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As cadeias e a antiteodiceia

No documento U NIVERSIDADEF EDERAL DES (páginas 140-163)

PARTE I Estética

Capítulo 3: As cadeias e a antiteodiceia

Observamos, anteriormente, uma questão que parece fundamental para traçarmos um paralelo nos próximos capítulos, o problema da autonomia da arte como pressuposto para o problema da autonomia da ciência. Na realidade, estávamos simplesmente verificando o problema do mundo invertido nessas diferentes esferas, sendo, portanto, a constatação, por ambas as vias, de um mundo sem sentido e sua expressão mais sintomática, pelo sinal da “desorientação” própria e decorrente do movimento de inversão.

A questão da autonomia da arte era meramente um produto da ilusão intelectualista, ilusão de que a arte havia se libertado dos valores religiosos que a condicionavam e que não teria mais nada que a condicionasse. É claro que a história da arte reconhece esse fato da maneira mais trivial, ao verificar o processo histórico pelo qual os temas religiosos são gradativamente retirados e metaforseados em temas humanos. Logo percebe que o homem passa a reconhecer-se, ao mesmo tempo, como criador e criatura, o que nada mais é que o prelúdio de toda revolução religiosa que já estava por emergir. Esse fenômeno não só tem relevância central para Weber e Lukács, como para a história da arte em geral, desde a polêmica dos iconoclastas, do movimento anti-papista, do surgimento das comunidades religiosas de tipo carismático, da pré- reforma e da reforma. Todas essas formas acompanharam a parte ética desse fenômeno que é simultaneamente estético. A reflexão desse processo histórico, que se mostra evidente, foi identificada segundo sua expressão estética, de forma mais consciente, pelo romantismo e pelo realismo, que se tornou em fenômeno reflexivo na época de Nietzsche, Tolstói e Weber, havendo adquirido consciência nos meios intelectuais. Suas consequências foram constatadas pelos seguintes conceitos, os quais utilizaremos nesse capítulo para reforçar esse paralelo, a “necessidade religiosa” e a “necessidade artística”. Não há clareza quanto à autoria desses conceitos que encontramos em Feuerbach, Nietzsche, Weber, Freud, Bérgson e Lukács. Não há como designar ou provar de modo exato, no entanto, a expressão “necessidade religiosa” parece remeter, em mais de um

138 caso a um possível locutor, Goethe. Porém, do mesmo modo que o conceito de teodiceia remete, sem dúvida, a Leibniz, em ambos os casos a tentativa de retroceder aos pormenores de seu primeiro interlocutor se mostra muito menos relevante do que observar sua forma histórica sendo reinterpretada e sua reflexão levada adiante, sendo que esses conceitos apresentam um desprendimento significativo de seu interlocutor original. Alguns comentários de Goethe parecem ter surtido um efeito considerável e convém revisá-los.

Goethe, ainda que entusiasmado com essa transformação, reconhecia que a técnica nos aparenta oferecer infinitos meios para a criação do artista, sem dúvida, uma possibilidade de diferenciação inédita, no entanto, passados já alguns séculos, verificou- se que a técnica prescreve igualmente novos elementos que buscam fazer com que a arte volte a servir a interesses menores e mais mesquinhos, a técnica nos levaria, a tal ponto, a arruinar a arte. Goethe reconhecia que “na época mais recente as máquinas e a indústria foram aperfeiçoadas até o supremo grau e o mundo inteiro foi inundado, por meio do comércio, com coisas transitórias e belas”, mas não deixa de constatar corretamente e temer que “a mecanização altamente desenvolvida, o artesanato refinado e a produção manufaturada preparam a ruína completa da arte”. (cf. Goethe. 2005, p.89).

