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As Bases da Regionalização: Das Regiões Didáticas às Regiões Oficiais

2 DA REGIÃO NATURAL ÀS MICRORREGIÕES GEOGRÁFICAS: UMA CAMINHADA PELA REGIONALIZAÇÃO NO BRASIL E EM

2.1 A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO REGIONAL: DAS REGIÕES NATURAIS ÀS MICRORREGIÕES HOMOGÊNEAS

2.1.1 As Bases da Regionalização: Das Regiões Didáticas às Regiões Oficiais

É importante registrar que no século XIX naturalistas europeus estudaram os recursos naturais, a população e o processo colonizador que se implantava no Brasil, deixando suas contribuições científicas para a compreensão da organização do espaço brasileiro. Entre eles destacam-se Auguste de Saint-Hilaire, que escreveu sobre os costumes e paisagens brasileiras (1816); von Martius (1817), precursor da idéia da divisão regional no Brasil, e Avé-Lallemant (1859), que estudou os aspectos da colonização no Sul do Brasil.43

As preocupações de von Martius (1843) com a região estão presentes em sua obra Como se deve escrever a história do Brasil – considerada um marco na história dos estudos regionais – ressalta que, para conhecer o Brasil, deve-se estudar as particularidades da natureza e da população de cada província brasileira (GUIMARÃES, 2000).

As divisões regionais elaboradas naquele momento seguem os postulados positivistas presentes na ciência, que enfatiza os fatos naturais: relevo, hidrografia, vegetação e geologia por serem dados considerados estáveis para a análise. Os critérios advindos da visão darwiniana e neolamarckiana servem de base para a compreensão das relações homem-natureza.

Os fatores naturais delimitam linearmente as formações regionais, em detrimento dos fatores sociais, sobretudo porque a construção de uma formulação

43 “Diferentemente das viagens exploratórias anteriores, os viajantes do século XIX o fazem com o intuito de produzir conhecimento científico, esquadrinhando cuidadosamente as regiões para construir um painel que abrigasse desde as características físico-geográficas das áreas visitadas, até as características sociais e políticas dos povos que as habitavam” (GUIMARÃES, 2000, p. 393).

científica para a Geografia – segundo os estímulos, as possibilidades e as determinações do final do século XIX – se apoia na matriz positivista, um viés naturalizante, emprestado do mundo físico e biológico, aproximando-a das ciências naturais.

Nessa direção, o engenheiro André Rebouças publica seus estudos em 1889 sobre a divisão do Brasil em 10 (dez) zonas agrícolas, considerando a área dos Estados federados por inteiro em sua proposta:

Zona Amazônica (Pará e Amazonas); Zona do Parnaíba (Maranhão e Piauí); Zona do Ceará (Ceará); Zona do Paraíba do Norte (Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas); Zona do São Francisco (Sergipe e Bahia); Zona do Paraíba do Sul (Espírito Santo, Rio de Janeiro e São Paulo); Zona do Paraná (Paraná e Santa Catarina); Zona do Uruguai (Rio Grande do Sul); Zona Auro- ferrífera (Minas Gerais); Zona Central (Goiaz e Mato Grosso) (GUIMARÃES, 1988, p.36).

Em 1893, o geógrafo francês Elisée Reclus publica Estados Unidos do Brasil, propondo uma divisão regional para o país assentada em 08 (oito) regiões, baseadas nos aspectos naturais:

Amazônia (Amazonas e Pará); Vertente do Tocantins (Goiaz); Costa Equatorial (Estados nordestinos de Maranhão e Alagoas);Bacia do São Francisco e Vertente Oriental dos Planaltos (Sergipe, Baía, Espírito Santo e Minas Gerais); Bacia do Paraíba (Rio de Janeiro e Distrito Federal); Vertente do Paraná e Contravertente Oceânica (São Paulo, Paraná e Santa Catarina); Vertente do Uruguai e Litoral adjacente (Rio Grande do Sul); Mato Grosso. (RÉCLUS apud GUIMARÃES, 1988, p. 38).

