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II – O RECIFE E A FACULDADE DE DIREITO

No documento A Escola do Recife e a sociologia no Brasil (páginas 125-163)

I – Ideologia e conhecimento

II – O RECIFE E A FACULDADE DE DIREITO

A FDR tem o privilégio do estacionamento. Há cinqüenta anos, agita-se o mundo científico por fora, e ainda ali não se ouviram os ruídos de tantas pugnas. Há cinqüenta anos, a sua congregação toda vai recebendo, com religiosa herança, o mesmo punhado de princípios vertidos nas mesmas formulas programáticas. Quem intentasse escrever a história daquele instituto da ciência, achar-se-ia, de pronto, diante do fato anômalo de um corpo docente que repete as mesmas noções, repisa as mesmas idéias, declamas as mesmas decrepitudes e, ao todo, ordena as mesmas dissertações no vasto período de meio século [1873] (ROMERO, 2002, p.25).

Embora naquele tempo, o campo intelectual fosse heterônomo e desorganizado, a década de 1870 aparece no imaginário da história das idéias no Brasil, como um momento de ruptura, marcado pela incorporação do ideário evolucionista, positivista e do amadurecimento de alguns centros de ensino nacionais. Além das Faculdades de Direito, tínhamos as faculdades Engenharia, Medicina, o Instituto Histórico Geográfico Brasileiro, os Institutos estaduais assim como os museus etnográficos. Este amadurecimento visto de perto, permite que percebamos a lógica de um campo intelectual débil, cujos critérios para a expansão do processo de criação e produção do conhecimento eram marcados pelo crivo das relações sociais patrimoniais.

Ilustra Gláucio Veiga (1993, p.25) que o tempo transitivo do império estava minguando em 1870. Alguns termos denunciavam a aflição e apreensão naquele momento: novo, futuro, evolução, progresso, “velocidade” semantizada em movimento dentre tantos outros. A esperança no futuro é facilmente detectável nos discursos,

conferências, títulos de periódicos. E movimento será a designação dada para as novas correntes de idéias. O adjetivo novo marcava tanto os jornais pretensamente avançados como os de vanguarda.

Luiz Nascimento (1970) demonstra este clima no inventário que faz sobre a imprensa em Pernambuco no século XIX. Nomes como O Futuro (1874), A Nova Crise (1865); A Nova Era (1860), Um Sinal dos Tempos (1974), O Progresso (1975) em meio a tantos outros delineavam a plêiade de expectativas de então.

No testemunho de Clovis Beviláqua65:

O decênio que vai de 1868 a 1878 é o mais notável de quantos no século XIX constituíram a nossa vida espiritual. Quem não viveu nesse tempo não conhece por ter sentido diretamente em si as mais fundas comoções da alma nacional. Até 1868 o catolicismo reinante não tinha sofrido nestas plagas o mais leve abalo; a filosofia espiritualista católica e eclética a mais insignificante oposição; a autoridade das instituições monárquicas o menor ataque sério por qualquer classe do povo; a instituição servil e os direitos tradicionais do feudalismo prático dos grandes proprietários a mais indireta opugnação; o romantismo, com os seus doces, enganosos encantadores cismares, a mais apagada desavença reatora. Tudo tinha adormecido a sombra do manto do príncipe feliz que havia acabado com o caudilhismo nas províncias e na América do sul e preparado a engrenagem da peça política da centralização mais coesa que já uma vez ouve na história de um grande país. De repente, por um movimento subterrâneo, que vinha de longe, a instabilidade de todas as coisas se mostrou e o sofisma do império apareceu em toda sua nudez.

Os sintomas do solapamento do modelo escravocrata decorrente das pressões externas no sentido de situar o Brasil no contexto do desenvolvimento das sociedades modernas do século XIX, gerou uma “instabilidade” que pode e deve ser

65 Cf. Filho, 1985, p.102.

compreendida a partir das novas manifestações culturais que emergem naquele momento. O tratamento intelectual de determinadas questões, ou melhor, a medição sociológica da sociedade brasileira, passava necessariamente pelo interesse dos novos grupos que iam se estruturando nessa nova conjuntura – que exigia a circunscrição e afirmação de uma identidade nacional – ou seja, uma perspectiva que pensasse como se daria a entrada do Brasil na modernidade e como se processaria o correlato re- ordenamento da sociedade brasileira diante daquelas circunstâncias. A crença no fim da escravidão e na emergência de uma nova ordem social era algo nítido naqueles instantes. Essa sensação era percebida pelos poucos que possuíam uma “extensão de sensibilidade” que podia ser traduzida em termos intelectuais.

