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Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que surgiram como estratégias de desinstitucionalização dos pacientes com doença mental, tiveram origem no Brasil no ano de 1987, na Cidade de São Paulo. Em abril de 2001, com a Lei nº 10.216, do dia 6 de Abril de 2001, a Lei da Reforma Psiquiátrica, houve uma aceleração ainda maior na troca dos antigos manicômios por lares abrigados, hospitais-dia e oficinas terapêuticas.

Fernando Tenório (2002) afirma que o projeto inicial do deputado Paulo Delgado visava a desconstrução dos manicômios e a criação de serviços substitutivos eficazes, no entanto, a Lei da Reforma Psiquiátrica que entrou em vigor não possuía tal desconstrução, mas tem:

como finalidade permanente, a reinserção social do paciente em seu meio" (art. 4º, § 1º). Obriga ainda que o tratamento em regime de internação contemple atendimento integral, inclusive não-médico e com atividades de lazer e ocupacionais (art. 4º, § 2º), e proíbe a internação em "instituições com características asilares", que define como aquelas "desprovidas dos recursos" mencionados anteriormente (art. 4º, § 3º) (p. 53)

Segundo Amarante (2007), antes mesmo da Lei nº 10.216 entrar em vigor, leis municipais e estaduais foram discutidas e foram aprovadas, que agilizaram o processo da Reforma Psiquiátrica. As estaduais foram:

• Lei 12.151 de 29 de julho de 1993 (Ceará) • Lei 11.065 de 16 de maio de 1994 (Pernambuco)

• Lei 6.758 de 4 de janeiro de 1994 (Rio Grande do Norte) • Lei 11.802 de 18 de janeiro de 1995 (Minas Gerais) • Lei 11.189 de 9 de novembro de 1995 (Paraná) • Lei 975 de 12 de dezembro de 1995 (Distrito Federal) • Lei 5.267 de 10 de setembro de 1996 (Espírito Santo)

É importante destacarmos o trabalho da psiquiátrica Nise da Silveira que, antes mesmo de se implantar os CAPS e os Núcleos de Atenção Psicossocial – NAPS, ela fazia um trabalho semelhante às propostas atuais com pessoas recém-saídas dos hospitais psiquiátricos, no Centro Psiquiátrico Nacional Pedro II, no Engenho de Dentro, Rio de Janeiro.

O serviço, no entanto, só veio a receber financiamento do Ministério da Saúde muito tempo depois, no ano de 2002. Por CAPS entende-se as:

unidades de atendimento em saúde mental que oferecem a seus usuários um programa de cuidados intensivos, elaborado por uma equipe multidisciplinar (CARDOSO & SEMINOTTI, 2006, p.776)

O Relatório do Ministério da Saúde do Brasil (2005) complementa ainda a função do CAPS como organizador da assistência às pessoas com sofrimento psíquico dos municípios, pois ele tem como uma das funções:

regular a porta de entrada da rede de assistência em saúde mental na sua área de atuação e dar suporte à atenção à saúde mental na rede básica (p. 27).

Além desta, o Relatório também destacará como função desse serviço o atendimento em regime de hospital-dia, evitando assim novas internações em hospitais psiquiátricos, promover ações que possibilitem a reinserção das pessoas com sofrimento psíquico na sociedade. Um trabalho, portanto, que venha substituir os internamentos feitos nos hospitais psiquiátricos, possibilitando que o usuário mantenha e fortaleça seus vínculos sociais e afetivos.

De fato, o CAPS é o núcleo de uma nova clínica, produtora de autonomia, que convida o usuário à responsabilização e ao protagonismo em toda a trajetória do seu tratamento (BRASIL, 2005, p. 27)

Amarante (2008) destaca os tipos de CAPS municipais existentes que se diferenciam quanto ao seu público, quantidade de pessoas na região que está localizado ou tipo de tratamento.

O CAPS I é localizado em municípios que contem entre 20.000 e 70.000 habitantes. Tem o horário de funcionamento de segunda a sexta-feira das 8h às 18h.

O CAPS II tem o mesmo horário de funcionamento, podendo, portanto, oferecer em algum dia na semana um terceiro turno, se estendendo até as 21h. Eles estão localizados em municípios que comportam entre 70.000 e 200.000 habitantes.

O CAPS III está locado em municípios com mais de 200.000 habitantes e funcionam em regime de 24h, incluindo fins de semana e feriados. Esse tipo de CAPS tem capacidade para atender pessoas em crise, oferecendo leitos. No entanto, se diferencia dos hospitais psiquiátricos por estarem locados em salas abertas, dando possibilidade ao usuário de interação e comunicação com as demais pessoas ali presentes.

O CAPSi tem o horário de funcionamento semelhante ao do CAPS II, o público que atende é composto por crianças e adolescentes e atende municípios que comportam mais de 200.000 pessoas.

O CAPSad atende um público de dependência química (álcool e outras drogas), tem o horário de funcionamento semelhante ao do CAPS II e CAPSi, e está localizado em municípios com mais de 100.000 pessoas.

Segundo Amarante (2008), o CAPS faz parte do conjunto de serviços de atenção psicossocial criados para substituir os hospitais psiquiátricos. Esses serviços de atenção psicossocial têm como alguns de seus objetivos o acolhimento de pessoas em crise e o estabelecimento do vínculo afetivo e profissional não só com o usuário1do serviço, mas de todas as pessoas envolvidas nesse processo, como, por exemplo, os familiares. Este vínculo é importante para que as pessoas se sintam acolhidas e cuidadas como pessoas e não como uma doença e seus sintomas, como no modelo da psiquiatria clássica.

