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3 Papel dos médicos diante da violência doméstica contra a mulher Esta categoria contempla as atuações profissionais diante de uma mulher em

3.1 Violência contra a mulher: o problema é de quem?

Esta subcategoria aborda a opinião dos médicos a respeito de quem é a responsabilidade de lidar com casos de violência. Os discursos mostraram-se bastante divergentes, indo de profissionais que acreditam que são responsáveis por tomar alguma atitude perante o caso, até aqueles que afirmam não ter nada a ver com a questão.

Iniciaremos abordando os médicos que alegam ser de sua responsabilidade o atendimento a partir do momento em que a mulher busca o serviço de saúde com essa queixa.

Depende de como você vai se intrometer, eu acho que… claro que você tem que interferir sim, principalmente se a pessoa tá te procurando, ou se você ouve falar. Mas… há maneiras e maneiras, não é… você chegar lá e só… como você vai interferir que é complicado.

(GO2, mulher, 37 anos, distrito sul)

Ah… eu meto a colher sim. (risos). Primeiro eu acho assim… o fim a agressão física, né. Então… quando chega aqui, assim, contando essas coisas com agressão física, ou contando… muitas das vezes a mulher fala: “ah… ele me chama de louca, ele me chama de não sei o que, ele me chama de vagabunda”. Aí eu dou uns conselhinhos. […] Alguma coisa tem que ser feita, né… desse jeito eles não podem viver. É… eu tento mete a colher, mas a gente não pode chegar e falar… às vezes dá vontade (de dizer)… “larga desse traste”, mas não pode.

(GO4, mulher, 29 anos, distrito central)

É… é… como médica, eu acho assim… que eu não tenho condições… mas eu acho que a orientação cabe a mim, dar sim… do risco que uma pessoa pode às vezes tá correndo… das atitudes que ela poderia estar tomando… tudo em termos da localidade, dentro da adequação. Orientação… a decisão é sempre da outra pessoa. […] Mas eu acho que nesse sentido a gente… é… funciona como orientador… né… detector e orientador de algumas coisas. Mas atitudes reais… compete à parte violentada, né… a mulher, no caso.

De acordo com essas passagens, podemos constatar que esses profissionais acreditam ser de sua alçada o atendimento de casos de violência doméstica, pois, a partir do momento que uma mulher chega ao serviço de saúde com uma queixa ou com sintomas de agressão, o médico tem a responsabilidade de atendê-las, assim como dar o melhor andamento ao caso.

Esses resultados mostram-se adequados com as disposições de Krug et al. (2003) que a violência é um problema de saúde pública devido à magnitude de suas seqüelas e de sua alta prevalência. E ainda que, segundo a Carreira & Pandjiarjian (2003) e SPM (BRASIL, 2003), os serviços de saúde são portas de entrada para mulheres em situação de violência, sendo encargo dos profissionais identificar, acolher, realizar os procedimentos adequados, visando ao atendimento integral à saúde da mulher. É possível perceber que esses profissionais têm clara noção de suas responsabilidades perante casos de violência de gênero.

Outra idéia que apareceu nos relatos foi a de que a violência é um problema de saúde, mas o profissional responsável que deveria tratar esses casos é o de saúde mental, por ter mais experiência e condições para lidar com esse fenômeno. A passagem a seguir ilustra esse apontamento:

[…] eu acho que alguém tem que meter a colher, mas com propriedade, né. Tem que ser alguém que entenda do assunto. […] muitas vezes ela acha que a gente é médico e que pode… mas… isso aí é a área… do pessoal da saúde mental que vai fazer uma terapia de casal ou coisa assim, é por aí. […] agora… profissional da área de saúde tem condições de ajudar nisso aí, o de saúde mental, tem condições de ajudar nisso aí. Ah… o padre não vai ajudar, o médico clínico vai ajudar muito pouco.

