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As flores e a teodiceia

No documento U NIVERSIDADEF EDERAL DES (páginas 99-140)

PARTE I Estética

Capítulo 2: As flores e a teodiceia

No capítulo anterior, verificamos que Weber defendia, em vista da separação crítica das esferas, a necessidade de um terceiro ponto de vista, o qual garantiria esse uso crítico do reconhecimento da esfera empírica e da esfera valorativa, para construirmos uma interpretação valorativa que não incorra no risco de ilusão. Weber propunha, primeiramente, o reconhecimento teórico de uma esfera separada das valorações, ela, no caso, seria empírico-causal, fundamentada logicamente e empiricamente, seria, a princípio, separada das valorações práticas e voltada para as condições teóricas da compreensão. Em segundo lugar, fazia-se necessário reconhecermos a esfera dos valores, pois, mesmo verificando o problema de não haver entre elas uma separação rígida, Weber parecia reconhecer de modo problemático o fato de essa esfera apresentar suas máximas e leis próprias; ela se colocaria como autônoma, como totalizante pois constituiria um mundo próprio e independente. Por isso recorria a essa terceira via, indispensável para o historiador, a interpretação dos valores. Essa terceira via buscaria fazer a mediação, mas não sem a devida separação crítica apreendida pelo reconhecimento das duas antecedentes, ela seria apta a separar de um ponto, de vista teórico, as causas próprias do ocorrer histórico, das valorações historicamente momentâneas e transitórias; possuiria os critérios reflexivos para discernir os problemas teóricos dos problemas inerentes à valoração; ela nos impediria de nos utilizarmos da valoração para estabelecer inadvertidamente um ponto de partida causal, ou um objetivo meta-teórico, seja voltado à apologia dos valores ou à sua condenação.

Essa terceira via de acesso é fundamental, pois não há como abordar a história sem a capacidade, ou melhor, sem a faculdade de valoração de seus objetos, assim como é impossível abordar as obras de arte sem possuir e pôr em prática a faculdade de juízo estético, a única alternativa seria, portanto, separá-las, criticamente e na medida do possível, recorrer à separação de acordo com as finalidades compreensivas.

No capítulo anterior quando foram apresentadas estas três abordagens, “a consideração valorativa puramente estética por um lado, a consideração causal puramente

97 empírica, por outro lado; e, de uma terceira maneira: a interpretação do valor”122, omitiu-

se o fato de que Weber estava, nessa passagem, retomando seu ponto de partida, por isso afirmava em seguida que não haveria necessidade de “repetirmos aqui o que já fora dito” (cf. Weber, idem)123. Para nós que, em vista de suas vantagens didáticas, partimos do

campo estético e, desse modo, não acompanhamos seu ponto de partida, faz-se necessário retornar ao que Weber apresentara de modo inicial e mais geral, visando, desse modo, tornar mais claros esses pressupostos teóricos, que sempre foram foco de muitas dificuldades de interpretação.

Vários intérpretes reconheceram a dificuldade desse texto de Weber, o qual seria talvez o mais abstruso; seu começo possui trechos como esse, bastante exato e até mesmo lacônico. A presente abordagem do texto, havendo tomado o exemplo estético como ponto de partida, buscou justamente se servir didaticamente da separação crítica da valoração estética, com vistas a exemplificar o que se daria nas demais formas de juízo e de valorações. É exigido, agora, que retornemos àquilo que foi dito inicialmente no texto de Weber para identificar a questão em seus aspectos mais gerais.

A formulação geral dessas três abordagens foi antecipada por Weber do seguinte modo, teríamos “1º: o reconhecimento extra-ético das esferas de valores auto- suficientes”124. Na própria proposição inicial, Weber já expunha que, mesmo possuindo

um caráter valorativo próprio e “auto-suficiente”, ela deveria ser tomada de um ponto de vista exterior ao seu conteúdo ético e, logo, admitir uma suspensão provisória desses valores. Além disso, já verificamos que devemos compreender aqui sua auto-suficiência (selbständiger), sem, no entanto, confundir ou pressupor um sentido causal de autonomia125. Compreende-se também “extra-ético” (außerethischer) não como a

expressão empregada por Nietzsche, “extra-moral” (außermoralischen), pois Nietzsche não pressupõe uma separação crítica, mas a própria destruição dos valores em questão, enquanto que Weber se refere aqui, meramente, à constatação causal dos fenômenos históricos como separados criticamente de seus valores, tomados não como um ideal ou em vista da possibilidade de transvaloração dos valores.

