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2 MODERNIZAÇÃO INDUSTRIAL: A TRANSFORMAÇÃO TÉCNICA DA MANUFATURA DA

2.1 A TRANSFORMAÇÃO TÉCNICA DA MANUFATURA DO AÇÚCAR

2.1.3 O surgimento das destilarias anexas

Para estimular a produção de álcool combustível no Brasil, o governo editou o Decreto nº. 19.717, de 20 de fevereiro de 1931, que tornava obrigatória a adição de 5% de etanol à gasolina importada, além de exigir a utilização do produto na frota oficial de veículos, numa proporção de 10% por litro (VELLOSO, 1955; FIGUEIREDO, 2006).

Ainda no mesmo ano, por meio do Decreto nº. 20.356, de 1 de setembro de 1931, foi criada a Comissão de Estudos sobre o Álcool Motor (CEAM), que definiu as especificações

técnicas para a produção de álcool anidro18. Poucos meses depois, pelo Decreto nº. 21.201, de

14 de março de 1932, o Ministério da Agricultura foi autorizado a assinar contratos com entidades particulares para a implementação de destilarias anexas, concedendo-lhes incentivos fiscais e tarifários.

Essas primeiras normas sobre o álcool no Brasil não resultaram em medidas práticas, até a criação do Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA) pelo Decreto 22.789, de 1 de junho de 1933. Esse órgão, que tinha como funções assegurar o equilíbrio do mercado de açúcar e impulsionar o uso alternativo da cana-de-açúcar e seus derivados, tornou concretos os objetivos governamentais.

Com o IAA, o governo obteve seus primeiros resultados positivos. No mesmo ano da criação do órgão, foi instalada a primeira destilaria de álcool anidro no Brasil, localizada em Campos, Rio de Janeiro. Seis anos mais tarde, já havia outras trinta unidades similares, espalhadas por todo o País. Nesse ínterim, a produção cresceu de aproximadamente 100 mil litros, no primeiro ano, para 38 milhões, em 1939 (SZMERCSÁNYI, 1979).

Esse aumento no volume de produção foi estimulado por meio de medidas governamentais, dentre elas a isenção de impostos de importação para máquinas usadas por destilarias, definida pela Lei nº. 432, de 08 de agosto e 1937. No entanto, foi somente a partir da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) que as políticas de incentivo à produção de álcool combustível foram realmente ampliadas.

A eclosão do conflito provocou a retração do comércio internacional e criou entraves ao transporte marítimo. Assim, houve forte redução no volume de importação de derivados do petróleo e de exportação de açúcar, tornando o álcool combustível um produto estratégico para a agroindústria canavieira nacional. Em 20 de fevereiro de 1941 foi editada uma Resolução da Comissão Executiva do IAA, elevando para 20% o teor mínimo de mistura do álcool à gasolina.

Essa medida teve forte influência no crescimento do número de destilarias e no volume de álcool produzido em 1941, quando 44 unidades destilaram 76,6 milhões de litros do produto. Não obstante, apesar dos esforços governamentais, a tendência não se manteve nos anos

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seguintes. A partir de 1943, passou a haver decréscimo na produção de álcool, que somente voltou aos níveis anteriores após o armistício.

Segundo Szmercsányi e Moreira (1991), essa retração no volume de produção de álcool estava associada à escassez de algumas matérias-primas para as destilarias, como o benzol, em razão da guerra. No entanto, distorções no mercado nacional pela interrupção do transporte de cabotagem do Nordeste para o Sul do País também influenciaram no processo.

Diante da defasagem entre a demanda e a oferta nos mercados sulistas, o IAA estimulou o aumento da fabricação de açúcar na região. Com isso, a produção de álcool passou a ser menos atraente para os empresários do Centro-Sul, que investiram mais na construção de novas usinas e menos em destilarias.

Ao final da Segunda Guerra Mundial, a produção de açúcar estava em franca expansão, devido ao aumento do número de usinas no Centro-Sul, e a destilação de álcool, que havia sofrido um forte revés durante o período de beligerância, voltava a se recuperar, graças ao aumento da demanda pelas indústrias nascentes nas áreas da química, da farmácia e das bebidas (SUZIGAN, 2000).

Durante o restante da década de 1940, houve a consolidação desse cenário. No período, a demanda internacional por açúcar fez com que o excedente produzido pelas usinas no Centro-Sul não criasse uma crise de superprodução no País. Assim, em 1948, as exportações do produto alcançaram a marca histórica de 5,6 milhões de sacos de 60 quilos, somente superada sete anos depois.

No início da década de 1950, portanto, mesmo com a volta da participação dos produtos nordestinos nos mercados regionais sulistas, não havia motivos para restrições à fabricação de açúcar por parte do IAA. Como as exportações e o consumo interno absorviam os aumentos, os usineiros estavam livres para ampliarem suas produções.

Para se dimensionar a importância do aumento ocorrido na época, vale a comparação entre os anos de 1933 e 1950. Como demonstra a Tabela 3, no ano em que o IAA começou a planejar a expansão da agroindústria canavieira, havia 310 usinas no Brasil, que produziram 8 milhões de sacos de 60 quilos. Em 1950, eram 379 usinas, que fabricaram 24 milhões de sacos de 60 quilos.

Tabela 3 – Comparação do volume de açúcar produzido em usinas nos anos de 1933 e 1950. Principais Estados Produtores Número de Usinas Produção Açúcar (mil sacos de 60 Kg) Cana Moída (mil toneladas) Rendimento (Kg/tonelada) 1933 1950 1933 1950 1933 1950 1933 1950 Pernambuco 71 61 3.460 7.462 2.332 4.456 89 101 São Paulo 27 80 1.689 6.927 1.067 4.333 95 96 Rio de Janeiro 32 34 1.653 4.085 1.653 2.587 90 96 Brasil 310 379 8.984 24.184 6.020 15.293 89 95 Fonte: IBGE (2008).

Durante o período em análise na Tabela 3, duas importantes modificações na estrutura da agroindústria canavieira nacional ficam em evidência: 1) acréscimo da produtividade industrial, induzido pelo surgimento de novas usinas; 2) aumento da importância do Rio de Janeiro e São Paulo, os dois principais Estados produtores da região Centro-Sul, no volume total de açúcar produzido no Brasil.

Assim, havia um duplo processo em curso na agroindústria canavieira em meados do século XX. Ao mesmo tempo em que a usina se consolidava como principal unidade de produção de açúcar, tendo a destilaria anexa para o aproveitamento de seus subprodutos, o centro de dinamismo do setor se deslocava do Nordeste para o Centro-Sul.

No final da década de 1950, o Nordeste respondia por apenas 31% da produção da agroindústria canavieira nacional, enquanto dez anos antes representava 59%. Impulsionados pela proximidade dos mercados consumidores, os empresários do Centro-Sul investiram pesado na construção de novas usinas, passado a responder por 69% dos derivados de cana- de-açúcar produzidos no País e deixando os nordestinos muito para trás.