O próprio Goethe, que considerava esse destino decadente para arte, como esteta, e defendia o ideal da arte autônoma, sua salvação, ideal esse que foi apresentado no capítulo anterior, segundo a leitura do jovem Lukács. De fato, Goethe declarava eloquentemente um rumo: “à arte autônoma, está colocada universalmente a exigência de que ela deve servir”. Sua reflexão defendia esse novo ideal em contraste evidente com o passado desse fenômeno pelo qual se verificava que “a arte tem origem ideal, pode-se dizer que ela nasceu da religião e com a religião”, constatando corretamente que dificilmente separaríamos nesse fenômeno, segundo sua forma mais remota, o que era religioso do que era artístico para os antigos, pois se tratava, então, de um só fenômeno. Assim, prossegue o esteta, a conclusão de que “nos tempos mais antigos, a arte sempre serviu à religião, ao configurar certas representações rigorosas, nebulosas, estranhas e violentas”. (cf. Goethe. 2005, p.195), dando indício de que essa maneira como ele compreendia a autonomia, isto é, como ideal, não o impediu de refletir sobre os aspectos negativos que acompanharam esse processo de emancipação da arte e o risco, muito realista, de sua degradação e subserviência aos ideais mais baixos.

Ele próprio celebrava essa autonomia, que é identificada, à medida que a arte se separa de sua submissão aos valores religiosos, como serva, como mero ornamento, sem

139 deixar de verificar nesse surgimento da arte autônoma, o risco de um novo aprisionamento, no qual recairia, ao se voltar às necessidades supérfluas, pelo risco eminente de ser reduzida, novamente, ao ornamento, com fins de preencher esse mesmo vazio deixado pela religiosidade, o risco da arte perder, junto a religião, a consciência de que ela necessita buscar um ideal. A aposta de Goethe no ideal autônomo da arte, não é para que ela busque ser mais realista e voltar-se à imanência. Ao contrário, ao verificar- se como ela se afasta dos temas mais sublimes, de seu passado preso à religião, Goethe também se lamenta do visível contraste em que vivia, de um lado, “quando a arte serve à religião, ela desfruta do privilégio de que esta não lhe impõe nenhum limite”, e conclui diante desse fato, que “a arte autêntica possui origem ideal e uma direção ideal, ela tem um fundamento real, mas não é realista” (cf. Goethe. 2005, p.196), evidenciando, como esteta, sua posição romântica.

Temos aí um problema colocado, a arte reconhece por sua origem ideal uma dificuldade de se emancipar, e os meios, que a libertaram dos ideais religiosos, ameaçam- na constantemente de um novo aprisionamento.

De fato, Weber também verificava que os avanços nos domínios técnicos e racionais impunham a sobriedade das formas imanentes e o sacrifício dos temas mais sublimes: a existência heroica, os poderes supra-humanos e, em troca, vemos à sua disposição os elementos cotidianos, primeiro a simetria, a harmonia com a natureza, seu confortante pertencimento, em seguida, o retrato de que nossa decadência, de que nossos vícios não são falhas individuais, mas de todos os humanos; ela passa a espelhar, a ser o simples reflexo de nossa imperfeição, logo, a assimetria irrompe como expressão mais pertinente, sendo possível reconhecer, também no sentimentalismo superficial e banalizado, em especial pelas produções do romantismo mais tardio, o sinal mais evidente de que essa autonomia da arte se depara com seu novo aprisionamento, sua emancipação se mostra remota. Mesmo na tentativa de criar novos ideais para ela, no início, seus indícios mais extremados, o seu momento de entusiasmo com a própria autonomia, a comicidade que evidenciava a hipocrisia real, a face mais decadente de sua época, acaba não cumprindo uma tarefa revolucionária nos costumes, mas apenas um distanciamento artificial desse destino decadente, logo, torna-se mais sutil, refinada, como uma espécie de humor que, havendo perdido os ideais iniciais, busca também uma finalidade me si mesma, o riso como um pretenso aniquilamento dos valores.

O próprio romantismo, que visava cumprir certos ideais autônomos, acaba se reduzindo a criar, na verdade, como prontamente ficou patente, formas de entretenimento

140 para “moças de cabeças vazias”, como um passatempo, para as classes mais ociosas; se isso é um fim em si mesmo, ou a sublimação da falta de propósitos, que diferença faz, quando se vê igualmente recuado a um meio mais pobre e agora desprovido de todos os ideais que persistiram. Todo um processo que se resume nas palavras de Weber como o “empobrecimento das formas de sentimento”, cujo limite geral se verifica pelo fato de que não vimos surgir uma arte autônoma de fato.

Verifica-se com muita facilidade, que ela deixou de servir a religião, mas com igual destino de vir a ser novamente serva e de um senhor mais baixo e mais vil.