122 der rein ästhetisch wertenden Betrachtung einerseits und der rein empirisch und kausal zurechnenden andrerseits noch einer dritten : der wert interpretierenden.

123 gesagte hier nicht wiederholt werden soll.

124 1. die Anerkennung außerethischer selbständiger Wertsphären.

125 Em português sempre se traduziu justamente por “autonomia das esferas de valor”, em inglês a tradução

98 Temos em “2º: as delimitações das esferas éticas diante dessas primeiras.” 126

Weber expunha nesse trecho um limite. Como vimos anteriormente, ele estava se referindo às esferas de valores em geral, não somente éticas no sentido religioso, mas aos costumes, ao ethos, que, em todo caso, mostrar-se-iam delimitadas, fechadas em si mesmas, como mundos aparentemente autônomos, mas que devem, separadas criticamente das primeiras e como limitadas, ser reconhecidas segundo uma oposição absoluta de ideais conflitantes. Somente assim poderão elas ser compreendidas segundo sua heteronomia, isto é, pela maneira como foram condicionadas historicamente, segundo causas e circunstâncias exteriores a elas.

Assim, “finalmente, 3º: a constatação de que, neste e por este sentido, as ações a serviço de valores extra-éticos que a possibilitaram, necessitam, ainda assim, ser diferenciadas da dignidade ética a que aderem” (cf. Weber. 1922 [GAWL], p.468).127

Assim, se uma ação, independentemente do valor ético que a orientou, mostrar-se relevante do ponto de vista empírico, isso não implica uma valoração da ação, seja a condenação ou apologia da dignidade própria dessa ação; no entanto, faz-se indispensável que se verifique essa dignidade ética, sendo ela parte determinante das ações históricas, participantes da causa dessas ações e logo, deve-se estar apto a caracterizar os valores que tiveram de fato influência efetiva e real nas causas e que permitiram ou condicionaram determinado fenômeno, não estando em questão a validade ética ou a dignidade em si do valor em questão, mas tão somente sua importância causal para a compreensão. Nesse sentido, Weber opõe-se à suposição de um relativismo, indicando que ainda que se tome o ponto de partida extra-ético, ou se verifique na ação um pressuposto extra-ético, isso não dispensaria uma consideração quanto à dignidade ética em questão, mesmo que o interesse nos valores práticos não tenham como finalidade comprovar a vigência ou propriedade de sua legalidade interior, senão a compreensão correta dessas ações, pois o único meio que permite essa compreensão, depende da interpretação valorativa. Todo agir está, de algum modo, passível de valorações, mesmo na sua forma mais imanente, mesmo a ação orientada economicamente de forma mais racional, mesmo recusando,

aparentemente qualquer valor, seja a virtude, o bom, o belo ou verdadeiro, sempre se está

126 2. die Begrenzung der ethischen Sphäre diesen gegenüber.

127 endlich 3. die Feststellung, daß und in welchem Sinn dem Handeln im Dienst außerethischer Werte dennoch Unterschiede der ethischen Dignität anzuhaften vermögen.

99 inserido numa luta de valores que se opõem tragicamente e “entre esses não é possível relativização nem acordo” (WEBER. 1922 [GAWL], pp.469).128 E acrescentava Weber:

Ainda assim, se nos permitirmos pensar, contudo, numa concepção tal, uma abordagem que – acreditando por si mesma vir a desdenhar a expressão ‘valor’ em função do concretíssimo da vivência – viria por si mesma a constituir uma esfera, na qual se desdenharia, considerando estranha e hostil, toda santidade ou bem, toda legalidade ética ou estética, todo significado cultural ou valoração de personalidade, desse modo e justamente por isso, estaria reivindicando para si própria uma dignidade ‘imanente’ no sentido mais extremo da palavra. Quanto a essas declarações, sempre tomaremos o seguinte posicionamento, ela não seria de modo algum, por meio de nenhuma ‘ciência’ algo demonstrável ou ‘refutável’. (WEBER. 1922 [GAWL], pp.468-69)129

