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2 MODERNIZAÇÃO INDUSTRIAL: A TRANSFORMAÇÃO TÉCNICA DA MANUFATURA DA

2.3 O NOVO PADRÃO PRODUTIVO E OS RECURSOS AMBIENTAIS

Devido às mudanças no padrão técnico da agroindústria canavieira, as unidades de produção passaram a ter uma capacidade de processamento muito superior àquela que existia durante o tempo dos bangüês. Segundo Passos Sobrinho (2000), as primeiras usinas eram capazes de produzir cerca de quarenta vezes mais açúcar do que os antigos engenhos. Contudo, para tanto, necessitavam de uma área de cana-de-açúcar cultivada cerca de dezoito vezes maior.

Conforme Singer (1974), as usinas demandavam mais terras por possuírem maior quantidade de seus ativos imobilizados pelo capital industrial, cuja valorização exige o melhor aproveitamento da capacidade de produção instalada na fábrica. Por isso, era necessária uma

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crescente quantidade de matéria-prima. Além do mais, a exploração dos ganhos de escala provocava o aparecimento de usinas cada vez maiores.

A expansão da fronteira agrícola da cana-de-açúcar teve grandes efeitos sobre o meio ambiente, afetando diretamente as matas e os solos. No lugar da exuberante Mata Atlântica, o bioma mais degradado pelas usinas, na década de 1950, em muitos lugares, restavam apenas os canaviais. Enfraquecidas pela monocultura, essas terras eram marcadas por ravinas e voçorocas, que contribuíam, amiúde, para o assoreamento dos rios, que também sofriam com a derrubada de suas matas ciliares.

Nesse sentido, segundo Andrade (1989):

Com a expansão da área plantada, a cana iria promover a derrubada das florestas ainda preservadas, em uma área de relevo acidentado, acelerando a erosão das encostas e o entulhamento dos vales. Os rios, com seus leitos em grande parte cheios de sedimentos transportados pelas enxurradas, ficaram cada vez mais largos. Além disso, a derrubada das florestas provocava alterações nos regimes dos rios, dando origem a grandes cheias nos períodos chuvosos e queda no nível das águas ao mínimo ou até à periodicidade, na ocasião em que as indústrias mais necessitavam de açúcar. Daí a necessidade de construção de barragens ou de fazer o retorno das águas servidas pela indústria. Mais o maior impacto sobre o meio fluvial foi provocado pelo lançamento nos rios das águas servidas pelas indústrias e das caldas – o vinhoto – das destilarias (ANDRADE, 1988, p.34).

De fato, o maior impacto causado pela agroindústria canavieira, não somente sobre o meio aquático, mas em todo o ecossistema, era o vinhoto. Produzido pelas destilarias, esse resíduo da fabricação do álcool era extremamente poluente, mas costumava ser lançado sem qualquer tratamento nos rios que abasteciam as usinas com destilarias anexas.

2.3.1 O vinhoto e os rios das usinas com destilarias anexas

O vinhoto, também chamado de vinhaça ou calda, representa o principal efluente gerado pelo processo de fabricação de álcool a partir da cana-de-açúcar. Produzido em uma proporção 13 a 15 vezes maior que o volume de álcool destilado, gerava um impacto extremamente negativo sobre os rios das usinas com destilarias anexas, causando, entre outros efeitos, a morte de peixes, anfíbios e crustáceos.

Devido a sua elevada demanda bioquímica de oxigênio (DBO), entre 80.000 e 100.000 mg

L‾¹, o vinhoto, quando lançado em um corpo de água, torna seu balanço de oxigênio (BO)

negativo. O BO é dado pela diferença entre a DBO, quantidade de oxigênio de que o rio necessita para manter a matéria orgânica, e o oxigênio dissolvido (OD), que é a quantidade de oxigênio proveniente do ar e da vegetação aquática disponível na água. Com um BO negativo, o corpo de água afetado está em um estado considerado putrescível (MELO e SILVA, 2001; SATYAWALI e BALAKRISHNAN, 2008).