No entanto, surgem também estudos que fogem aos critérios naturais e utilizam como base as semelhanças econômicas entre os Estados e as condições geográficas, como o de Said Ali (1905), que propõe a seguinte divisão regional:

Brasil Setentrional (Acre, Amazônia e Pará); Brasil Norte-Oriental (estados litorâneos desde Maranhão a Alagoas); Brasil Oriental (Sergipe, Baía, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Minas Gerais e São Paulo); Brasil Meridional (Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) e Brasil Central (Goiaz e Mato Grosso) (ALI, 1905, apud GUIMARÃES, 1988, p. 39).

Estribado nos estudos de Elisée Reclus e Said Ali, em 1913 o Professor Delgado de Carvalho estabelece uma divisão regional para fins didáticos baseada em regiões naturais, reunindo os Estados que guardam características fisiográficas semelhantes. (MAPA 2).

Brasil setentrional ou Amazônico (Acre, Amazonas e Pará); Brasil Norte-Oriental (Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas); Brasil Oriental (Sergipe, Baía, Espírito Santo, Rio de Janeiro, Distrito Federal, Minas Gerais); Brasil Meridional (São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul); Brasil Central (Goiaz e Mato Grosso). (GUIMARÃES, 1988, p. 40).

Em 1924 o Professor Delgado de Carvalho afirmava que “[...] a região natural é uma subdivisão mais ou menos precisa e permanente que a investigação e a observação permitem criar numa área geográfica estudada” (Apud ANDRADE, 1973, p. 35). Essa postura reafirma a predominância dos elementos físicos como agentes modificadores da paisagem, sem levar em conta a ação antrópica. Nesse período, os espaços eram caracterizados pela imobilidade, e a região demarcada por critérios naturais, como algo evidente que traduz o imaginário da unidade territorial, pois, segundo Castro

[...] mais do que uma tradição naturalista da Geografia [...], parece que os olhos dos brasileiros responsáveis pelo ‘desenho’ do território nacional só são capazes de perceber as diferenças das paisagens desenhadas pela natureza. Reconhecer outras diferenças significaria abalar o mito consagrado da unidade territorial como suporte de unidade política e de coesão social do nacionalismo. (1994, p.164).

Na esteira desse pensamento, Guimarães enfatiza:

[...] na fase atual [1941] parece-nos que as ‘regiões naturais’ que serviram de fundamento à divisão do Professor DELGADO DE CARVALHO constituem a melhor base para os estudos geográficos em nosso país. A nosso ver, dificilmente poderão ser convenientemente estudados, em linhas gerais, os diferentes fácies do relevo, das províncias geológicas e os tipos de clima do Brasil, mediante ‘regiões naturais’ muito diversas das que ora consideramos. A divisão do Professor DELGADO DE CARVALHO satisfaz perfeitamente os estudos da Geografia Física e explica também de modo adequado a diferenciação regional que se observa em muitos fatos humanos, e naqueles mais fortemente ligados ao determinismo geográfico mais estáveis e normais (1988, p. 42).

Convém lembrar que, entre 1920 e 1929, professores de Geografia do Colégio Pedro II do Rio de Janeiro discutiam o problema regional e apresentavam sugestões sobre a divisão regional do país seguindo os elementos naturais.

Em 1922, a Sociedade de Geografia do Rio de Janeiro publica a obra Geografia do Brasil, em cujo capítulo dedicado aos aspectos físicos do Brasil propõe a divisão regional de Honório Silvestre. Esse autor utiliza como critério principal para o recorte regional as bacias hidrográficas, agrupando-as em 04

(quatro) regiões: Oriental (vertente oriental do planalto compreendendo as bacias drenadas para o Atlântico); Intermediária (Bacia do Paraná e do São Francisco); Vertente Amazônica (Bacia Amazônica e o Nordeste Semi-árido); Depressão Platina (Pantanal Matogrossense, que corresponde à Bacia do Paraguai) 44 (GUIMARÃES, 1988).