O clima da cidade que abrigou um lócus da produção intelectual brasileira no século XIX era marcado pelo advento do processo de urbanização. Contava Recife por volta de 1872, segundo anuário estatístico do Brasil, com 116.671 habitantes, e já possuía considerável vida pública com existência dos logradouros públicos, livrarias, cafés, o teatro Santa Izabel etc. Recife era a terceira cidade do Império e sua porta de entrada era o porto da cidade. Era por ele que chegavam às tendências, as novidades da moda, as idéias filosóficas e doutrinárias. Nicolau Sevcenko (2003, p.51) atesta que os navios europeus, principalmente franceses, não traziam apenas figurinos, o mobiliário e as roupas, mas também as notícias sobre as peças e livros mais em voga, as escolas filosóficas predominantes, o comportamento, o lazer, as estéticas e até as doenças.

Hermes Lima (1963, p.09-10) a este respeito depõe:

[...] hábitos diferentes apareciam e o modelo agora era uma Europa burguesa, donde nos foram chegando novos estilos contrários aos rurais e patriarcais: o chá, o governo de gabinete, a cerveja, a botina clark, o pão torrado, as reuniões, as festas, o recitativo e o teatro constituíam o lado brilhante e artístico da vida social [...] Naquela cidade pacata, os escassos divertimentos, a academia e o teatro formavam dois pólos em que se concentrava a atividade espiritual dos estudantes.

O lugar público ainda era no imaginário do século XIX o lugar para se perder a respeitabilidade, para discutir e polemizar os assuntos da ordem do dia. No “feudo”, não havia debates e as verdades eram acatadas dogmaticamente. Conforme Sodré (1982, p.45) a vida urbana a partir da metade do século XIX se amplia. Nela a

mulher e o estudante estabelecem condições de sociabilidade que antes não existiam. Serão as parcelas mais importantes do público que, na época, acompanhavam as atividades culturais.

Clovis Beviláqua (1977, p.351), em seu testemunho, traça um panorama do Recife:

Para excitação dos espíritos nos anos de sessenta, no Recife, havia dois fortes estímulos: a paixão teatral, estimulando os ardores poéticos, e o sentimento patriótico, explodindo, por todos modos e por todos os cantos, em versos, discursos, passeatas, e, passando das manifestações ruidosas aos atos positivos, na marcha para o campo de batalha, realizando briosamente, o dito do poeta.

A emergência da cidade e da configuração urbana, e sua correlata confluência de novidades, apontavam a possibilidade para que a dinâmica das idéias ficasse sujeita a variação frente às inabaláveis verdades patriarcais e religiosas de então. Propõe Gláucio Veiga (1993, p.41) que:

A inauguração do Teatro Santa Isabel deu impulso à vida teatral e os acadêmicos tornaram-se clientela especial. E tão intensa seria tal participação, quando as autoridades olindenses defenderam vigorosamente a permanência do curso jurídico em Olinda e qualificaram o Recife de “Babilônia”, uma das fontes do “pecado” e distorções era o Teatro.

Antonio Candido (1988, p.45), ao analisar o contexto em que se dá a produção intelectual de Silvio Romero, faz menção ao Recife do século XIX da seguinte forma:

[...] no Recife as novidades chegavam e inflamavam a imaginação dos moços. Cada rapaz inteligente daquele tempo deve ter tido a ambição de determinar, com rigor científico e escrupulosa observação, os fundamentos sociais e naturais do pequeno pensamento nacional. Capistrano tentou-o, assim como Araripe e Rocha Lima. Silvio foi como que o delegado desta

grande idéia, o que se atirou a faina e realizou a obra por que a sua geração ansiava e que o seu momento solicitava.

