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3 Papel dos médicos diante da violência doméstica contra a mulher Esta categoria contempla as atuações profissionais diante de uma mulher em

3.4 Eu até queria ajudar mas…

Esta subcategoria aborda as dificuldades apontadas pelos médicos frente às usuárias em situação de violência. De acordo com os relatos, os profissionais, muitas vezes, deparam-se com uma série de barreiras, tanto institucionais, quanto pessoais, que prejudicam ou impedem a atuação deles diante dos casos.

Iniciamos destacando as barreiras pessoais referidas nos discursos que se seguem:

Preocupação sim, dificuldade não. De que a paciente não faça aquilo que tem que ser feito, né. Que a paciente continue, por exemplo… se ela apanha toda vez e não faz nada, não faz nada.

(GO3, homem, 52 anos, distrito norte).

[…] eu me sinto impotente contra isso […] a impotência… assim, quando chega uma mulher aqui, o que nós podemos fazer é atendê-la… é… procurar diminuir o

sofrimento […] Mas o adulto é diferente, né… se eu for na delegacia, ou ligar pro delegado, a mulher tá com medo, ela já quer ir embora após o atendimento. Como é que eu vou ligar? […] Então… agora o adulto, se ela vem aqui e fala que não quer o laudo eu não posso ir contra ela e já ligar pro delegado, ou pra polícia.

(CM2, homem, 52 anos, distrito central)

Ah… do marido vim atrás (risos)… Ele já veio, já teve casos assim? Já… a gente… de eu falar pra paciente assim… eu… teve uma vez que eu atendi no… era… era minha paciente daqui, do agendamento só que eu atendi ela lá na urgência. Que ela veio uma vez com espancamento… e, assim… ela foi muito espancada, tava com marcas no pescoço. Aí eu falei pra ela procurar a delegacia, fazer queixa… ir atrás. Aí o marido… ela… ela voltou com o marido e o marido veio aqui tirar satisfação. Porque eu mandei ela fazer queixa. É uma situação complicada. Mas a gente tem que orientar sempre… é obrigação nossa orientar pra procurar a delegacia.

(GO4, mulher, 29 anos, distrito central).

Os médicos afirmam impotência diante das atitudes que a paciente toma, mesmo depois de orientada. E temem tomar qualquer atitude por medo que o agressor da mulher venha “tirar satisfações”. Devemos valorizar o discurso da ultima médica aqui citada, pois a mesma orienta e toma atitudes frente às situações de violência, mostrando-se preocupada e buscando a melhor forma de auxiliar estas mulheres.

Concordamos com os expostos de Oliveira & Fonseca (2007) ao destacarem que este medo e a sensação de impotência dos profissionais e das mulheres perante as atitudes do agressor refletem a dominação masculina presente na sociedade, visto que a violência está diretamente relacionada à relação desigual de poder exercida pelo homem sobre a mulher.

Além das barreiras pessoais, encontramos no relato algumas barreiras institucionais, o que, muitas vezes, impedem-nos de agir adequadamente numa situação de violência, como ilustram as passagens a seguir:

Ai… na verdade que eu to fazendo muito pouco. Porque você começa… você esbarra em tantas dificuldades aqui… primeiro que se quase não tem tempo… você acaba tendo que… eu… é quinze minutos a consulta, mas pra você fazer uma orientação sexual mesmo, você tem que… ou então de agressão, de conversar com a mulher é muito mais que isso, então… esse é um obstáculo. […] Então, assim, fica uma área muito deficitária. Porque assim, não adianta… a minha área aqui é limitada, né… a gente… consigo ver que tem muito… mas às vezes não tem como resolver. E é… a gente não tem pra onde mandar.

Também, como ajudar ela? Eu dou os conselhos, tudo bem. Tem mulher que quer sair desta situação só que não acha um lugar onde ela pode ser ajudada. Onde poderiam ajudar? É a polícia, só que a polícia não faz nada. Tem a delegacia da mulher, que ela disse que fez vários BOs, só que a polícia também não faz nada. E ela continua apanhando.

(GO3, homem, 52 anos, distrito norte).