A relevância dos aspectos físicos ganha destaque nos estudos de Pe. Geraldo Pauwels (1926), que divide o país em 06 (seis) regiões naturais:

Amazônia (Acre, Amazonas, Pará, oeste do Maranhão e o norte de Goiaz e de Mato Grosso); Região das Caatingas (Ceará, parte dos estados do Piauí, Maranhão, Paraíba, Rio Grande do Norte, Pernambuco, Alagoas, Sergipe, Baía e Minas); Planalto Meridional (parte do Mato Grosso, Goiaz, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul); Litoral (as terras situadas entre o planalto brasileiro e o Atlântico, desde o cabo de São Roque, no Rio Grande do Norte, até o ponto onde, no Rio Grande do Sul, a Serra Geral inflete para o oeste); Região Uruguaio-Brasileira e Planície do Alto Paraguai ou Grão-Chaco Brasileiro45 (PAWELS, 1926, apud GUIMARÃES, 1988, p. 45).

Nesse mesmo ano, utilizando como critério central o relevo, Roy Nash propõe uma divisão regional baseada nas províncias fisiográficas: Altiplanos Guianenses, Planície Amazônica, Planalto Central, Cordilheiras Marítimas, Planícies do Alto Paraguai e Planícies Litorâneas; e Brandt, com base nas condições climáticas, propõe uma divisão em 03 (três) setores econômicos: o sulino, de economia europeia (Brasil meridional); o médio, de economia colonial, (Brasil central); e o reservatório de matérias-primas do Norte (Brasil setentrional) que foi citado por Guimarães (1988).

Em sua obra Amérique du Sud, o geógrafo francês Pierre Dennis trabalha uma divisão em 06 (seis) regiões naturais: Amazônia, Nordeste, Planalto Meridional, Planalto Central, Brasil Oriental e a Costa Atlântica da Baía ao Rio. Dez anos mais tarde, o professor Betim Pais Leme propôs uma divisão regional para o Brasil em 07 (sete) zonas estruturais baseadas no critério geológico:

44 As bacias hidrográficas somente foram consideradas unidades de planejamento com o advento da Lei nº 9.433, de 08 de janeiro de 1997, que estabelece a Política Nacional de Recursos Hídricos, o Sistema Nacional de Recursos Hídricos e dá outras providências.

45 O conceito de região natural e uma tentativa de estabelecer as regiões naturais do Brasil.. Revista

Zona de sedimentação: Acre, Amazonas e Pará; Zona intermediária: Maranhão e Piauí; Zona estabilizada por peneplanização: Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas; Zona intermediária: Sergipe e Baía; Zona de reajustamento isostático atual (Serras Cristalinas): Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro e Distrito Federal; Zona estabilizada (grandes derrames de rochas eruptivas): Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul; Zona de erosão: Goiaz e Mato Grosso (DENNIS, 1936, apud GUIMARÃES, 1988, p. 43).

Em 1939, o consultor técnico do Conselho Nacional de Geografia, Moacir M. F. Silva apresenta um estudo detalhando a divisão anteriormente apresentada por Delgado de Carvalho, com a criação do que chama “zonas de transição”. Essas zonas corresponderam, na prática, à criação de mais três regiões: uma agrupando os Estados do Maranhão e Piauí; outra, Bahia e Sergipe, e outra formada pelo Estado de São Paulo.

Nesse período, dava-se grande importância aos elementos físicos e quase se desconhecia a influência dos fatores humanos, que eram apenas superpostos, segundo Andrade “[...] como se os homens, modificando as condições naturais, não tivessem uma grande participação na elaboração e diversificação das paisagens.” (1973, p. 35). Nota-se que as condições naturais têm maior peso na explicação e na interpretação da diversidade da organização social como unidade central dos estudos regionais, e pouco considerados os aspectos sociais resultantes do trabalho do homem em determinada paisagem.

