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Gestão de áreas protegidas e participação política

2. Áreas naturais protegidas: dos conflitos à gestão participativa

2.6 Gestão de áreas protegidas e participação política

A gestão e governança de áreas protegidas têm gerado muitos debates. Evidentemente, os muitos conflitos existentes atribuíram mais responsabilidades aos gestores das áreas, que passaram a compreender que a participação política dos atores envolvidos com as instituições de unidades de conservação é um elemento fundamental para seu sucesso. No entanto, isto é um fato recente, em que se nota avanços e recuos. O ponto a se destacar é que mesmo os conflitos sendo compreendidos como ações desgastantes, principalmente para as comunidades afetadas, proporcionaram ao menos algum papel para levantar a discussão.

Em geral os mais afetados são as comunidades, ou grupos sociais mais vulneráveis, ou sendo direto: os mais pobres (ALIER, 2009). Ao conceito de pobreza não cabe apenas ser

posto em parâmetros economicistas, com base em renda ou consumo; é importante, além disso, entender como determinada comunidade ou povo entende este conceito. A falta de oportunidades para participar – por exemplo, da constituição de uma unidade de conservação –, ou impossibilidade de agir em processos de tomadas de decisão, a vulnerabilidade aos riscos de acidentes naturais e incapacidade de defesa de direitos são aspectos que a IUCN (2006) aponta como fundamentais para esse entendimento.

Ao longo de muito tempo as políticas ambientais impostas em áreas naturais mostraram-se autoritárias, afrontando direitos básicos de indivíduos e comunidades. A promoção da participação social tem crescido recentemente. O ano de 2013, disparado pelos jovens brasileiros que foram as ruas em todo país, confirma a pressão pela ocupação das ruas e da luta política.

São fatos apontando que em tempos recentes houve uma ebulição na participação política, não apenas na questão ambiental; a despeito das comunidades da Juréia, por exemplo, já terem um histórico considerável de, até mesmo, décadas de luta social. Como já vimos, as reivindicações socioambientais partiram desde meados dos anos de 1980.

Quanto aos caminhos da participação social, Arnstein (2002) analisa diversas formas envolvendo indivíduos e instituições. Como em degraus de uma escada, a participação ocorre de um nível onde não há real participação, apenas manipulação. Um passo ou subida de degrau adiante, e ainda se permanece quase no mesmo lugar, este nível, a autora chama de terapia. Após isso, as formas participativas vão se consolidando, embora ainda não se arrisque a dizer que tais degraus sejam efetivamente democráticos: informação, consultas, pacificação, parceria. Só mesmo quando se atinge os últimos degraus “delegação de poder” e “controle cidadão” que se chega a uma efetividade da participação popular.

Em áreas protegidas o desafio é integrar as comunidades nos processos decisórios, ou seja, o fato é de “dar voz” a estes cidadãos, que se veem em situações de vulnerabilidade, passando a ser protagonistas no controle social e político de seus territórios. Neste sentido, vem sendo construído e disseminado o conceito de governança.

Para o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), governança:

[...] engloba a interação entre as estruturas, os processos, as tradições e sistemas de conhecimento, que determinam a forma pela qual se exerce o poder. Compreende a responsabilidade para as tomadas de decisão, na qual os cidadãos e outros interessados diretos expressam sua opinião.”

A IUCN (2006) apresenta categorias de governança para áreas protegidas em que propõem que estes espaços possam ser administrados por governos, ONGs, comunidades

locais, indígenas, entre outras. Este manejo pode ocorrer em parceria ou apenas por uma destas partes.

Graham, Amos e Plumptre (2003, p. 2) definem governança com base na seguinte formulação: “As interações entre estruturas, processos e tradições que determinam como poder e responsabilidades são exercidos, como as decisões são tomadas e como os cidadãos e demais atores têm a dizer.” (tradução livre do autor).16

Estes autores também propuseram cinco princípios de “boa governança”, construídos sob consensos internacionais expressos em declarações e acordos das Nações Unidas, servindo para avaliar a governança nas áreas protegidas. São eles:

1. Legitimidade e Voz: diz respeito à participação em todos os níveis de tomada de decisão, considera também direito à voz a todos os implicados; 2. Direcionamento: concerne basicamente a visão estratégica; 3. Desempenho: a busca pela eficiência é fator imprescindível, o dialogo e a veiculação de informações, a capacidade de lidar com as críticas, e o monitoramento de todas as ações; 4. Compromisso e Responsabilidade: prestação de contas, transparência, critérios de coerência; 5. Justiça e Equidade: igualdade e equacionar injustiças. Tais princípios servem para orientar e avaliar a execução da “boa governança” em áreas protegidas (GRAHAM, AMOS e PLUMPTRE, 2003; IRVING et al , 2006).

É preciso evoluir muito ainda neste quesito de participação popular no Brasil. Os quadros apontam para algumas mudanças positivas, não apenas porque nos últimos tempos foram criadas instâncias de participação e aproximação dos cidadãos com o poder público, como exemplificado no caso do SNUC, mas também foram manifestadas – bem como foram do mesmo modo, originadas e conquistadas – nos últimos tempos por movimentos sociais. A luta dos moradores da Vila de Barra do Una em torno de um objeto comum, caracterizada pelo enraizamento das pessoas com o território, é uma demonstração evidente do desejo de participação na condução e governança da área.

O histórico de Unidades de Conservação carrega consigo contradições, ao passo que tentou proteger a natureza, mas afastou as comunidades dos processos decisórios. O espaço para discussão principal das UC são os conselhos, instâncias coletivas de tomadas de decisão, e nestes é que sobressaem assuntos, como o turismo, atividade mobilizadora de atores que debatem acerca do uso público destas áreas. O próximo capítulo reporta-se essencialmente à trajetória do turismo, partindo de seu histórico de gestão mais centralizada (por atores

16“the interactions among structures, processes and traditions that determine how power and responsibilities

externos, agentes públicos ou iniciativa privada) a propostas recentes de autonomia das comunidades.