Conforme Nelson W. Sodré (2002, p.521) existia no Recife de então, uma atmosfera que, embora restrita e resumida a um pequeno círculo, foi extremamente propícia às transformações que logo seriam denunciadas pela mentalidade brasileira. A este respeito, assim escreve:

Claro está que tais transformações, interessando a um número reduzido de pessoas, aquelas que tinham acesso ao estudo, vinculavam-se muito mais a influência externa do que as solicitações do ambiente nacional. Mas é também irrecusável que tiveram papel importante nesse ambiente, contribuindo para que formulações encontrassem suas bases doutrinárias e contribuindo principalmente para que o país fosse interpretado. Não interessa indagar, de um ponto de vista formal, se as bases doutrinárias correspondiam às exigências reais do meio, ou se as interpretações, utilizando instrumentos menos apropriados, conduziam a falsas conclusões em muitos dos casos. Não poderia ser de outra maneira, o único caminho inicial teria o de ser o da apropriação de instrumentos elaborados no exterior.

Sylvio Rabello (1967, p.06), em biografia sobre Silvio Romero, relata o cenário que o mesmo encontrou no Recife quanto lá aportou em 1868.

Por uma circunstância que o situa como ponto mais acessível da Europa e por certas condições econômicas, que tanto distanciam a massa do povo dos fidalgos do açúcar, o Recife é, talvez, a cidade brasileira que mais romanticamente se tem batido por todas as formas de idealismo [...] Não é raro ver padres que trocam o breviário pelas armas, ao ponto de alguns deles darem-se a aventura de um movimento separatista; magistrados que chefiam rebeliões políticas, um dos quais pagando com a vida sua adesão a liberais inconformados com a queda do poder. Jornalistas que se imolam quase candidamente em bulhas de eleição, como um sacrifício a seu partido; mulheres que num gesto à romana, vendem as jóias para libertar escravos. E poetas batendo-se por atrizes de teatro; bacharéis dando-se ao luxo de escrever em francês e até em alemão; estudante reunindo-se em clubes secretos – toda uma agitação que vinha, talvez da procura de pontos de equilíbrio, de um ajustamento do homem a possibilidade de uma vida mais tolerável.

Este mesmo autor testifica a atuação de Tobias Barreto e ilustra alguns aspectos da vida cultural desse período:

O poeta, que era pardo e feio, foi, a princípio, o escândalo numa sociedade fechada em seus preconceitos. Mas o escândalo acabaria abrandando em curiosidade e até simpatia. Ele costumava fazer discursos cívicos na praça pública e a cantar serenatas na Rua Boa Vista. Com seu arrebatamento tropical, perturbava as récitas do teatro Santa Isabel, onde dizia ser grego e camarada de Platão. Em todas as rodas de estudante tomava o primeiro lugar, conversando sobre filosofia e sobre literatura, numa fluência oratória e uma dramaticidade de gestos que foram o segredo da sua vitória. (Ibid., p.13)

Silvio Romero [1880] (2002, p.46), em seu álibi, revela as coordenadas culturais fornecidas pelo Recife na transição das décadas de 1860/1870.

Era a fase da guerra do Paraguai. As festas patrióticas se repetiam com as noticias de nossas vitórias e um entusiasmo sincero se fazia sentir entre os moços. O teatro, sob a direção de bons artistas, e o salão, ao influxo das belas pernambucanas, recebia com o recitativo um brilho vivo. Os poetas tiveram principalmente por musa o patriotismo, o entusiasmo estético e o amor.

Os impactos da Guerra do Paraguai (1865-1870) no imaginário da década de 1870 no Recife foram significativos. Foi um dos marcos que forneceram robustez àquela geração, impelindo-a a reexaminar o conceito de nação. Era comum ver nas poesias, primeira experiência no universo da literatura naquele momento, a expressão e tradução dos sentimentos comuns acerca da nação brasileira que a guerra gerava. Nos artigos publicados em jornais e nas diversas poesias construídas naquele momento (muitas agrupadas em torno da categoria patriota), era significativa essa preocupação com o sentimento de pertença a uma localidade, a uma nacionalidade66.

66 No registro feito por João Barreto de Menezes de “três décimas” declamadas por Tobias Barreto por ocasião da

partida de um batalhão do Recife que ia para guerra temos as seguintes estrofes: Se nós insultados fomos,

Agora que o norte vai, Há de sentir o que somos A gente do Paraguai.

Se nessa guerra em que entramos Pelo direito lutamos

Por ser o nosso ideal, No coração de Solano O sabre Pernambucano Vai mostrar pra quanto vai. [...]

