos segmentos locais, como aponta Medeiros, Irving, Garay (2006, p. 35).

13Lei nº 9.985, de 18 de julho de 2000. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/

Há um desafio a ser transposto quando se menciona incluir dispositivos participativos. O SNUC garante a participação popular no manejo de áreas protegidas, todavia, é fato: isto vem ocorrendo timidamente. Cita-se como exemplo a própria Barra do Una, ou a Juréia. Os espaços participativos destes locais foram, decisivamente, inaugurados após a insurgência dos moradores, tendo em vista que o Estado – e mesmo organismos como a Fundação Florestal – pouco atuou para representá-los significativamente. Hoje estes espaços conquistados representam grande importância para viabilizar suas lutas por melhoria de vida.

A inserção das comunidades locais na condução e participação nas áreas protegidas se inicia a partir dos anos 1980 (VIANNA, 2008, p. 158). Como explanado no tópico anterior, as áreas protegidas, unidades de conservação (UC) no Brasil, surgiram a despeito da existência de moradores em suas áreas implantadas. Além da participação social por meio das instâncias legais das UC, o turismo de base comunitária, como forma de gestão coletiva, pode ser pensado também como componente eficaz de participação para a localidade, como se procurará discutir mais adiante.