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3 CONCRETIZAÇÃO DA IGUALDADE: A QUESTÃO DAS

3.2 AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL

3.2.1 As ações afirmativas no ordenamento jurídico brasileiro

No plano jurídico internacional, no contexto do Direito Internacional dos Direitos Humanos, destacam-se duas estratégias para a luta contra a discriminação, de maneira similar ao que observamos quando da passagem do modelo liberal de Estado de direito para o paradigma constitucional.

Trata-se, na primeira fase, da construção da proteção geral dos homens e mulheres com base no conceito formal de igualdade. Nesse período, imediatamente posterior ao término da Segunda Guerra Mundial, o objetivo era responder ao horror representado pelo nazismo, que havia retirado de alguns grupos qualquer dignidade ou noção de direitos. Buscava-se punir, proibir e eliminar todas as formas de discriminação, com base na raça, gênero, origem geográfica, religião, entre outros. O símbolo desta estratégia foi a Declaração Universal de 1948, inserida na lógica da punição da intolerância que gerara a tentativa de destruição do “outro” (PIOVESAN, 2005, 2008).

dos direitos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais dos afrodescendentes na sociedade brasileira, com a finalidade de orientar a adoção de políticas públicas afirmativas (192); apoiar as ações da iniciativa privada no campo da discriminação positiva e da promoção da diversidade no ambiente de trabalho (194); e estabelecer mecanismos de promoção da equidade de acesso ao ensino superior, levando em consideração a necessidade de que o contingente de alunos universitários reflita a diversidade racial e cultural da sociedade brasileira (325). Já na sua terceira edição (BRASIL, 2009), entre outras, elaborar programas de combate ao racismo institucional e estrutural, implementando normas administrativas e legislação nacional e internacional (diretriz 9, objetivo estratégico I, letra c); realizar levantamento de informações para produção de relatórios periódicos de acompanhamento das políticas contra a discriminação racial, contendo, entre outras, informações sobre inclusão no sistema de ensino (básico e superior), inclusão no mercado de trabalho, assistência integrada à saúde, número de violações registradas e apuradas, recorrências de violações, e dados populacionais e de renda (letra d); analisar periodicamente os indicadores que apontam desigualdades visando à formulação e implementação de políticas públicas e afirmativas que valorizem a promoção da igualdade racial (letra e); e fomentar as ações afirmativas para o ingresso das populações negra, indígena e de baixa renda no ensino superior (diretriz 9, objetivo estratégico V, letra f), dentre outras.

Contudo, logo percebe-se que, em relação a certos grupos sociais, a proteção geral é insuficiente para a obtenção da igualdade. Em outras palavras, a percebe-se que a proibição da exclusão não gera necessariamente inclusão. Nesse sentido, articula-se uma segunda estratégia (que se soma à anterior), de caráter promocional e que visará a proteção especial dos sujeitos de direitos orientada por critérios de gênero, raça, orientação sexual, idade e outros. São estimuladas as políticas compensatórias que objetivem estimular a redução das desigualdades, inserindo socialmente os grupos vulneráveis (PIOVESAN, 2005, 2008).

Nesse contexto é que se insere a Convenção Internacional para a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, aprovada nas Nações Unidas em 1965 e ratificada pelo Brasil (entre outros 170 países) em 1968. Esta prevê a “adoção de medidas especiais de proteção ou incentivo a grupos ou indivíduos, com vistas a promover sua ascensão na sociedade, até um nível de equiparação com os demais” (PIOVESAN, 2003, p. 200). Nesse sentido, dispõe, em seu artigo 1º, n. 4, que

não serão consideradas discriminação racial as medidas tomadas com o único objetivo de assegurar o progresso adequado de certos grupos raciais ou étnicos ou de indivíduos que necessitem da proteção que possa ser necessária para proporcionar a tais grupos e indivíduos igual gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades individuais, contanto que tais medidas não conduzam, em consequência, à manutenção de direitos separados para diferentes grupos raciais e não prossigam após terem sido alcançados os seus objetivos (apud GOMES, 2003, p. 110-11).

No plano interno, diversos são os dispositivos que recepcionam a igualdade material. Dentro os que possuem sede constitucional, podemos citar que a construção de uma sociedade justa e solidária e a erradicação das desigualdades sociais são objetivos de nossa República (Constituição Federal, art. 3º, I e III); os ditames da justiça social, que devem pautar a ordem econômica, tendo em vista a redução das desigualdades regionais e sociais (que estabelece, por exemplo, tratamento favorecido para empresas de pequeno porte que possuam sede e administração no país, nos termos do art. 170, caput, VII e IX, da

Constituição Federal); por fim, o art. 7º, XX, estabelece especial proteção ao mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, enquanto o art. 37, VIII, ambos da Constituição Federal, determina a reserva legal de vagas para cargos e empregos públicos para pessoas portadoras de deficiência81 (GOMES, 2003, 2005).

Em relação aos portadores de deficiência, a previsão da adoção de políticas de discriminação positiva é expressa. Com efeito, o art. 37, VIII, estabelece que um percentual de vagas nos cargos e serviços públicos deverá ser reservado para pessoas portadoras de deficiência. A lei n. 8.112, de 11 de dezembro de 1990 (BRASIL, 1990), que trata do regime jurídico dos servidores federais, regulamenta este dispositivo constitucional. Em seu art. 5º, § 2º, prevê a reserva de até 20% das vagas oferecidas em concursos públicos para estes sujeitos (10% tem sido considerado um percentual razoável, levando-se em conta que esta é a proporção de deficientes no Brasil segundo a Organização Mundial de Saúde), sendo que as atribuições devem ser compatíveis com a deficiência de que são portadores (GOMES, 2003, 2005).

No que se refere às mulheres, em atenção à nossa longa tradição patriarcal, foi necessário à a Constituição determinar expressamente que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações (art. 5º, I). Em outras passagens reafirmou este mandamento, como quando alocou entre os direitos dos trabalhadores especial proteção ao mercado de trabalho da mulher (art. 7º, XX).

Não obstante, face o reconhecimento de que a discriminação contra as brasileiras não havia sido reduzida da maneira desejada, as Leis n. 9.100, de 29 de setembro de 1995 (BRASIL, 1995), e n. 9.504, de 30 de setembro de 1997 (BRASIL, 1997), estabeleceram cotas mínimas de candidatas mulheres para as nominatas dos partidos políticos para as eleições de 1996 e 1998. A primeira fixou, para as eleições municipais de 1996, que um percentual mínimo de 20% das vagas de candidatos de cada partido ou coligação fossem mulheres, enquanto a segunda estabeleceu um índice mínimo de 30% e máximo de 70% para candidatos de cada sexo, sendo que nas eleições de 1998 foi aplicada uma regra de transição (25%) (GOMES, 2003, 2005). Embora a cautela que se deva ter para avaliar essas medidas em termos de sua efetividade para a redução da desigualdade, se em 1994 somente 5,7%

81 Note-se que todos os verbos empregados pela Constituição designam um comportamento

dos parlamentares no Brasil eram mulheres, logo após a edição da primeira dessas leis o percentual saltou para 13,1%. A medida justifica- se, segundo Piovesan, quando consideramos que, embora representem metade da população mundial, ainda constituem apenas 10% dos legisladores e menos que isso se considerados os órgãos administrativos (2003, p. 200-1).

Ademais, os referidos programas nacionais de direitos humanos constituem relevante suporte jurídico e político para o incentivo à adoção destas medidas.