Além disso, o vinhoto possui elevados teores de nutrientes, na forma de nitrogênio (1.660

– 4.200 mg L‾¹), fósforo (225 – 3.038 mg L‾¹) e potássio (9.600 – 17. 475 mg L‾¹). A contaminação

dos rios com grande quantidade desses elementos leva a uma progressiva degradação da qualidade do meio aquático, devido ao crescimento descontrolado de plantas aquáticas, em um processo conhecido como eutrofização das águas (MAHIMAIRAJA e BOLAN, 2004; XAVIER, DIOS e BRUNKOW 2005).

O vinhoto contem ainda cerca de 2% de um pigmento marrom chamado melanoidina, que determina a coloração do efluente. Melanoidinas são moléculas insaturadas que se polimerizam, em conseqüência da reação de Maillard, que é uma reação não-enzimática amarronzada que resulta da redução de açúcares e aminoácidos. Essa reação, considerada um dos motivos para o forte odor do vinhoto, ocorre efetivamente em meios com temperaturas

superiores a 50 ºC e pH entre 4 e 7 (NUNES e BAPTISTA, 2001).

A alta temperatura de saída, o baixo pH e a coloração escura, que impede a fotossíntese bloqueando a luz solar, são algumas das muitas características que tornam o vinho extremamente agressivo ao meio aquático e que faziam com que seus despejos influissem negativamente na qualidade dos rios próximos a usinas com destilarias anexas (BARUAH, SHARMA e BORAH, 1993).

2.3.2 A percepção do problema com o vinhoto

Segundo Freire e Cortez (2000), os relatos do governador Herculano Bandeira de Melo à Assembléia Legislativa do Estado de Pernambuco sobre os problemas sociais gerados pelo lançamento do vinhoto nos rios próximos às usinas, evidenciam o longo tempo que o tema faz

parte da preocupação das autoridades públicas. O discurso do governador, que data de 1908, é ilustrativo por dois motivos: 1) por ter sido proferido na época do início da construção das destilarias anexas no Brasil; 2) pela história pessoal do próprio Governador.

Filho de senhor de engenho, Herculano Bandeira de Melo nasceu nas terras do bangüê Tamataupe, onde ele mesmo fundaria, mais tarde, a Usina Mussurepe. Portanto, o Governador compreendia muito bem a realidade da agroindústria canavieira. Por ter acompanhado as mudanças provocadas pela escala de produção das usinas e destilarias, sabia do perigo que o vinhoto representava. Por isso, teve como fato marcante de sua administração a preocupação com a questão sanitária (ANDRADE, 1989; MOURA, 1998).

A primeira medida para coibir a poluição dos rios pelo lançamento do vinhoto surgiu em 1910, por ocasião de seu governo. Por meio da edição de uma lei estadual, Herculano Bandeira proibiu o lançamento do resíduo nos rios das usinas mas o instrumento não obteve sucesso devido à inexistência de um órgão fiscalizador.

Segundo Velloso (1955), após essa iniciativa, outra medida para prevenção dos efeitos do vinhoto somente foi tomada em 1934. Por meio da edição do Decreto nº. 23.777 de janeiro de 1934, o Governo Federal pretendia regular o lançamento desses efluentes nos rios que cortavam as destilarias anexas às usinas. Não obstante, como ocorreu em Pernambuco, não houve êxito da medida em razão da falta de um órgão responsável pela aplicação da norma.

Assim, somente na década de 1960, quando foram criados os primeiros órgãos estaduais de controle da poluição, medidas efetivas começaram ser tomadas contra o lançamento do vinhoto nos rios. Nesse sentido, foi importante a ação da Comissão Estadual de Controle da Poluição de Pernambuco e da Comissão de Controle da Poluição das Águas e do Ar de São Paulo, que deram início uma nova etapa no controle da relação entre os recursos hídricos e a agroindústria canavieira.