Max Weber explica em poucas palavras que, mesmo numa abordagem que recusa a influência dos valores, tal posicionamento requer, do mesmo modo que um posicionamento orientado eticamente, uma consideração quanto à dignidade desse posicionamento. Weber está aqui mostrando certa desconfiança com relação a algumas heranças nietzschianas, que parecem provocar uma ilusão intelectualista muito particular. A busca por pressupor uma dignidade imanente, em oposição à dignidade ética de origem religiosa é algo que a ciência não pode condenar, mas será que nesses termos ela própria não se condena? E, levando ao extremo esse caráter imanente de uma interpretação, não estaria ela produzindo um outro mundo próprio em oposição a tudo que seria por ela condenável? Isso não o torna igualmente falso? De fato, surge, depois da crítica dos céus, “um homem acuado fora do mundo”, como foi lido inicialmente segundo Marx, uma auto- ilusão da consciência não-religiosa que é tipicamente moderna. Parece que colocar o homem ou a vida como um substituto de tudo que se mostrou para ela falso, só poderia indicar duas coisas: de um lado, que estamos necessitados, pobres e miseráveis, cercados pela incerteza, como aquele pobre errante no deserto; evidencia-se o paradoxo criado pela decadência das formas religiosas. Em segundo lugar, vemos todas as expectativas voltadas ao imanente, a salvação está no próprio homem, na consciência, em seu espirito,

128 Zwischen diesen gibt es keine Relativierungen und Kompromisse.

129 Es läßt sich jedenfalls eine Konzeption dieser Auffassung denken, welche — obwohl sie für das von ihr gemeinte Konkretissimum des Erlebens den Ausdruck »Wert« wohl verschmähen würde — eben doch eine Sphäre konstituieren würde, welche jeder Heiligkeit oder Güte, jeder ethischen oder ästhetischen Gesetzlichkeit, jeder Kulturbedeutsamkeit oder Persönlichkeitswertung gleich fremd und feindlich gegenüberstehend, dennoch und eben deshalb ihre eigene in einem alleräußersten Sinn des Worts »immanente« Dignität in Anspruch nähme. Welches immer nun unsere Stellungnahme zu diesem Anspruch sein mag, jedenfalls ist sie mit den Mitteln keiner »Wissenschaft« beweisbar oder »widerlegbar«.

100 constatação que parece apenas adiar uma desilusão, a mais derradeira, não mais com a religião, ou com Deus, mas com a própria debilidade humana.

Mas ao contrário do que uma leitura de Nietzsche nos faria supor, Weber nos alerta que esse tipo de constatação não é algo tão moderno como julgamos. Já há muitos e muitos anos, da teodiceia do sofrimento ressoaram esses antigos dizeres: “meu Deus, meu Deus, por que me desamparastes?”130 e não cessaram de repercutir em diferentes

séculos e milênios.

Se buscássemos em Weber um conceito exato de teodiceia, não o encontraríamos, pois para ele não interessava uma fórmula geral desse conceito, mas, unicamente, o problema ao qual visava ela responder. As respostas dadas foram as mais diversas, embora o problema seja fundamentalmente o mesmo. Por isso Weber se refere, não à teodiceia em geral, mas ao “problema da teodiceia” e definia esse problema do seguinte modo: “como vir a conciliar a enorme elevação do poder atribuído a tal Deus com o fato da imperfeição do mundo que ele criou e rege” (cf. Weber. 1922 [WuG], p.297)131.

A “teodiceia” é um conceito de Leibniz, e, portanto, uma concepção bastante específica. Entretanto, para Weber, o grande metafísico alemão voltava-se para um esforço universal e para ele, o ato buscar responder esse tipo de questão, não era algo que foi feito apenas por Leibniz, embora ele tenha batizado esse tipo de busca. Compreender como é possível conceber a ideia de um Deus bondoso em contraste com a miséria mundana, a liberdade humana, a existência do mal, é um problema que diz respeito ás mais variadas tradições religiosas e cosmológicas, sendo típica da sabedoria antiga. Para Weber, não interessava especificamente uma definição de teodiceia, o que dispensa a necessidade de verificarmos seu sentido específico segundo Leibniz, ou segundo outra fonte intermediária. Ao contrário, o que mais interessava a Weber era “o problema” que a teodiceia busca responder e é esse o tema central do presente capítulo. De fato, o termo é utilizado por Max Weber para determinar um problema na conciliação das diferentes ideias de Deus, abstrata, monoteísta, impessoal, transcendente em contraste com a imperfeição do mundo, segundo um problema universal, sendo que Weber o aplicava tanto ao oriente quanto ao ocidente, e tanto na antiguidade como na modernidade.

