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4.4 BARREIRAS PARA A AÇÃO EMPREENDEDORA NO ARTESANATO

4.4.1 Sazonalidade – um desafio para a atividade artesã

É manifestado, por parte das artesãs, o intuito de se preservar e continuar a cultura do artesanato na comunidade, seu discurso é balizado pelo argumento de que a produção

artesanal não se trata de uma mera questão de angariar renda, mas pauta-se, principalmente, na questão identitária:

Eu produzo porque gosto, eu produzo porque até serve pra ganhar dinheiro, porque pra mim não é o principal, não é porque ganha, mas porque a história revive, é isso que eu quero, que... Sempre procuro que os jovens também se interem em relação a isso, que outras pessoas também venham, aí, eu vejo dessa forma também (E2- artesã: 144-147).

Os artesãos de Conceição... A gente trabalha com eles pra que eles sejam pessoas transmissoras de saberes que não podem parar. Eu sempre tenho dito, os artesãos, eles podem parar de fazer qualquer produto que ele forneça, que ele trabalhe, mas o produto não pode parar de ser feito, né?! Então, os artesãos, ele tem uma responsabilidade muito grande com o artesanato que é de tanto continuando e repassando isso para as próximas gerações, porque o artesanato de Conceição não é simplesmente o artesanato para ganhar dinheiro. É isso e muito mais! Porque ele leva o valor histórico da comunidade. Então, os artesãos têm o compromisso muito, muito importante, muito grande com o produto que ele produz dentro da comunidade. É isso que a gente quer, é isso que a gente passa pra os artesãos de Conceição (E1-artesã: 07-16).

A atividade artesanal revela-se como sendo capaz de resgatar a cultura e evocar a unicidade do povo quilombola através de uma forte valorização do local e da partilha de códigos de conduta singulares e específicos desses atores (FISCHER; SOARES, 2010). Os produtos apresentam-se, dessa forma, como manifestações culturais fortemente ligadas à comunidade produtora.

A inconstância do retorno financeiro, no entanto, apresenta-se como um empecilho para que muitos artesãos continuem produzindo, assim como para o ingresso dos mais jovens da comunidade no ofício, uma vez que o artesanato, apesar do seu caráter simbólico, constitui-se como um tipo de trabalho (VIEIRA, 2014):

A gente tá com um pouco de dificuldade de trazer os jovens pra trabalhar com o artesanato. [...] Mas a comunidade é grande, tem bastante jovem, só basta estimular e sensibilizar (E4-artesã: 489-490; 100).

Então, assim, quem não aprendeu ainda fazer as coisas é porque também é um processo, até a pessoa entender que é importante, ou querer fazer porque simboliza a história da comunidade ou porque é a sua vó, ou porque faz parte da contação da história, ou porque você pode até ganhar com isso, financeiramente, né? Então, assim, tem coisas que demora muito, né? Por isso que eu digo que fico ansiosa (risos), né? Pra que as pessoas vejam isso. Eu sou uma das pessoas que fico sempre dizendo: a gente tem muito potencial, mas tem muita gente dormindo ainda, sabe? Aí dá pra gente, né, ir pensando isso (E2-artesã: 320-327).

Os quilombolas de Conceição das Crioulas têm de buscar outras fontes de renda para suprir as lacunas da manutenção doméstica, pois a renda proveniente do artesanato é insuficiente. Esse fato se remete à problemática da sazonalidade, característica das produções artesanais, na qual, em alguns meses há uma alta demanda pelos produtos e em outros, essa demanda chega a ser insignificante (KELLER, 2014), o que dificulta em muito a ação empreendedora nesse segmento.

Eu não tenho como dizer assim: “eu tenho isso todo mês”, não. Tem mês que eu não vendo nada, tem mês que eu vendo mais, tem vez que eu vendo mais, tem vez que eu vendo menos, tem vez que eu não vendo nada (E1-artesã: 353-356).

Na comunidade, nenhum artesão sobrevive apenas da renda advinda do artesanato, eles desempenham outros papéis profissionais para prover recursos de subsistência, tais como os de agricultores e professores, principalmente, além de benefícios sociais, como o Bolsa Família e aposentadoria.

O designer também esboçou uma preocupação proeminente com a perda do oficio artesão nas comunidades produtoras em geral:

Mas foi muito interessante essa experiência toda com Conceição, com O Imaginário, de pensar esse design no caminho da produção artesanal. E é bacana ver que tem gente ainda interessada nisso e querendo contribuir... Porque, de fato, o produto, ele vem carregado de muita coisa, mas, a gente tem que pagar as contas, tem que viver no mundo de hoje, né? Existe uma troca que é financeira, de fato. E aí, o artesanato tem uma dificuldade de se manter que é tremenda, assim, e corremos o risco de perder muita coisa, muito rapidamente, agora, porque, enfim, né?! E essa coisa da habilidade, ela se perde, porque se não tá produzindo, se não tá repassando, se não tem gente nova aprendendo, então, se perdem esses conhecimentos (E1-designer: 799-807).

A atividade artesanal precisa enfrentar o desafio da globalização e padronização dos produtos (WOORDWARD, 2012) para permanecer altiva no interior das comunidades produtoras. Logo, na tentativa de preservar a tradição do artesanato e renovar a safra de artesãos, estão sendo desenvolvidas algumas alternativas no âmbito da comunidade:

O artesanato, a gente, como ele não é um trabalho fácil, você trabalha de artesanato, as pessoas acham que é como se trabalhar de fábrica, não é? Que você produz uma escala maior, e não é assim, não é muito fácil, não é? E principalmente com o trabalho que a gente faz, que é de caroá. Então é um produto que vai se tirar da caatinga, é um produto que tem espinho, não é? É um produto que é difícil de fazer, né, e hoje, com as tecnologias, com as mordomias que tem hoje, né, a gente tem uma preocupação com a juventude porque eles não querem se envolver muito com essas coisas, não é? Que é difícil, mas, por o outro lado, a gente trabalha esses valores na escola, né? Então, a gente acredita que mais cedo ou mais tarde, a gente vai ter as pessoas, mais gente do que a gente já tem na comunidade, entendendo a importância do artesanato pra comunidade. [...] E hoje tá difícil por conta do avanço das coisas, que tem muita coisa que é bom, não vamos negar, mas tem coisa que se a gente não tiver cuidado, ela vai enterrando nossa história, a nossa cultura, o nosso jeito de viver. E isso também não deixa de ser uma preocupação pra todos nós e que a acredita que a história tem de ser levada à frente, né, que é a associação quilombola e a escola da comunidade (E1-artesã: 247-256; 261-266).

Apesar da preocupação das artesãs em manter a tradição na produção artesanal, esta parece não se apresentar com um aspecto atrativo para a juventude da comunidade, muito provavelmente pelo leque de desafios que essa área apresenta, bem como a informalidade da profissão, que não confere segurança profissional, e a sazonalidade da renda (KELLER, 2014). Diversas artesãs no bojo da comunidade, por exemplo, pararam de produzir, à medida

que foram sendo aprovadas em concursos públicos, buscando a estabilidade que o artesanato não é capaz de prover.

4.4.2 Ausência de um agente facilitador atento às conjunturas do