A importância dos aspectos naturais como critério para essas divisões regionais foi assim reforçada por Vallaux:

[..] a Geografia Física deve, pois, esforçar-se, o mais possível, em cimentar a ‘poeira’ regional e em definir as grandes regiões com caracteres fixos e solidamente soldados uns aos outros. Seu papel consiste em reconstituir em toda parte as paisagens naturais, aí compreendidas a ação do mundo vivo, tais como a natureza as fez, se não tivesse existido um só homem sobre a terra. A Geografia Humana estuda como e por que êles arranjam e modificam as coisas, chega assim à paisagem deformada, à paisagem humana, superposta ou substituída à paisagem natural. [...]. Tais linhas, de clareza cristalina, colocam a questão nos têrmos devidos: antes de tudo, as regiões naturais, estáveis, baseadas na Geografia Física; posteriormente, as regiões humanas, ‘instáveis e móveis’. (VALLAUX, 1911 apud GUIMARÃES, 1988, p. 29).

Em 1936, o Professor Deffontaines antecipa o que mais tarde viria a confirmar-se em seu estudo sobre a divisão regional do Estado de São Paulo: “[...] os rápidos progressos econômicos do Estado de São Paulo [e do Brasil] darão lugar, certamente, ao nascimento de novas regiões naturais, de novas paisagens; assiste- se a um lento e progressivo nascimento de variedades regionais” (Apud ANDRADE, 1973, p. 36).

A Primeira República caracterizou-se como um período da nossa história marcada pela economia agrário-exportadora sob a égide de um Estado oligárquico, cuja política era definida pelos governadores. Isto significava que “[...] sobre os interesses do povo, à custa deste, o Presidente da República, os governadores estaduais e os coronéis locais articulavam-se como um vasto aparelho estatal de fato” (IANNI, 1965, p. 14 -15).

Cada estado da federação passa então a ser dominado por uma “oligarquia regional” que ficava sob as bênçãos do governo federal, responsável pela sua administração e pela solução de seus problemas, como decorrência de uma relação de compadrio desse poder privado com o poder público (IANNI, 1985). O coronelismo expressa-se como relação de compromisso entre o Estado e os senhores da terra, e uma relação de dominação dos coronéis sobre a população – a base social local – seus eleitores.

No contexto catarinense e, mais propriamente, no Planalto Serrano, os senhores da terra – os “coronéis” estão ligados ao Estado autoritário em “[...] uma articulação de cumplicidade e interdependência, especialmente com o poder executivo – que dá maior eficiência à dominação e amplia a área de domínio do coronel” (MUNARIM, 1990, p.23).

Esse autor salienta que a figura de maior destaque entre os membros da oligarquia Ramos foi o coronel Vidal José de Oliveira Ramos, chamado por ele de “coronel dos coronéis”, tendo sido deputado federal (1906) e governador do Estado (1910-1914).

No caso da região Serrana, o domínio no campo da política local era compartilhado – não sem disputas internas – por dois grupos oligárquicos, as oligarquias dos Ramos e Costa. Cada qual fazia do poder local, que detinha, instrumento de ascensão na escalada do poder de nível estadual, mantendo-se dominante, também aí por longos anos, durante a Primeira República e em períodos subsequentes(MUNARIM, 1990, p. 25).

O poder instituído nessa região formou pequenas, médias e grandes oligarquias articuladas do ponto de vista econômico, político e militar que perdurou mesmo após a Primeira República, com resultados culturais que ainda guardam traços na região. As disputas entre as famílias oligárquicas, exemplificadas pelas Ramos e Costa de Lages, eram internas e não colocava em risco o poder dos coronéis, que organicamente, permaneciam coesos para manter seus privilégios patrimonialistas.