Um dia, ateando a guerra, Pisaste a brasiléia terra, Calcando o nosso pendão ... Mas na hora amarga que passa,

Os efeitos da Guerra do Paraguai no Império, a foram imensos: a inépcia do Brasil na mobilização inicial para a Guerra levou muitos civis a acordarem para o atraso do país em áreas tão vitais como a educação e transporte. Desconcertou, também, os militares despertando dentro da oficialidade uma consciência que os levaria a tornar-se um poderoso grupo de pressão política. Mostrou a escassez de homens livres aptos para o serviço militar. Nesse caso, o recrutamento de escravos para a guerra, permitiu o reconhecimento desses, concorrendo para que muitos cativos ganhassem a liberdade.

Esses tremores políticos foram acompanhados de novas agitações culturais. Começando em 1868, um grupo arrojado de estudantes, que pouco ou nenhum respeito nutriam pela tradição, tomou corpo em Recife. Seu chefe confessado era Tobias Barreto, que ali se formara pela faculdade de direito em 1869. Nos dez anos seguintes, Recife seria o centro de um núcleo de jovens intelectuais, pequeno, mais seguro de si (SKIDMORE, 1976, p.25- 26).

Machado Neto (1973, p.69) aponta em sua leitura, um tanto quanto hiperbólica, para o fato de que:

[...] graças a figura singular de TB, e ao grupo de jovens pensadores que o genial sergipano conseguiu aglutinar em torno de suas “idéias novas”, a cidade e a faculdade do Recife puderam lograr uma significação extraordinária na distribuição ecológica de nossa vida intelectual. Na história intelectual do país, a cidade e a faculdade estão imortalizadas na realidade e na legenda da ER.

A dimensão urbana do Recife, aliada a esses fatos, implicaram relativas mudanças nas subjetividades. O resultado do estudo de Raimundo Arrais (2004, p.13-14) sobre a formação urbana do Recife no século XIX é significativo. Ele

Hás de ver a nossa raça Reagir de armas na mão Patrícios! O drama é sério! Junto ao trono armas erguei! Nos mesmos somos o império! Nos mesmos somos reis! Não pensemos no monarca! Um homem que os passos marca, Vale o povo varonil,

Pois agora, o insulto feito, Vai se ver quem em nosso peito Vibra a honra do Brasil

atesta que aquele tempo que a cidade do Recife foi investida de uma função

pedagógica. Nela se exercia o papel formador, onde se devia moldar valores e modelos de conduta. Essa cidade encontrava-se submetida um processo de secularização derivado do desgaste que as idéias filosóficas e políticas do século XIX provocaram na constituição de uma ordem social amalgamada nos valores emanados da ordem católica, refletindo-se no espaço da cidade.

Enquanto essa ordem escravocrata não dera sinal de declínio, o ecletismo filosófico prevaleceu e a sociologia, parcamente tivera sido invocada. Até 1850, existia uma cosmovisão no curso jurídico do Recife que refletia um tipo determinado de mundo, certa ordem social que não dava sinais que iria familiarizar-se plenamente com o sistema capitalista industrial.

Gláucio Veiga (1989, p.13) observou que havia uma mudança que se operava no meio urbano que permitia a modificação das subjetividades e que aguçaria a possibilidade de entendimento de questões que algumas das dimensões da sociedade burguesa apresentavam. O meio urbano do Recife, centro político da província, possibilitava o inicial convívio do acadêmico nos novos espaços: o da praça, o da rua, do teatro da FDR. É um período marcado pela emergência da transição de uma estrutura intimista, de linguagem e ritos fechados, para o nível do espetáculo, envolvendo a participação pública de espectadores.

Reuniões solenes do Atheneu Pernambucano alongando-se das 16 as 20 horas. São três ou quatro oradores se sucedendo, outro tanto de poetas em recitais, de produção própria ou alheia, e, ainda, intervalos para audição da banda de música [...] e finalmente e importante, a presença das mulheres As sessões magnas das sociedades literárias acadêmicas, de regra, são heterogêneas, um marcante sincretismo polivalente, convizinhando tirada filosófica de Antonio Nascimento Feitosa ou de Autran e poesias de Vitor Hugo, Lamartine e ainda música clássica, alternando às sacudidas polkas e “galopes” (Ibid.).