130„Mein Gott, mein Gott, warum hast Du mich verlassen?“ (Salmo 22:1) segundo a tradução de Lutero,

cantada com toda expressividade em Mathäus Passion de J. S. Bach, retornaremos a essa expressão no capítulo final, no trecho em que Weber faz uma alusão a esses trechos proféticos.

131 das Problem: wie die ungeheure Machtsteigerung eines solchen Gottes mit der Tatsache der Unvollkommenheit der Welt vereinbart werden könne, die er geschaffen hat und regiert.

101 Hegel utilizou-se desse conceito e o definiu da maneira que mais se aproxima da presente discussão, atribuindo esse teor a sua Filosofia da história:

Nossa consideração é, nesse sentido, uma teodiceia, uma justificação de Deus, como a que Leibniz buscou a sua maneira, pela metafísica, com categorias abstratas, embora indeterminadas, mas de maneira tal que o mal [Übel] do mundo é apreendido segundo os males [Bösen] que devem ser reconciliados com o espírito pensante. De fato, não se encontra em nenhum outro lugar convocação tão grandiosa para esse tipo de reconciliação como na história universal [Weltgeschichte]. (HEGEL. 1989 [PdG] HW12, p.28)132.

Lukács em seus últimos escritos retomou com certa frequência essa concepção. Para a presente abordagem, fez-se necessário reconhecer os elementos teóricos e críticos da compreensão de Max Weber sobre a história e a sociologia da arte, desenvolvidos no capítulo anterior, os quais agora poderão ser discutidos e verificados numa apresentação filosófica que recorrerá à Estética, uma das últimas obras de Lukács. Verificaremos, ao longo desse capítulo, a propriedade dos conceitos de progresso técnico e da diferenciação, os quais já foram discutidos de um ponto de vista teórico e problematizados. Esses conceitos serão, agora, aproximados do sentido histórico da intelectualização e racionalização pelas evidências provenientes do campo da arte.

Os problemas herdados do idealismo, que abordamos no início, tal como vimos no capítulo anterior, se conservaram na reflexão sobre a estética de Simmel e, como veremos agora, também foram fundamentais na reflexão de Lukács. Foi, no entanto, Lukács quem melhor compreendeu as questões colocadas por Weber e suas consequências teóricas, ele as soube ler, havendo sido, antes, aluno do próprio Simmel, em seu curso de estética em 1907, e, também, anos depois, por sua proximidade com Weber, foi capaz de levar ainda mais longe as questões aqui discutidas. Por essa razão nos aprofundaremos no tema pela leitura de Lukács e não como é feito, com maior frequência, pela leitura de Simmel, muito embora ela venha a ser também elucidativa.

Só nos escritos de Lukács, posteriores a 1912, podemos considerar, de fato, uma influência marcante do pensamento de Weber, segundo uma compreensão mais aprofundada dos problemas aqui abordados. Assim, alguns textos anteriores de Lukács mostram-se úteis unicamente para evidenciar os elementos que ele retomava de Simmel e seu impacto oscilante entre Tolstói e Dostoiévski. O que a torna particularmente

132Unsere Betrachtung ist insofern eine Theodizee, eine Rechtfertigung Gottes, welche Leibniz metaphysisch auf seine Weise in noch unbestimmten, abstrakten Kategorien versucht hat, so daß das Übel in der Welt begriffen, der denkende Geist mit dem Bösen versöhnt werden sollte. In der Tat liegt nirgend eine größere Aufforderung zu solcher versöhnenden Erkenntnis als in der Weltgeschichte.

