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4.2 O ARTESANATO DE CONCEIÇÃO DAS CRIOULAS

4.2.2 O artesanato quilombola e o processo de acepção simbólica

4.2.2.1 Os Produtos Artesanais de Conceição das Crioulas

4.2.2.1.1 As bonecas de caroá

As bonecas de caroá (Figura 4) são os produtos simbólicos mais representativos da comunidade. A referência conceitual para sua criação partiu das tradicionais bonecas de sisal, compradas pelos designers no Mercado São José, para serem levadas à comunidade como ponto de partida para a concepção de um novo produto:

A gente saiu comprando tudo de várias outras comunidades, no Mercado São José, e dizia assim: “ó, isso aqui existe no mercado, e é de fibra”, “isso aqui existe no

mercado e é de madeira”, “isso aqui existe no mercado e é de barro”, “O que é que vocês fazem de maneira, de barro e de fibra?”? E a boneca era um desses elementos, que a gente disse assim: “coisas que poderiam ser criadas ou que já existem no mercado, ou que a gente pode melhorar”. Então, a gente começava a falar do design, a partir inclusive do que já se fazia, ou da técnica, ou do que já existia no mercado. A gente não tinha PowerPoint, Datashow, então, tinha de levar os produtos mesmo e dizer assim: “Ó, essa boneca existe, Conceição pode ter a boneca dela, que boneca é essa?”. Então, no primeiro momento, eram bonecas simplesmente de fibra, tingidas, coloridas e todas negras. E depois quando fizemos uma oficina específica de bonecas de caroá, que já eram as artesãs que tinham criado as bonecas, como professoras de quem mais quisesse aprender, foi gerando a discussão de que boneca era aquela, qual o papel daquela boneca dentro da comunidade, se realmente aquele produto é só uma boneca ou se ela era incorporada a algum outro valor. (E1- designer: 298-312)

FIGURA 4 – Bonecas de caroá

Fonte: Pesquisa de campo, 2016.

A matéria-prima escolhida para sua composição já vinha impregnada de uma narrativa relacionada ao passado da comunidade, pelo fato de o caroá se tratar de uma planta nativa da região e ser utilizado pelos primeiros artesãos de lá para confecção de cordas e bolsas. Assim,

[...] quando o designer veio trabalhar com a gente, trabalhou junto com os artesãos, artesãs e a escola. Aí a gente começou... O trabalho da escola era fazer desenho, a escola fazia desenho e as artesãs faziam o produto, né? E aí, a gente foi escolhendo, foram feitos vários desenhos, né? E as artesãs... Foram feitos os produtos. No primeiro ano, a gente fez muitas bonequinhas sem a sua identificação, só pelo desenho, né? A gente voltando da FENEARTE, a gente foi aprimorando tudo isso que a gente tinha feito, e fazendo uma... Não sei se eu digo uma seleção, mais uma definição, né? De grupos de pessoa, não é? E há tantas pessoas, quantas pessoas, parteiras têm na comunidade, quantas professoras tem? Qual é a luta? Quanto à

historiadora, qual é a luta? Artesã de palha, artesã de cerâmica, artesã de caroá. Então, tinha várias, não dava pra fazer três artesãs, homenagear três artesãs de caroá. [...] identificava uma mulher de cada grupo. Aí a gente se sentia representada pela comunidade em todas as bonecas. Nós estamos representadas, né?! Na educação, na saúde, nas parteiras, na historiadora, então, nós estamos, em todas têm nossas representação. Então foram definidas as bonecas e dado o nome por característica, como era o seu jeito de se vestir, de pentear, essa coisa toda, né? (E1-artesã: 124- 134; 134-138).

As bonecas foram produzidas utilizando-se a fibra do caroá e, num primeiro momento, todas negras, sem nenhuma identificação específica, para serem postas à venda na segunda edição da FENEARTE, em 2001. Após a recepção positiva dos consumidores, o produto foi colocado em discussão junto à comunidade e chegaram ao consenso de homenagear os integrantes que têm ou tiveram algum protagonismo nas lutas da comunidade.

Inicialmente, cogitou-se homenagear os moradores da comunidade de ambos os sexos, porém, com o protagonismo das mulheres, evidente desde a narrativa inicial da origem de Conceição das Crioulas, chegou-se ao entendimento de homenagear somente a elas. Desse modo, como aponta a fala da artesã (E1-artesã), citada anteriormente, cada grupo social ou categoria profissional do interior da comunidade ganhou uma figura representativa, através da produção da boneca, que fazia ecoar a história, a tradição e a identidade quilombola do povo de Conceição das Crioulas.

[...] não são simplesmente bonecas, não é uma bonequinha. E como ela é uma bonequinha de caroá, os nossos compradores quando chegam, não sabem do que é que se trata, às vezes, vê pela cor, “Ai”, que gostou da cor, aí a gente vai explicar... “Ah, o que é isso? É uma vassourinha? Sim, é o quê?”, “Não, isso é uma boneca. Isso aqui é uma mulher que foi homenageada no quilombo de Conceição das Crioulas”. E as pessoas, assim, ficam irradiadas com aquela história verdadeira que a gente conta. E que têm bonecas, que sou uma das, que sou o caso, né?! Que quando vai olhar o penteado, que é um penteado autêntico que eu vou contando: “Tem mulheres que o penteado é (assim) porque gosta daquele jeito, na maioria das vezes, tá com um penteado daquele jeito. Aí eu fui homenageada por conta disso, né? Então, as pessoas, a gente, né... Tem pessoas que tem levado pra suas localidades dizendo: “Vou levar isso, esse empoderamento das mulheres para trabalhar na comunidade, na escola” (E4-artesã: 199-210).

As bonecas de caroá são, assim, um depositório simbólico das histórias das mulheres de Conceição das Crioulas. O encarte que acompanha cada uma delas apresenta uma breve apresentação da mulher, seu respectivo nome, cores e características particulares. Somados aos aspectos de representação material, no momento da venda, as artesãs desempenham o papel de contadoras de história para justificar o produto e sua função representativa da comunidade. O consumidor, por sendo assim, consome muito mais os significados impressos do que o componente físico das bonecas, assim como aponta a artesã, isso se dá até mesmo por não se tratar de um produto para fins utilitários, mas de portador de subjetividades da

comunidade que são negociadas, por sua vez, com a subjetividade dos consumidores, no processo de consumo.