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2 MODERNIZAÇÃO INDUSTRIAL: A TRANSFORMAÇÃO TÉCNICA DA MANUFATURA DA

2.4 OS RIOS DE AÇÚCAR DO NORDESTE ORIENTAL

2.4.4 As bacias dos rios Coruripe, Jiquiá e São Miguel

Para encerrar a série de trabalhos sobre os rios-do-açúcar do Nordeste Oriental, foi realizada uma pesquisa sobre os rios Coruripe, Jiquiá e São Miguel. O trabalho foi ainda mais detalhado do que os anteriores e conta com um mapa das usinas e dos rios estudados, o volume dos despejos de vinhoto e o nome de algumas espécies de peixes em risco de extinção. Uma das usinas pesquisadas, a Coruripe, durante a safra costumava lançar seu vinhoto uma vez por semana no rio de mesmo nome. O volume de cada despejo era calculado em 300.000 litros, o que tornava suas águas completamente inutilizáveis para as atividades domésticas das comunidades ribeirinhas.

Além disso, devido às proporções, alguns dos peixes que serviam de base para a alimentação das populações, como a piaba, o acará e a traíra estavam desaparecendo. Na cidade de Coruripe, localizada a jusante da usina, os pescadores alegavam que eram obrigados a navegar por 17 km para poderem pescar na lagoa de Poxim, tamanha a escassez.

Já na bacia do rio Jiquiá a situação era um pouco diferente. O menor volume de caldas lançadas pela Usina Sinimbu encontrava um corpo de água com maior vazão, o que permitia a depuração dos efluentes. Os pescadores de Jequiá da Praia, quando entrevistados, afirmaram que os odores somente se concentravam no primeiro trecho do rio, onde a corrente era mais estreita. Na lagoa a jusante, não havia cheiro ou problemas com a morte de animais lacustres.

No entanto, o mesmo não ocorria antes de 1951, quando a destilaria da usina estava localizada longe da fábrica de açúcar e perto da lagoa. Nessa época, as caldas chegavam menos diluídas e causava a mortandade dos peixes, o que impedia a pesca. A mudança, no entanto, somente ocorreu em face de uma ação judicial movida pelo proprietário do Engenho Prata contra a empresa responsável pela usina.

5. CONCLUSÃO

Em razão das mudanças ocorridas no padrão técnico de manufatura da cana-de-açúcar, a relação entre a agroindústria canavieira e os recursos hídricos foi substancialmente alterada. A usina, ao substituir o bangüê, modificou não apenas o sistema, mas também a lógica de produção. O usineiro, um citadino, enxergava a vida e a natureza que cercavam as suas propriedades no campo de maneira diferente da do senhor de engenho, que vivia em um complexo rural.

Nesse sentido, Azevedo (1950) assinala que o usineiro:

... representa o ideal burguês, uma vitória da técnica contra a vida, da indústria contra a lavoura, e uma ruptura das relações do homem contra a natureza, diante da qual poderá extasiar-se, como um homem culto, pela sua sensibilidade, mas de que não participará como homem do campo, integrado na paisagem rural, pelo seu íntimo contato e pela sua quase convivência com o meio, as plantas e os animais (AZEVEDO, 1950, p.182).

A indústria e a vida urbana, como partes do novo centro dinâmico da economia, passaram a ditar suas demandas para o setor agrícola e a condicionar sua relação com o meio ambiente. Por isso, o usineiro foi tão insensível ao problema causado pelo vinhoto e pelos demais resíduos gerados pelo aumento na escala de produção da agroindústria canavieira.

É certo que os rios dos bangüês sofreram com o assoreamento, causado pela destruição de suas matas ciliares, mas isto foi pouco quando comparado aos muitos problemas causados pela usina. Assim, ressalta Freyre (2004):

O rio não é mais respeitado pelos fabricantes de açúcar, que outrora se serviam dele até para lavar a louça da casa, mas não o humilhavam nunca, antes o honravam sempre. Admitiam-no à sua maior intimidade. Contavam-lhe suas mágoas de namorados e as suas saudades de velhos. Faziam das pontes e dos cais seus recantos preferidos de conversa.

Esses rios secaram na paisagem social do Nordeste da cana-de-açúcar. Em lugares deles correm uns rios sujos, sem dignidade nenhuma, dos quais os donos das usinas fazem o que querem. E esses rios assim prostituídos quando um dia se revoltam é a esmo e á toa, engolindo os mucambos dos pobres que ainda moram pelas suas margens e ainda tomam banho nas suas águas amarelentas ou pardas como se o mundo inteiro mijasse ou defecasse nelas (FREYE, 2004, p.71).

Para compreender melhor a maneira como os rios foram prejudicados pela ascensão dos usineiros, os relatos da pesquisa feita por Gilberto Osório de Andrade e Manuel Correia de

Andrade constituem importantes referências. Produzido no final da década de 1950, o estudo desses autores é particularmente rico em detalhes e capaz de fornecer uma imagem muito clara dos danos causados pelas usinas com destilarias anexas aos rios de açúcar do Nordeste Oriental.

Naquela que foi a principal zona de produção de açúcar no Brasil até a década de 1960, os autores encontraram vários problemas causados pela ação das usinas. Além de indícios de destruição das matas de galeria e do represamento dos corpos de água, que causavam problemas de vazão à jusante, seus estudos indicam que o vinhoto era despejado sem qualquer tipo de tratamento nos rios.

Esse quadro somente começou a ser revertido quando foram criados órgãos estaduais de controle da poluição. No entanto, isso somente ocorreu na década de 1960. De sorte que a pesquisa de Gilberto Osório de Andrade e Manuel Correia de Andrade é um precioso relato dos riscos da relação entre a agroindústria canavieira e os recursos hídricos quando não há o controle efetivo de suas atividades.

3 MODERNIZAÇÃO AGRÍCOLA: MUDANÇAS NA RELAÇÃO DA AGROINDÚSTRIA