• Nenhum resultado encontrado

AS BASES MATERIAIS DA CRIATIVIDADE INTELECTUAL NO SÉCULO

No documento A Escola do Recife e a sociologia no Brasil (páginas 108-112)

I – Ideologia e conhecimento

AS BASES MATERIAIS DA CRIATIVIDADE INTELECTUAL NO SÉCULO

Não é de causar surpresa que pouca análise rigorosa da teoria racial em si viesse do Brasil nesse período. Não havia faculdades superiores, exceto as de direito, medicina e engenharia, e sem uma universidade era difícil para os futuros cientistas encontrar uma base de operações (SKIDMORE, 1976, p.73).

Nas falas anteriores, ao delimitar algumas perspectivas de estudo da questão da ideação sociológica, foram apresentados pressupostos que permitem o tratamento e entendimento da história da sociologia no Brasil. Tentaremos a partir de agora, utilizá-los como coordenadas para captar a significação sociológica e a circunscrição da ER no século XIX.

As idéias não ocorrem num vácuo social. Elas só são possíveis mediante certos substratos. Estes, por sua vez, podem conter narrativas míticas, religiosas, filosóficas e ou científicas, mas necessitam de espaços onde determinadas idéias sejam transmitidas, debatidas e articuladas de forma ritual, ao conjunto das experiências comuns que partilham por estarem inseridos em singulares configurações históricas. No Brasil do século XIX havia inúmeros limites à produção e a criatividade intelectual e cultural.

Um dos fatores fundamentais ao desenvolvimento da ciência no século XIX na Europa está imbricado ao fato de que a ciência, enquanto fenômeno social, estava repercutindo de diversas maneiras no cotidiano das pessoas que viviam nas sociedades industrializadas. As principais implicações sobre as condições da vida humana advinham, por exemplo, da física (e sua relação com a indústria) e da biologia (com o desenvolvimento da medicina). Em diversos países a percepção dessa circunstância incentivou que governos começassem a pensar uma política de ciência ou de produção de determinados saberes.

A idéia de patrocínio a atividade intelectual não vêm desses instantes. A fundação das primeiras academias nacionais e dos primeiros grandes observatórios, durante o século XVII já demonstrava a gradativa importância que a ciência angariava. Durante o iluminismo esta tendência tornou-se mais acentuada a partir do

momento que as conquistas das ciências e as suas aplicações passam a ser incorporadas pelo senso comum. Era uma época de expansão da educação técnica e científica. Essa ampliação implicou a demanda por criação de pesquisadores que pudessem se dedicar exclusivamente a pesquisa. Durante o século XIX houve um aumento substancial no número de cátedras universitárias, enquanto os primeiros laboratórios independentes, que elevaria a pesquisa a uma dimensão profissional, só expandiram a partir do final desse mesmo século. Foi nesse momento que houve uma contínua melhoria dos métodos de pesquisa, aumento de publicação de revistas especializadas, laboratórios, catálogos bibliográficos etc.

Na Europa, no perceber de René Taton (1975, p.139-142) a opinião pública já havia notado desde o fim do século XVIII as possibilidades abertas pelo progresso científico.

No século XIX, um grande número de sociedades culturais, jornais e trabalhos de ciência popular continuavam a manter o interesse geral em problemas científicos e a dar ao público um pressentimento do potencial para o progresso técnico contido em certas descobertas da época. A revolução industrial, a descoberta de novos meios de transporte, a rápida difusão da aplicação da eletricidade, a expansão da química industrial, da prospecção de recursos naturais e o progresso da medicina juntaram-se para fortalecer a esperança de que o progresso científico levaria a uma melhoria das condições de vida humana [...] ainda mais bem sucedida a este respeito foram as associações nacionais para o progresso da ciência, organizadas em muitos países. O propósito original dessas associações era promover largas discussões públicas e a comparação dos últimos progressos nos vários ramos da ciência [...] assim, no fim do século XIX, a organização científica internacional estava em plena marcha, resultando numa distribuição satisfatória de um número crescente de publicações e na cooperação razoavelmente estreita entre os cientistas e a maior parte do mundo.

No Brasil as tendências não se processavam dessa forma. Até o final do Império, no século XIX, tínhamos um conjunto de instituições que estavam dominadas pela interferência direta da esfera política. Na verdade tínhamos parcas instituições e todas funcionavam sob a tutela e os interesses do estado patrimonial. Devemos ficar

atentos para entendermos a estrutura interna do mundo intelectual como o lugar onde impera uma dupla motivação social de idéias: em um nível, há uma rede social competitiva para a apropriação e elaboração de capital intelectual; em outro nível, a existência desta rede depende de condições institucionais mais amplas da sociedade.

A mudança das condições econômicas e políticas têm efeitos culturais, não somente por produzirem ideologias que refletem os interesses econômicos e políticos. Mas, por abrirem oportunidades novas para a ramificação das redes sociais dos intelectuais e também por que reduzem ou suprimem os apoios materiais a outros ramos presente nas redes. Somente quando mudam as condições materiais da vida intelectual que as redes vêem-se forçadas a se reorganizarem

O interesse desse capítulo é justamente esse. Mostramos o universo que a sociologia pode ser anunciada, ao tempo que demonstraremos as suas limitações e implicações nas falas e nos rituais que lastreavam essas idéias. Identificamos então, o contexto político, social e econômico que gerou essas mudanças organizativas, pois implicaram a circulação de idéias sociológicas nos novos espaços de discussões, transmissão e ritualização do entendimento da sociedade brasileira do século XIX.

A medida que os espaços são precários e parcos, são marcados por mecanismos de legitimação que não fazem sentido no mundo que incorporou imperativos institucionais e criteriosos da prática científica60. O oficio intelectual no

60 Conforme Robert Merton (1979) o “ethos da ciência moderna” implica em percebe-la enquanto uma instituição, dotada de obrigações morais e costume comuns.. Este ethos seria alicerçado por quatro “imperativos”: o universalismo (1) diz respeito aos critérios impessoais preestabelecidos. Neste caso o autor coloca que a ciência independe de preconceitos de natureza racial, ou social. Ela, seguindo os passos da sociedade democrática, torna-se universalista na medida que julga o saber científico a partir de critérios metodologicamente estabelecidos a partir de teorias que expliquem e entendam seu objeto, não em função de algum tipo de etnocentrismo, e sim dos meios, universalmente oferecidos para se chegar ao conhecimento. Comunismo (2) é entendido no sentido de propriedade comum dos bens. Logo, as contribuições da ciência são produtos da colaboração social e estão destinadas à comunidade. Não é a toa que o autor coloca a ciência como uma instituição de domínio público, norteado pelo imperativo

institucional da comunicação dos resultados. Outro aspecto importante que revela o caráter comunal da ciência está em seus aspectos essencialmente corporativo e acumulativo das realizações científicas.

Brasil, incorporava e projetava a ossatura das relações patrimoniais que imperavam desde a colônia, fazendo com que os fatores extrínsecos as idéias, eram fundamentais na dinâmica e formatação do pensamento sociológico brasileiro nas décadas de 1870 e 1880 do século XIX.

No documento A Escola do Recife e a sociologia no Brasil (páginas 108-112)