Em tal contexto, “[...] analisar o coronel como figura de autoridade é importante não somente para fixá-lo política e sociologicamente, mas porque o mesmo incorpora funções de vínculo e mediação nas relações entre Estado e sociedade, principalmente junto aos segmentos sociais subalternos” (SEIBEL, 2001, p. 27). Este detém o poder, uma conotação do direito natural de quem é mais forte, tem patrimônio, o mando, numa relação social de subordinação em que os valores, as tradições e os costumes são impostos à população subalterna.

Seibel esclarece que o coronelismo atua com uma dinâmica que impede a formação de instituições verdadeiramente públicas, isto porque “[...] estruturam-se relações de poder que não são superadas pelos movimentos políticos e permanecem definidores de um processo político e institucional de caráter autoritário e privatista” com reflexos nos dias atuais (2001, p.27).

Nesse período, segundo Peixer, “[...] vive-se a redefinição do papel da cidade e de sua importância na região. Lages, a cidade dos coronéis, é o locus do poder político, não desvinculado da terra”, constitui-se em espaço central da construção de alianças e disputas políticas e definições de projetos econômicos e sociais (2002, p. 85).

No início do século XX, a paisagem urbana está concentrada no litoral, representada pelas capitais dos estados, que são suas maiores cidades, e está presente, de forma esparsa, na paisagem interiorana com o surgimento de cidades de pequeno porte, que começam a despontar em meio à estrutura agrária. Contudo, a organização espacial brasileira ainda é difusa; não há grandes diferenciações regionais, embora já ocorra, timidamente, um avanço da fronteira agrícola em direção ao interior do país (BERNARDES, 1966; GEIGER, 1963).

Naquele momento, com os contornos de seu limite englobando as áreas a oeste dos Campos de Lages, Santa Catarina esboça um incipiente processo de regionalização com a emersão dos centros de influência: Florianópolis, Blumenau,

Joinville, Lages e Tubarão, ou seja, embrionários subsistemas de unidades espaciais, que mantinham articulação econômica mais consistente com o mercado externo e com o Sudeste brasileiro, em detrimento da frágil articulação interna.

A capital do Estado – Florianópolis – apresentava em 1920 uma população de 41.338 habitantes e mantinha maior comunicação com a capital federal – Rio de Janeiro – e com Curitiba e Porto Alegre, do que com os seus demais núcleos urbanos (SILVA, 1978). Apesar de apresentar-se simbolicamente como uma ilha, com pouca articulação com o interior, era a maior cidade e o maior centro comercial do Estado até os anos 30 do século XX, exercendo, por consequência, certa centralidade em decorrência de ser também a capital político-administrativa e exigia políticas e ações de integração por parte de seus governantes.

A organização espacial catarinense nos anos 20 do século XX é assim descrita por Lago:

[...] a área mais dinâmica do Estado, a bacia do Itajaí, terminava onde termina o próprio rio, por um porto flúvio-marinho que possibilitava seu encontro com o mundo exterior ou com os mercados nacionais. [...]. A outra área dinâmica, com centro em Joinville, igualmente dispunha de um corredor de transporte, compreendido pela estrada Dona Francisca e pela ferrovia que atingia o porto de São Francisco do Sul. [...] No sul, as atividades econômicas caminhavam sob influências de colonização e, sob a esperança dos recursos minerais fósseis, por via marítima, por Laguna e mais tarde por Imbituba. [...] Florianópolis, como entreposto comercial, e seu papel como porto marítimo lhe asseguravam um “hinterland”, porém limitado às forças de exploração extrativista [...] se comportava como assistente de um processo de transformação das “sociedades econômicas” do Estado, e não como agente de interferência do mesmo (1978, p. 118-124).

Nesse período predomina no país uma ordem rural agroexportadora, o mercado nacional não está integrado e a produção industrial não apresenta suficiente dinâmica de crescimento (CANO, 1985) formado pela nucleação do espaço econômico brasileiro em pontos litorâneos (BERNARDES, 1966), embora o governo federal desenvolva ações associadas aos interesses dos produtores de café e ao capital estrangeiro, priorizando a construção de ferrovias, na tentativa de articular outros centros produtores com o centro da economia nacional – São Paulo.