Semelhante a maneira como uma infinidade de ideias que pareciam reger a visão religiosa medieval foram reduzidas por Schleiermacher ao mero “sentimento do divino”, que só bastaria por estarmos tão desamparados, também a obra de arte monumental é reduzida ao simples efeito de produzir nos espectadores um mero pathos, um desprendimento momentâneo de sua existência insignificante e, finalmente, o próprio retrato consciente dessa existência em seus traços modernos mais marcantes e realistas, que permitiu alterar-se do escárnio mais debochado para a sutil comicidade de uma existência patética ou mesmo para os dramas mais pessoais. Ambos refletem, de um lado, uma moral decadente e, de outro, a impossibilidade de encontrar para si novos ideais.

No capítulo anterior verificamos que a autonomia da arte deve ser sempre compreendida de forma problemática e crítica, entendida em Weber como uma suposta auto-suficiência, que nunca condiz com sua manifestação histórica e causal, dada segundo sua heteronomia. Isso não é o mesmo que verificar seu lado trágico, mas torna possível verificar que se deu o inverso da autonomia, na medida em que os elementos empíricos confirmam os limites desse valor próprio da arte. Por todos os lados, a arte não religiosa parece muito mais condicionada e, logo, menos livre, menos autônoma. Assim, parece plausível concluir que, no momento em que se libertou da religiosidade, passou a ser condicionada única e exclusivamente pela técnica. Justamente quando surge a ideia da arte autônoma, como valor próprio de uma época transitória, e surge, igualmente, no campo filosófico, o que fora designado como “estética”, segundo essas valorações práticas próprias, vemos surgir os meios pelos quais esse fenômeno desenvolve inicialmente os ideais e, posteriormente, a consciência de seus reais limites. Embora representem para si mesmos como uma forma de consciência dessa liberdade, pela autonomia frente à religião, o que passa a ser verificável, é como a arte passou a ser novamente condicionada, desde o período pós-renascentista, por elementos distintos, os quais são, em certos aspectos, muito mais rígidos e prescritivos, tendo não mais uma

141 origem espiritual, mas agora uma origem material: seu aprisionamento pela técnica e a inversão que de si lamenta.

Acompanhemos, agora, como Max Weber caracterizava esse fenômeno em que a arte, antes irmanada à vida religiosa, o permitiu caracterizar um momento de unidade como antecedente do conflito dos valores éticos e estéticos. O fim da unidade das épocas mais remotas, que aponta para essa antinomia entre os valores estéticos e religiosos, nos permitirá identificar um momento consecutivo, mais amplo, a antinomia entre os valores religiosos e a intelectualização.

Da unidade à antinomia entre os valores éticos e estéticos

Max Weber identificara que a ética religiosa da salvação não encontrou unicamente um rival na racionalidade intelectualista, mas encontra ainda dois rivais em esferas de caráter “a-racional e anti-racional”: a esfera estética e a erótica e acrescentava: “é com a primeira que a religiosidade mágica se relaciona mais intimamente”187 (cf.

Weber. 1922 [GARS I], p.554). Ou seja, as religiões racionalizadas, que propõem doutrinas teológicas, teodiceias, enfim, respostas intelectuais às dificuldades de um mundo em transição, apresentaram-se em oposição direta às formas anteriores de religiosidade mágica e fetichista. Justamente por esse motivo, interior às formas éticas, verifica-se que a religião, para tornar-se racionalizada, teve de se opor também aos fenômenos estéticos, que se apresentavam diretamente vinculados às formas religiosas mais primitivas, não somente aos cultos orgiásticos e, logo, à esfera erótica, mas também a toda produção artística que se vinculava com cultos e rituais de caráter predominantemente mágico, sejam eles personificados em seus ídolos, representados em ícones, como também por meio de elementos rituais, sua música, mantras, danças, enfim, todos meios mais diretos pelos quais a religiosidade de caráter mágico visava produzir um sentimento de euforia, êxtase ou de transe nos envolvidos. Desse modo, como as expressões da religiosidade de caráter mais mágico eram esteticamente muito mais produtivas, as formas éticas racionais tiveram que se opor a essas formas, caracterizando-