102 interessante é que, por volta de 1916, verificamos um momento muito produtivo nas discussões entre Weber e Lukács, a Estética do jovem Lukács encontrava-se em fase de desenvolvimento, no mesmo momento em que também a elaboração de A ética

econômica das religiões mundiais de Max Weber também estava sendo por ele revista. Nessa época, ambos trocavam seus manuscritos e discutiam questões particulares, problemas teóricos e resultou que a obra de Weber, embora muito extensa e densa, reescrita e reformulada, permaneceria inconclusa. Os escritos de Lukács foram retomados no final de sua carreira e ganharam uma profundidade impressionante. A influência de Weber nesse desenvolvimento tardio da Estética de Lukács pareceria, para muitos especialistas, uma fonte de juventude cuja importância se mostrou, de certo modo, reduzida, embora o pensamento de Weber estivesse ainda influenciando muitos trechos do último volume, como poderemos verificar por um conceito presente tanto na Estética como na Ontologia do ser social, o qual parece sem dúvidas remeter a Weber, o conceito de “paradoxo da necessidade religiosa”. Interessa-nos, especialmente, a possibilidade de que haveria uma leitura comum a ambos, Weber e Lukács, pela qual poderemos estabelecer a maior parte do paralelo entre Weber e a versão final da Estética de Lukács: trata-se do impacto da arte de Tolstói.

Verificaremos adiante como as análises sobre a estética de Lukács mostraram-se, em vários sentidos, como um avanço em direção aos problemas e questões aqui levantados. Uma delas parece possuir, por seu aspecto bastante polêmico, um caráter central, o qual tomaremos como ponto de partida: o caráter imanente da obra de arte que revelaria, segundo os aspectos gerais do desencantamento, uma antiteodiceia no campo da arte. Essa leitura weberiana de Lukács sobre o campo da arte merece uma atenção redobrada, por um lado, ela acompanha a argumentação weberiana, parecendo não ignorar nenhum avanço crítico, mas, por outro lado, ela se mostra mais no limiar desse problema dos valores, na medida em que, vez ou outra, viria a requerer tal dignidade imanente.

Como foi visto, a posição de Max Weber com relação à chamada “dignidade imanente” é bastante difícil de compreender; seu critério estabelecido na teoria dos valores não permite uma aprovação ou refutação científica desse ponto de vista; ela não pertenceria, para Max Weber, à discussão lógica ou à perícia de um cientista, isto é, mesmo que tomada como objeto da crítica, uma teoria do conhecimento não poderia vetar ou aprovar esse pressuposto, poderia apenas alertar quanto ao risco de ilusão.

103 Mesmo sem poder refutá-la, o ponto de vista teórico, a teoria dos valores poderia servir para advertir-nos quanto a um risco, a suposição falsa de que esse valor de dignidade permitiria tomar por base uma posição neutra, ou extra-moral, ou pior, o lado real (efetivo) dos acontecimentos. Teria, de fato, Lukács, em algum momento, recaído nesse tipo de ilusão? A ideia de que sua ontologia possuiria o sentido de atender a necessidade de um fundamento ético, indicaria ao final de sua vida, a possibilidade de uma resposta negativa, pois estaríamos abandonando os pressupostos teóricos de uma ciência histórica ou sociológica e adentrando o campo da ética. Não haveria problema se considerarmos que, no sentido ético, sua validação ontológica necessária se dê de forma que não pode ser refutada cientificamente, pois pertenceria a esfera valorativa. O que podemos responder, com maior convicção, é que seu desenvolvimento intelectual o fez rever constantemente essas questões. Não poderíamos superar os limites da consciência moderna (burguesa) pela ciência, sua expressão de verdade mais intocável e sagrada, a essa caberia unicamente provar seu limite e sua falsidade histórica, mas para superá-la requer-se uma ética, essa, porém, não pode, assim como faz a ciência burguesa, requerer uma dignidade imanente, antes somente, torná-la, igualmente, objeto de crítica valorativa. Lukács recorria de modo mais consciente ao princípio da crítica religiosa, que se transforma em crítica histórica, tal qual foi apresentado na introdução, se Weber também o faz ou não, isso é uma questão de interpretação. Como veremos no quarto capítulo, eles compreendiam o uso da crítica de formas distintas. No entanto, em linhas gerais é possível estabelecer um mesmo movimento. Lukács, tal como Weber, indicava como a crítica é transferida do campo ético-religioso para o campo estético.

No documento U NIVERSIDADEF EDERAL DES (páginas 99-140)

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