Isso decorre das mudanças operadas tanto no sistema de engenharia (desenvolvimento da infraestrutura de transportes com a implantação de estradas de ferro, melhoramentos portuários e a criação de meios de comunicação) quanto no sistema social, com a transição para o trabalho assalariado na produção cafeeira, com a entrada de imigrantes europeus, que estabelecem as condições para uma integração, ainda que limitada, do espaço e do mercado no território nacional (CANO, 1985; DINIZ, 2001; SANTOS, 1993).

A expansão cafeeira baseada no trabalho não mais escravo, mas na mão de obra assalariada “[...] abriu a possibilidade de circuitos inter-regionais de mercadorias, pois as necessidades dos trabalhadores na sua maioria colonos imigrantes [...] passaram a ser atendidas por indústrias situadas em diversos pontos do território nacional” (BECKER; EGLER, 2003, p. 111). Na esteira dos produtos que abastecem as áreas produtoras de café encontramos o açúcar produzido na região Nordeste, a banha e o vinho produzidos no Sul e os têxteis no Rio de Janeiro, que passam a fluir de uma região para outra com o auxílio da estrutura de transportes que se moderniza e se amplia. Contudo, ainda não existe

[...] uma boa articulação entre as diversas regiões, ou seja, entre as suas cidades; ainda não há ligações ferroviárias ou rodoviárias entre o Centro-Sul e o Nordeste. Não há uma rêde urbana única, uma rêde nacional; em algumas regiões, esboçam-se rêdes urbanas, noutras elas mal se definem. Por outro lado, são as classes rurais que ainda mantêm o domínio do conjunto do País, e figuras que a elas pertencem vêm ocupar postos de direção nas cidades (GEIGER, 1963, p. 100).

A ampliação do mercado interno, decorrente da emersão de uma classe média urbana e com a substituição da mão de obra escrava por assalariada liberando capitais para outros investimentos, permite que condições sejam criadas para o processo de industrialização que ganharia vulto algumas décadas mais tarde.

Na primeira década do século XX, a ação governamental em obras de infraestrutura portuária, ferroviária e urbana, com base numa política fiscal expansionista e numa política aduaneira, indiretamente subsidiou a importação de bens de capital (KROETZ, 1975).

Essa política está presente em Santa Catarina com a construção da Estrada de Ferro Dona Thereza Christina, iniciada em 1880 com a função de interligar a área produtora de carvão com o porto de Imbituba; o ramal da Viação Paraná – Santa

Catarina que ligaria as fontes produtoras de erva-mate do Planalto Norte com o Porto de São Francisco do Sul iniciado em 1905, e a Estrada de Ferro Santa Catarina, paralela ao Rio Itajaí, fazendo a conexão entre Blumenau e o Porto de Itajaí, construída entre 1905 e 1909, e a Estrada de Ferro São Paulo – Rio Grande, que liga Santa Catarina aos Estados vizinhos (CEAG, 1980; CUNHA, 1982).

Essa última rede ferroviária teve sua construção iniciada pela Chémins de Fer

Ouest Brésilien em 1906, e dois anos mais tarde passava ao controle da empresa

norte-americana Brazil Railway Company, saindo de Porto União em direção a Marcelino Ramos, no Rio Grande do Sul.

A construção dessa ferrovia, trecho de um sistema que ligaria São Paulo ao Rio Grande do Sul, refletia a política econômica nacional, associada ao modelo agroexportador (que envolvia o café paulista, o mate e a madeira do Paraná e Santa Catarina, e produtos de subsistência do Rio Grande do Sul) e ao capital estrangeiro, interessado nessa construção.

Segundo Lago, o traçado dessa ferrovia poderia

[...] ter-se estabelecido mais a leste, seguindo os velhos ‘caminhos

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