No contexto da atenção psicossocial, a crise psiquiátrica é questionada a partir de fatores sociais, ou seja, pode ser desenvolvida por questões familiares, de amigos, relacionamentos afetivos, de trabalho, ao contrário do que defende a psiquiatria clássica, que entende a crise como puramente orgânica.

No modelo clássico da psiquiatria, entende-se a crise como uma situação de grave disfunção que ocorre exclusivamente em decorrência da doença. Como conseqüência desta concepção, a resposta pode ser agarrar a pessoa em crise a qualquer custo; amarrá- la, injetar-lhe fortes medicamentos intravenosos de ação no sistema nervoso central a fim de dopá-la, aplicar-lhe eletroconvulsoterapia (ECT) ou eletrochoque, como é mais conhecida pelo domínio popular (AMARANTE, 2008, p.81)

No entanto, a tarefa de desinstitucionalizar nem sempre é fácil. Algumas pessoas, por terem passando a maior parte da sua vida enclausuradas em hospitais psiquiátricos, dependentes de outras para fazer qualquer tarefa, desde as mais simples do cotidiano, como, por exemplo, tomar banho, se alimentar, pentear o cabelo, rejeitam a substituição para os novos serviços ou não se adaptam. É preciso, portanto, que esse processo de desinstitucionalização seja feito por uma equipe multidisciplinar que tenha 1Termo utilizado para se referir aos clientes dos serviços substitutivos em saúde mental implantado após a legislação do SUS (leis n. 8.080/90 e 8.142/90). Ainda bastante polêmico no âmbito da saúde mental (AMARANTE, 2008).

como foco um trabalho para desenvolver a autonomia e independência desses usuários (PALMEIRA, GERALDES & BEZERRA, 2009).

Para esses autores, além do trabalho da equipe técnica que conta com profissionais da saúde, como os médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros etc., os CAPS têm como objetivo trazer para dentro do serviço outros atores sociais que aparentemente não estejam ligados ao âmbito da saúde, mas que interferem e ajudam no tratamento de forma bastante positiva no que tange, por exemplo, ao desenvolvimento de habilidades dos usuários. Desta forma, profissionais da área de música, dança, pintura, teatro, estão cada vez mais fazendo parte do quadro de funcionários dos CAPS.

O trabalho do CAPS tem como abordagem a Reabilitação Psicossocial e, a partir desta perspectiva, trabalha na tentativa de incluir os familiares no tratamento, pois defende que a doença não existe por si só e não é o único foco a ser trabalhado, mas a interação entre os membros familiares também é um ponto a ser levado em questão e ser cuidado por meio de psicoterapias familiares, grupos de orientação e psicoterapêuticos para estas famílias (MELMAN, 2008), tentando, assim, resgatar os laços familiares que se acredita serem importantes no tratamento de pessoas com sofrimento psíquico. A família é considerada como parte da equipe, por ser, como Schrank e Olschowsky definem:

de fundamental importância para a formação do individuo, porque constitui a base, o alicerce principal para o desenvolvimento humano. Embora essa seja quase sempre representada por um conjunto de pessoas, ela também se constitui de relações afetivas estabelecidas entre os membros sanguíneos ou não (2008, p.129)

Diferentemente do que ocorria nos hospitais psiquiátricos, nos serviços substitutivos a família vem ganhando espaço no tratamento das pessoas sofrimento psíquico, e é vista como de fundamental importância para um prognóstico positivo do usuário. No entanto, estudos mostram que estas famílias possuem desconhecimentos sobre a doença mental, e ao descreverem destacam os sintomas em situação de crise, a periculosidade, e a incapacidade dessas pessoas (CIRILO & OLIVEIRA FILHO, 2008;

SCHRANK & OLSCHOWSKY, 2008), discurso este que estigmatiza e exclui e é encontrado mesmo em serviços substitutivos como foi constatado na pesquisa de Lívia Sales Cirilo e Pedro de Oliveira Filho (2008) que entrevistou usuários e seus familiares de um CAPS.

A assistência prestada aos portadores nos mostra que os familiares que procuram a ajuda e suporte dos serviços de saúde mental e de seus profissionais, apresentam demandas das mais variadas ordens, dentre elas, a dificuldade para lidarem com as situações de crise vividas, com os conflitos familiares emergentes, com a culpa, com o pessimismo por não conseguir ver uma saída aos problemas enfrentados, pelo isolamento social a que ficam sujeitos, pelas dificuldades materiais da vida cotidiana, pelas complexidades do relacionamento com o doente mental, sua expectativa frustrada de cura, bem como pelo desconhecimento da doença propriamente dita, para assinalarmos, algumas dentre tantas outras insatisfações (COLVERO; IDE; ROLIM, 2004, p. 198)

Schrank e Olschowsky (2008) reconhecem que, para ser possível uma participação positiva da família no tratamento de pessoas com sofrimento psíquico, é necessária uma “nova organização familiar e aquisição de habilidades que podem, num primeiro momento, desestruturar as atividades diárias dos familiares” (p. 128).

Gonçalves e Sena (2001), no entanto, apontam que a desinstitucionalização não é bem aceita por muitas famílias, pois é uma tarefa muito pesada para a mesma manter a custódia de um doente mental, seja por dificuldades econômicas, de disponibilidade de tempo, seja por dificuldades de ordem afetiva.

Além disso, a família se constitui a partir de um ideal socialmente estabelecido no qual a existência dos filhos é pensada, em geral, tendo como referência um modelo de saúde física e mental que exclui as possibilidades de sofrimento psíquico, e quando qualquer anormalidade se apresenta rompendo tal expectativa, as famílias se sentem responsáveis, trazendo desconforto e insegurança. Estes sentimentos se agravam quando se trata de um caso de doença mental (MELMAN, 2008).