[…] e a rede pública é… municipal, estadual e federal… não dispõe… é… de psicólogos… tanto quanto dispõe de clínicos, pediatras, ginecologistas e eu não acho que os problemas emocionais e psicológicos estejam… digamos… ocupando nenhum papel inferior, na verdade na vida das pessoas. Eu acho que essa é uma inadequação do serviço público. Por exemplo, né… que que adianta eu estar detectando e não conseguir trabalhar… o que que aquela violência pode estar fazendo na vida da pessoa, até pra que ela tenha condições de mudança ou de enfrentar a situação de outra forma. Eu não tenho tempo… eu não tenho formação pra isso… e não tenho o que fazer, pra onde encaminhar. […] É por isso que eu falo… a coisa é muito mais ampla. Então a gente acaba tocando em situações pontuais, mas a gente não tem um direcionamento. É isso que eu falei… nós podemos ter uma Lei Maria da Penha, mas nós não sabemos… nós orientamos isso… mas eu não sei mais como abordar a paciente… o que vai ser depois disso… que estrutura ela vai ter. Então quando ela me disser: “mas se eu denunciar… e daí… volto pra casa Dra.?”… pronto, acabou aí meu argumento.

(GO7, mulher, 48 anos, distrito oeste).

[…] no esquema que a gente tem aqui, que tem que atender 15 pacientes em determinado tempo, fica difícil você fazer um trabalho desses. Quer dizer, a parte, quando você vai tratar de uma doença da parte física, alguma coisa, é rápido… agora a parte psicológica, você tem que às vezes buscar coisas muito distantes, quer dizer, lá de trás… e isso requer tempo, requer um ganho de confiança da paciente, né… quem não tem habilidade disso é difícil. […] Aqui é muito difícil, né, aqui é tudo muito complicado, né. Você já trabalhou na rede alguma vez? […] Se você pede um papanicolau, que é um exame que no consultório que em 7 dias tá pronto, ela vai sair daqui a 6 meses… eu preciso te falar mais alguma coisa? É…

as coisas aqui funcionam de vagarinho, né? De vagarinho você tá sendo gentil, né.

(risos).

(GO9, homem, 46 anos, distrito norte) Os profissionais afirmam que existem sérias falhas estruturais no sistema que impedem sua atuação: Não têm tempo disponível para abordar o fenômeno com as usuárias, uma vez que as consultas são muito curtas e suas agendas estão sempre lotadas. Os serviços não têm capacidade de dar vazão aos casos de agressão, por falta de profissionais de saúde mental. Os possíveis locais de encaminhamento estão saturados ou

indisponíveis. Falta de capacitação tanto deles próprios, quanto de outros órgãos envolvidos, principalmente a polícia, a qual, segundo os médicos, não faz nada.

Nossos dados confirmam diversos estudos realizados sobre a violência de gênero, entre eles: Sugg & Inui (1992), Pedrosa (2003) e Rodríguez-Bolaños et al. (2005), no que diz respeito às barreiras destacadas pelos profissionais de saúde para identificarem e lidarem com casos de violência.

E ainda que, ao pensarmos nas políticas públicas e nos mecanismos propostos para o enfrentamento da violência, como capacitar os profissionais e os serviços, equipando-os e promovendo uma estrutura adequada e ampliar e desenvolver serviços especializados ou de referência. Além de sugerirem que o atendimento seja prestado por uma equipe multidisciplinar, composta por profissionais sensibilizados e familiarizados com a questão da violência contra a mulher (SAS, BRASIL, 2005), constatamos, a partir dos nossos dados, que muitas dessas estratégias ainda não se consolidaram na prática.

Em virtude disso, concordamos com as estratégias propostas por Schraiber et al. (2002), por meio das quais a comunicação, a capacitação e a implicação das instituições com o fenômeno por nós abordado seriam os meios pelos quais a violência doméstica pudesse ter seu local reservado dentro da agenda do sistema público de saúde. Além disso, deveria ser desenvolvida uma rede de apoio multidisciplinar, integrando, assim, as áreas de saúde, segurança pública, educação, assistência psicossocial, entre outras, contribuindo para a prevenção e o combate da violência doméstica contra a mulher (CARREIRA; PANDJIARJIAN, 2003).

4 - Conhecimentos e informações sobre violência doméstica contra a