142 se como esteticamente destrutivas. Embora aparente ser semelhante ao que Goethe constatara, quando Weber afirmava que “tudo isso fazia da religião desde o tempo mais remoto, uma fonte inesgotável de desenvolvimentos possíveis para a arte”188, ele indicava

que a religião não simplesmente condicionava a arte, mas abria-lhe as portas. Ao reconhecer, por outro lado, que as religiões que tomaram o caminho da racionalização ética tiveram de se contrapor às formas mágicas e consequentemente enfrentar, em especial, os meios artísticos pelos quais a religião mágica se exteriorizava nas camadas mais populares, Weber conclui que:

Para a ética religiosa fraternalista, bem como para as de rigorismo apriorístico, a arte como portadora de efeitos mágicos não é somente desvalorizada, como também diretamente suspeita. Temos, por um lado, a sublimação189 da ética religiosa e a busca por santificação, e por

outro lado, o desenvolvimento da legalidade própria [Eigengesetzlichkeit] da arte, os quais tendem já por si mesmos e de modo evidente, a uma crescente relação conflituosa. (WEBER. 1922 [GARS I], pp.554-555)190

Essa antinomia se explica, em linhas gerais, pela tendência mais universal de que “a ética religiosa da fraternidade vive em tensão com a legalidade própria das ações”. Ou seja, que a ética mais revolucionária, como a busca mais autêntica do final da vida de Tolstói, tem de se opor à legalidade própria das ações em sociedade, isto é, aos interesses mais gerais, as necessidades materiais. Para verificarmos a antinomia entre os valores éticos e estéticos, deve-se compreender antes uma antinomia entre a ética e as necessidades racionais das ações alheias a essas formas éticas, tal qual será retomado no capítulo final. Pela leitura de Weber verificamos que esses conflitos e problemas recentes parecem ter já passado por dificuldades tão antigas quanto a própria ética da santificação e da salvação ou mesmo, a concepção monoteísta mais abstrata. Não porque a arte seja por si mesma inimiga da religiosidade, mas por que ela é a expressão das necessidades que entram historicamente, em confronto direto com determinado tipo de religiosidade.

188dies alles machte von jeher die Religion zu einer unerschöpflichen Quelle künstlerischer Entfaltungsmöglichkeiten

189 O uso recorrente dessa expressão nos textos de Weber, que ficou muito vinculada à leitura freudiana,

deve ser lida e identificada em vista da possibilidade de Max Weber tê-lo retomado de Schopenhauer, sendo que em O mundo como vontade e representação esse conceito se aplica especificamente ao problema da morte e a possibilidade de que a arte e a religião nos conduziriam para além desse estado problemático, pela negação da vontade. Schopenhauer, reafirmando o conflito com a esfera erótica, condenava a arte sensualista, defendendo de fato a sublimação (no sentido psicanalítico) como ideal.

190 Für die religiöse Brüderlichkeitsethik ebenso wie für den apriorischen Rigorismus ist die Kunst als Trägerin magischer Wirkungen nicht nur entwertet, sondern direkt verdächtig. Die Sublimierung der religiösen Ethik und Heilssuche einerseits und die Entfaltung der Eigengesetzlichkeit der Kunst andererseits neigen ja schon auch an sich zur Herausarbeitung eines zunehmenden Spannungsverhältnisses.

143 Assim se verifica que a ética que busca princípios de irmandade identifica na arte elementos anti-fraternais, pois todo ideal que propõe a priori uma legalidade ética, máximas de dever, coloca-se em conflito com outro tipo de legalidade, alheia a seus valores, assim, o conflito se mostra mais acirrado, na medida em que ambas tratam da mesma carência humana, das mesmas necessidades, oferecendo, entretanto, soluções distintas, segundo valorações práticas rigorosamente contrárias, passando assim a disputar entre si de forma tipicamente antinômica. Em linhas gerais, no que concerne à esfera de valores religiosos, trava-se uma luta entre a ação ética vocacional e a contemplação, o intangível e a forma, o culto à criatura e o culto ao criador.