Raimundo Arrais (2004, p.334) assegura que no século XIX no Recife, ao passo que a administração ia fixando os sinais materiais do progresso no espaço urbano, as elites ilustradas empenhavam-se em eliminar desses espaços as formas de religiosidade popular associadas a um passado que era tido como renegado. Foi isso que argumentaram na imprensa por anos a década a fio, utilizando muitos termos diferentes para afirmar a constatação de que no espaço público os sinais de religião deveriam ceder aos sinais do progresso.

As Repúblicas, tão comuns aquele momento, foram outro universo importante – embora de difícil mensuração – uma vez que, em torno delas, muitas questões foram debatidas. Conforme Gilberto Freire (1971, p.129-130) foi nelas que se formaram:

[...] Escolas a seu modo, agrupadas em torno da escola mar, e das quais foi emergindo, ao lado dos mestres, outro tipo de brasileiro institucionalizado por um sistema total e não apenas intelectual, de cultura. É o “senhor acadêmico de direito”. Foram às chamadas repúblicas de estudantes pontos nada desprezíveis de encontros, de conflitos, de conciliações daquelas idéias antagônicas, daqueles pontos de vista opostos, daquelas formações culturais diferentes de que eram portadores jovens vindos de várias partes do país e até de diferentes camadas sociais para se bacharelarem. Nessas republicas, mais ou menos boêmias, e não apenas no mais ou menos severos claustros, é que se formou esse tipo brasileiríssimo de “senhor acadêmico, já distanciado de seu modelo coimbrão. Nessas republicas, firmaram-se, entre esses estudantes, amizades que durariam a vida inteira [...] nelas, ainda, como alias na própria faculdade, ajustaram-se experiências provincianas a uma visão inter-provinciana do que fosse o Brasil de então em face das várias Europas e do que devesse ser o futuro brasileiro.

Para Odilon Nestor (1930, p.12-13) os estudantes passavam boa parte do tempo juntos, eram grupos que se identificavam, muitas vezes, pela localidade de origem e por apego a determinadas idéias e autores.

Os estudantes faziam vida em comum, morando vários deles numa só casa com um criado pra lhes fazer compras e preparar a comida; costume igualmente seguido pelos franceses. Reuniam-se assim de preferência os colegas da mesma província, o que não excluía como acadêmico a solidariedade entre todos.

Sergio Buarque de Holanda (2002, p.1947) notou que a existência de apenas duas Faculdades, possibilitava uma migração elevada para as cidades de São Paulo e do Recife. Essa migração, por sua vez, por imprimir uma inevitável distância do controle familiar, pode ter concorrido largamente para,

[...] sobretudo nos cursos jurídicos, fundados desde de 1827 em São Paulo e Olinda [...] a formação de homens públicos capazes, devemo-la às possibilidades que, com isso, adquiriram numerosos adolescentes arrancados aos seus meios provinciais e rurais, de “viver por si”, libertando-se progressivamente dos velhos laços caseiros [...].

Sylvio Rabello (1967, p.34-35) comenta que novos hábitos adquiriram os estudantes ao passar para o Recife. Quase abandonaram as salas de aula, os livros de processo, as revistas escolares. Eles buscaram os autores da ciência nova, os jornais de grande circulação, a praça pública. Nem os compêndios aprovados pelo conselho oficial, nem as lições cheias de sentenças do latim Justiniano, bastariam para criar ou estimular a agitação que ocorria na cidade denominada de Veneza trasnplantada por Silvio Romero. A tradução da influência do Recife na formação da aristocracia intelectual de então é sintomática:

O Recife daquela época não era apenas a cidade – seu espaço físico, a sua topografia; mais tudo o que contribuiu, como tradição e como imponderável espiritual, para o movimento de idéias que se chamou sua escola. E a presença dos jovens que não tinham nascido em Pernambuco, decerto que foi uma parte – a grande parte – do ambiente que tornou possível a agitação literária que tantas vezes Silvio Romero pos em exagerado relevo [...] São Paulo e o Rio de Janeiro já possuíam elementos vindo de diversas localidades, mas, em nenhuma delas, até então, surgira movimento com a significação histórica do que apareceu no Recife – movimento que inauguraria o pensamento crítico no Brasil, quando nenhum outro mérito se pudesse encontrar nele.

Pinto Ferreira (1980, p.411) registra o fato de que a cidade do Recife naquele momento era o principal centro cultural do Nordeste. Seu relato afirma que Tobias Barreto emergira num contexto de transição, numa cidade que

No documento A Escola do Recife e a sociologia no Brasil (páginas 125-163)