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4. PSICOLOGIA SOCIAL DISCURSIVA

4.1 As Bases Epistemológicas da Análise de Discurso

A análise de discurso desenvolveu-se a partir da influência de quatro vertentes teóricas, segundo Nogueira (2001): do pós-modernismo, da crítica ideológica-Teoria Crítica, da crítica social e do estruturalismo e do pós-estruturalismo.

Do pós-modernismo, ela adota a crítica à ideia modernista de que a realidade pode ser explicada em sua totalidade por grandes teorias ou metanarrativas. Ao se contrapor à teoria modernista da existência de uma verdade sobre a realidade, o pós-modernismo defende a visão que há uma diversidade de verdades, na medida em que existem

inúmeros discursos de legitimação dispersos nas diferentes práticas discursivas. As ciências não seriam, portanto, explicações neutras da realidade, mas versões discursivas de legitimação que trazem marcas políticas.

Os pós-modernistas chamam a atenção de que o conhecimento científico é produzido em um tempo histórico preciso, em um dado contexto sociopolítico, portanto, não existiria conhecimento neutro. A teoria científica não é considerada como uma explicação definitiva, uma formulação estática, uma verdade única. Uma de suas características é, ao contrário, a possibilidade de modificação, já que ela é vista como uma das práticas discursivas possíveis. Se considerarmos a teoria científica não como verdade acabada, mas como uma explicação provisória, podemos admitir também a possibilidade de outras explicações possíveis, de outros modelos a serem adotados.

Essa perspectiva de ciência tem consequências metodológicas. Nas vertentes positivistas, os teóricos propõem instrumentos para uma descoberta da realidade, realizando diversas pesquisas, se utilizando de diversas hipóteses e tem seus resultados constantemente avaliados e, dessa forma, uma tentativa incessante na busca pela verdade. Se a ciência não representa mais a busca de uma única verdade acerca da realidade visto que são construções discursivas, se é rejeitada a ideia de que o mundo se organiza em estruturas que devem ser desvendada pela ciência, os métodos científicos para a apreensão dos fenômenos sociais e psicológicos não podem apreendidos a partir da observação e da análise. O método privilegiado é a análise dos discursos produzidos em uma dada situação.

As concepções alternativas críticas, as que estão mais próximas da Psicologia Social Discursiva, apresentam concepções parciais de realidades. Levam em conta a complexidade e a eterna transformação da realidade, o que impossibilita a busca por uma verdade única e absoluta. Livrando-se assim de predições, pois, com a constante transformação, não há segurança de afirmar que, porque um comportamento aconteceu em algum momento histórico, poderá ser observado novamente. Deve-se, também, levar em conta que são realidades, compreendidas por diversos sujeitos, autores e pesquisadores, dessa forma, qualquer descrição e informação da realidade é necessário que seja levada em conta que foi a partir do ponto de vista de uma determinada visão, de um determinado sujeito, em um determinado contexto. Portanto, por existir várias formas de observar a realidade, existe uma diversidade de realidades, de verdades.

Numa perspectiva pós-modernista as ciências sociais tornaram-se mais subjectivas, onde o relativismo é preferível à objectividade, a fragmentação à totalização (NOGUEIRA, 2001, p. 5)

Dessa forma, a análise de discurso herda do pós-modernismo o pluralismo, a ideia da existência de diversas formas de realidades e modos de compreendê-las, rejeitando, assim, uma forma única e estática da realidade.

Outra forte influência na construção da análise de discurso foi a crítica ideológica dos teóricos ligados à chamada Escola de Frankfurt sobre a objetividade, a racionalidade e a crítica social.

O positivismo que marcava a concepção de ciência adotada pelas ciências sociais, defendia a neutralidade do conhecimento e sua objetividade. Para as teorias clássicas, o conhecimento científico é pautado pela razão e tem como base o dado empírico. O objetivo do conhecimento científico seria, portanto, compreender o dado empírico de forma objetiva e neutra, isto é, sem permitir que normas e valores interferissem na análise. Teorias ou análises de dados que envolvessem valores e normas deveriam ser evitadas, pois tirariam o peso científico da explicação. Para as teorias clássicas, colocar em seus estudos as normas e valores de uma sociedade é tirar a seriedade de sua pesquisa.

A Teoria Crítica, ao contrário, defende a ideia de que o conhecimento “neutro” é de fato um posicionamento político e as ciências sociais deveriam focalizar os valores e normas buscando compreender a sociedade como uma totalidade histórica, visando à transformação social. Nessa perspectiva, o conhecimento científico é necessariamente ligado a determinados valores. Rompe, portanto, com a busca por leis universais, explicações deterministas de fatos empíricos e mensuração dos fenômenos sociais. O dado empírico é visto não mais como fato, mas sim como uma construção social e por essa razão historicamente construída, com influências culturais e políticas.

À crítica ideológica dos autores da Escola de Frankfurt acrescenta-se a crítica social, segundo Nogueira (2001). Nessa perspectiva, a análise de discurso irá absorver as definições de saber e poder de Foucault. Para esse autor, o saber é uma versão

particular sobre um dado fenômeno que pode ser hegemônica em uma determinada cultura em um momento histórico preciso. Como afirma Nogueira (2001):

cada versão de um acontecimento acarreta consigo o potencial para uma prática social e para a marginalização de formas alternativas de funcionamento. Desta forma, o poder para agir de determinada maneira, reclamar recursos, controlar ou ser controlado depende dos “saberes” prevalecentes na sociedade (p. 11)

Assim, o poder para Foucault não se concentra em um indivíduo ou de um grupo. Ele é de fato um efeito do discurso. Ao se definir algo são produzidas práticas relativas a esse algo e, portanto, exerce-se poder diante dele. O discurso dominante, entretanto, sofre constantemente resistência. Poder e resistência são, de fato, indissociáveis. É só a partir da resistência que se compreende o poder no discurso. Como consequência, toda pessoa tem poder disponível que pode ser usado para provocar mudanças sociais ou pessoais.

Ao longo da história da humanidade foram sendo produzidas práticas culturais e institucionais que produziram certos discursos que, por sua vez, construíram o sujeito ocidental moderno que, segundo Nogueira (2001):

é um pessoa que sente que tem necessidades, motivações, traços e características e cuja livre escolha é monitorizada pela consciência. Esses saberes são muito poderosos, já que controlam eficazmente (porque sem recurso à força) a sociedade e os seus membros, através do que Foucault designa por “poder disciplinar” (p.12)

Por fim, a análise de discurso herda do estruturalismo e do pós-estruturalismo a concepção construcionista da linguagem, compreendendo o papel da linguagem na construção social. Nessa concepção uma compreensão da realidade é necessariamente a compreensão do discurso construído nas interações sociais.

O ponto de partida do estruturalismo para o pós-estruturalismo é a ideia de que o significado não é fixo. O argumento de que os significados associados à linguagem nunca são fixos, mas abertos a questionamento, contestáveis, e temporários, é fundamental para o pós-estruturalismo e tem grandes implicações para a compreensão de pessoa, de identidade e das possibilidades de mudança social e pessoal. Palavras, frases, poemas, livros, anedotas, etc, podem mudar o seu significado ao longo do tempo, de contexto para contexto, e de pessoa para pessoa. O significado é sempre contestável; isto quer dizer que em vez da linguagem ser um sistema de sinais com significados fixos com os quais todas as pessoas concordam, é um lugar de variabilidade, desacordo e potencial conflito (NOGUEIRA, 2001, p. 15)

Dessa forma, essa perspectiva coloca em foco o poder da linguagem na construção, flexibilidade e constante transformação de realidades.