(CM3, homem, 55 anos, distrito central) Esse profissional afirma não se sentir seguro para atender a um caso de violência, pois acha que quem deve se envolver no problema é um profissional da saúde mental, acreditar que esta seja uma área especializada para lidar com o fenômeno.

De fato, o manejo de aflições psíquicas é da competência dos profissionais de saúde mental, entretanto, todas as atitudes tomadas no serviço de saúde, desde o momento em que a mulher procura a instituição, podem ser consideradas terapêuticas, pois, segundo Pedrosa (2003, p.54), “em um primeiro momento, o mais indicado seria que a mulher fosse ouvida e acolhida pelo profissional que ela escolheu como interlocutor”. E ainda, o médico

é responsável por promover um atendimento integral à saúde da mulher (SPM, BRASIL, 2003). E ainda que a violência de gênero é considerada como uma questão que deve ser acolhida por uma equipe multiprofissional.

Além das idéias apresentadas acima, surgiu à percepção de que a violência doméstica não ser responsabilidade médica, ao se destacar que se trata de um problema social, desvinculado da saúde, sendo, portanto, uma questão policial. A passagem a seguir apresenta esta idéia:

Se ela quer resolver o problema ela procura a polícia. Não procura o posto de saúde. […] Não é que não é necessário, isso não resolve nada… isso vai criar mais problema. Quem precisa procura ajuda. Procura ajuda. O que é preciso é dar suporte pra quem procura ajuda. Ajuda é na delegacia… na delegacia da mulher. É isso aí… não é um problema de saúde. É um problema psico-familiar- social. Não é… nós não temos condição, nem, preparo pra isso.

(CM5, homem, 57 anos, distrito leste) Essa noção é apresentada por Schraiber & D’Oliveira (1999) ao afirmarem que alguns profissionais de saúde acreditam que a violência doméstica é uma problemática que não deve ser encarada pela perspectiva médica, mas diz respeito à Segurança Pública e à Justiça.

E ainda que, além de ser um problema de polícia, é uma questão estritamente pessoal, que seu dever é apenas tratar dos ferimentos, e quem tem de tomar alguma atitude para cessar a violência é somente a mulher, conforme o relato:

Se ela não quer interferência na vida dela, eu não interfiro na vida dela. Ela toma as decisões da vida dela. Se ela quer continuar nessa vida, o problema é dela. Não é meu… o problema meu é suturar o braço dela, tá certo. […] Não, porque eu praticamente não lido com isso. Não lido com isso aqui. Não lido porque elas não querem que isso seja discutido aqui.

(CM5, homem, 57 anos, distrito leste) Esta passagem ilustra uma total desresponsabilização do profissional com a questão da violência e a não incorporação da evolução do conceito de saúde, permanecendo atado à noção positivista apresentada por Minayo (1994), de que a saúde deveria voltar seus esforços para tratar os efeitos da violência, tais como traumas e lesões, desconsiderando a complexidade do fenômeno. Estando de acordo com os expostos de Rodríguez-Bolaños et

al. (2005) ao afirmarem que os médicos consideram um problema de caráter privado, por

isso acabam não atuando perante o fenômeno.

Os discursos apresentaram-se bastante variados, visto que alguns médicos têm consciência do seu papel profissional de realizar o atendimento integral à saúde da mulher, dando vazão a questões não apenas biológicas, incluindo nessa consulta aspectos psicossociais. Em contrapartida deparamo-nos com profissionais que parecem permanecer atrelados ao modelo biomédico de atendimento, que não leva em consideração outros fatores que possam estar envolvidos com as queixas das pacientes, prejudicando a saúde delas.

Cabe-nos aqui destacar que o atendimento a uma mulher em situação de violência deve ser realizado por uma equipe multidisciplinar de profissionais de saúde, e integrado em rede com outras agências tais como as DDMs, os Juizados Especiais, etc. (CARREIRA & PANDJIARJIAN, 2003).