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3 Papel dos médicos diante da violência doméstica contra a mulher Esta categoria contempla as atuações profissionais diante de uma mulher em

3.2 As atuações diante de um caso de violência.

Esta subcategoria refere-se ao relato dos médicos quanto às suas atitudes diante de mulheres em situação de violência. Isto é, ao serem questionados sobre o que eles fazem quando se deparam com uma paciente que sofreu algum tipo de violência, obtivemos respostas variadas.

Uma parte dos entrevistados afirmou que procura orientá-las, esclarecê-las e acolhê-las, as passagens a seguir ilustram essa idéia:

Eu tenho procurado conversar… lógico, faz toda anamnese, faz o exame e tudo mais… acaba partindo depois para uma… é… é… conversa… ver realmente qual é o fundo, né. Muitas vezes eu peço a ela: “Marca com seu marido, pede pra ele vir aqui conversar comigo”. […] E nesses casos de… de… exames, conversa… às vezes a gente tenta… tenta colocar (risos) na cabeça delas que elas não são assim… é… marionetes na mão do homem. Eu acho que sempre coloco essa posição. “Busca alguma coisa, vai fazer isso… vai fazer aquilo e tal”. “Mas ele não deixa”. “Então busca… e faz assim, você não pode ficar assim… vira… roda a baiana”. Uso termos que realmente dá pra elas entenderem. Estimulo, não sei se to errado, eu faço isso. […] a confiança… eu estímulo ela a… eu estímulo ela a tá sempre vir na consulta… sempre em busca […] Eu tento mostrar preocupação no aspecto.

[…] eu estou falando em termos de posto de saúde mesmo… chamar aquela mulher para estar conversando, esclarecendo que ela tem maneiras como procurar ajuda, é interessante. […] Eu vou tentando puxar da pessoa… porque eu não coloco, olha eu acho isso, isso e aquilo. Eu vou tentando puxar para pessoa, ver o que que ela sente, se ela tem pelo menos consciência do que está acontecendo.

(GO2, mulher, 37 anos, distrito sul)

Não… você tem que dar é muito apoio moral. Você tem de procurar ser amigo da pessoa e… como essa moça, procurar ouvir o que ela tem a dizer, não tentar só tirar as coisas à força. Tentar acalmar, falar que vai dar tudo certo, se ela não se sentir amparada, né. Se ela não se sentir diante de uma pessoa amiga, ela não se abre não. Tem que procurar manter um vínculo de pelo menos amizade naquele momento.

(GO1, homem, 55 anos, distrito leste)

Segundo os profissionais, é necessário manter um diálogo procurando esclarecer que aquela situação não é saudável; há risco de sofrer seqüelas mais graves; não precisa passar por aquilo; há recursos e locais aonde recorrer, buscando fazer com que essas mulheres tomem consciência da situação e percebam que sofrem violência doméstica. Além de destacarem a necessidade de manter o vínculo com as pacientes.

Essas atitudes estão de acordo com os expostos de Schraiber et al. (2002) que enfatizam a necessidade desses profissionais tomarem ciência da magnitude da violência e suas conseqüências para a saúde da mulher, promovendo um atendimento baseado no acolhimento e no respeito, para que a paciente sinta-se confiante em expor suas questões, possibilitando o prosseguimento do caso. Além disso, os autores nos atentam para a necessidade de escutá-la e entendê-la sem julgar ou agir de maneira preconceituosa. Assim, torna-se possível esclarecer os riscos aos quais ela está sujeita.

Esta idéia é também apoiada pela SPM (BRASIL, 2005a), ao expor a necessidade do profissional realizar uma escuta ativa, mostrando-se implicado com a demanda apresentada pelas pacientes.

E ainda, essas práticas de atendimento seguem as ações propostas pela SAS (BRASIL, 2004) no que se refere à humanização do atendimento, visando a conscientizar as mulheres em relação aos seus direitos, sobre seu corpo e sua saúde, aprimorando, com isso, sua capacidade de autonomia.

Outra atitude referida pelos médicos nos discursos, diz respeito ao encaminhamento como uma alternativa para dar prosseguimento aos casos de violência.

Manda para o serviço social. Ou aconselha-se fazer um BO. Eu dou este conselho. Ou ir na Delegacia da Mulher, tem uma delegacia especificamente para a mulher que sofreu agressão física, sabe? Então, a gente recomenda ir lá. Não chamam eles, eles não vêm. Nós orientamos ela para ela fazer, para ela ir. Explica quais seriam… se ela não vai quais seriam os problemas, o risco de ela ser agredida novamente, essas coisas. Orienta certinho, aí que ela decide se vai ou não vai. […] Agora, se for alguma coisa que a gente não consiga resolver, manda para o lugar certo, né. Como eu te falei, no HC, se, por exemplo, se tratar de uma agressão, de alguma coisa… manda para o HC. O HC tem uma estrutura bem, bem feita… eles têm os recursos necessários.

(GO3, homem, 52 anos, distrito norte)

Causou um dano psicológico… você vai ter que reparar esse dano psicológico. Daí você vai encaminhar […] e assim vai. Você vai de acordo com o que… o problema… o que causou, né… o que ela tá apresentando de problema.

(GO6, homem, 41 anos, distrito sul)

Segundo esses relatos, os médicos procuram encaminhar essas pacientes a outros serviços disponíveis, para que elas possam dar continuidade ao caso. Entre eles, encontram-se: o serviço social, psicologia, DDM. Além disso, destacam a existência de um serviço especializado em violência contra a mulher existente no HC voltado especificamente a violência sexual.

Esse procedimento de encaminhar essas mulheres a outros locais condiz com a rede de serviços proposta por Carreira & Pandjiarjian (2003), SPM (BRASIL, 2003) e SAS (BRASIL, 2004) que enfatizam a necessidade de uma atuação conjunta entre instituições governamentais e não-governamentais para o enfrentamento da violência doméstica.

Houve ainda aqueles que se referiram à necessidade de notificar os casos.

Tem um protocolo que a gente preenche de violência contra a mulher. Daí passa pra enfermeira, aí… você toma as medidas, né… vai ver. […] É… é um papel que já vem, já… tudo preenchido e é só você ir colocando xis […] Porque tem aquela é… a normatização que a gente deve comunicar casos de violência contra a mulher, entendeu. Então se ela vem aqui… e queixa disso e eu não notifico, amanhã, se tiver algum problema, alguma coisa… eu vou ser questionado porque que eu não notifiquei, entendeu?

(GO6, homem, 41 anos, distrito sul)

O correto é você notificar… mas a depender do caso, se for físico… a gente tem que notificar

Essa postura dos médicos de notificar mostra-se correta e adequada, uma vez que é prevista na Lei n.º 10.778, de 24 de novembro de 2003, para qualquer caso de violência contra a mulher. A notificação é uma importante fonte de dados para o dimensionamento epidemiológico do fenômeno e permite desenvolver ações específicas (SALIBA et al., 2007). Contudo, a subnotificação existente dos casos de violência, denuncia que o discurso desses profissionais, podem não condizer com a prática. De acordo com Deslandes; Gomes & Silva (2000) os profissionais de saúde não estão sensibilizados com a questão da violência contra a mulher o que muitas vezes é causa da subnotificação observada nos serviços de saúde.

O relato de muitos médicos sobre suas atitudes perante uma mulher em situação de violência mostrou-se adequado às disposições, normas, resoluções e políticas públicas propostas.