Toda religiosidade de salvação sublimada olha somente para o sentido e não para a forma, no que seriam coisas e ações relevantes para a santificação. A forma é por ela desvalorizada como acidental, pertencente à criatura, de sentido extraviador. No entanto, pelo lado da arte, uma relação não prejudicial pôde manter-se intacta e logo voltou a ser produzida, na medida em que e sempre que o interesse consciente dos receptores permanecesse ingênuo quanto ao conteúdo do formador, não aderindo à forma como tal [...]. Entretanto o desenvolvimento do intelectualismo e do racionalismo das vidas transmuta essa situação. A arte se constitui, agora, como um cosmos sempre consciente, reconhecendo seus próprios valores como auto-suficientes. Ela assume uma mesma função do que dava seu significado, a salvação intra- mundana do cotidiano e, sobretudo, da crescente opressão do racionalismo teórico e prático. Entretanto, com essa pretensão, ela se lança em direta concorrência com as religiões de salvação. (WEBER 1921 [GARS I], p.555)191

Assim, a religião que tinha na arte um mero meio de expressão, uma serva de seus valores, parece deparar-se com ela como sua rival, na medida em que a arte passa a ganhar consciência de seu papel libertador. Tão logo, os valores artísticos passam a requerer para si uma independência com relação aos valores religiosos, e propõem seus próprios meios de salvação para o homem, querendo livrá-lo da miséria de sua existência por novas formas de contemplação, por um novo sentimento de sublime. Schopenhauer tratou da sublimação especificamente nesse sentido. O próprio Nietzsche já havia, à sua maneira,

191 Alle sublimierte Erlösungsreligiosität blickt allein auf den Sinn, nicht auf die Form, der für das Heil relevanten Dinge und Handlungen. Die Form entwertet sich ihr zum Zufälligen, Kreatürlichen, vom Sinn Ablenkenden. Von seiten der Kunst kann zwar das unbefangene Verhältnis gerade dann ungebrochen bleiben oder sich immer wieder herstellen, solange und so oft das bewußte Interesse des Rezipierenden naiv am Inhalt des Geformten, nicht an der Form rein als solcher haftet, [...] Indessen die Entfaltung des

Intellektualismus und die Rationalisierung des Lebens verschieben diese Lage. Die Kunst konstituiert sich nun als ein Kosmos immer bewußter erfaßter selbständiger Eigenwerte. Sie übernimmt die Funktion einer, gleichviel wie gedeuteten, innerweltlichen Erlösung: vom Alltag und, vor allem, auch von dem zunehmenden Druck des theoretischen und praktischen Rationalismus. Mit diesem Anspruch aber tritt sie in direkte Konkurrenz zur Erlösungsreligion.

144 colocado esse processo em que a arte abandona seu papel meramente alegórico e passa a ser uma busca consciente por reinterpretar e dar um sentido novo à realidade.

Nietzsche considerava inicialmente que “a arte devia antes de tudo e primeiramente, embelezar a vida, portanto, fazer com que nós mesmos nos tornemos suportáveis para os outros”192. Em seguida, seu papel já não seria tão somente o de

embelezar nossa existência, mas também de “esconder e reinterpretar tudo que é feio, o lado humilhante e assombroso, repugnante que, apesar de tudo, irrompe sempre de novo, surge da natureza humana.”193 Assim, de modo muito pertinente Nietzsche fazia notar

que na medida em que a arte toma gosto por seus meios e valores próprios, reconhecendo- se agora, a si mesma como “obra de arte”, ela acaba, de maneira infantil, a buscar essa sua finalidade prática como princípio, já não visa mais atender a uma necessidade exterior a ela, não quer mais se sujeitar a responder pelas exigências práticas, como mero meio, mas agora, como um fim nela mesma, acaba “fazendo dela algo rotineiro, a arte começa agora, pelo fim, quer pendurar-se por sua própria cauda, e pensamos que a arte autêntica é a das obras de arte, que a vida deve ser melhorada e transformada a partir dela – nós, os tolos!”194. (cf. Nietzsche, [MA-II §174] p.129; NW1 p.805).

Sem dúvida, querer melhorar nossa condição pela fantasia artística, parece uma tarefa muito nobre, no entanto, não podemos exigir dela mais do que ela pode oferecer, não podemos preencher nossas carências reais por tais meios, eles parecem suprir momentaneamente a dor excessiva, em seguida, disfarçar a falta de sentido das coisas. A arte parece até mesmo poder atribuir a tudo um sentido diferente, mas, na medida em que

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