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3 CARAVANAS DA UGC: ESTUDANTES NISSEIS EM TRÂNSITO

3.5 AS CARAVANAS RECEBIDAS E A UGC PARA SECUNDARISTAS E

Como mencionei anteriormente, além de realizar diversas a caravanas, a UGC, com frequência as recebia. No Quadro 1, está um levantamento de grupos que visitaram Curitiba e participaram de eventos junto à entidade dos estudantes nisseis. Não foram considerados os muitos casos nos quais pequenos grupos de estudantes, vindos de várias partes do país, participavam de reuniões junto à entidade, para compreender seu funcionamento. É possível também que algumas visitas não tenham sido registradas em ata, visto que poucas delas estão detalhadas nos arquivos da entidade. Quase sempre, os caravanistas vinham das mesmas regiões que a UGC costumava visitar em suas viagens, os núcleos de concentração de nipo-brasileiros no interior.

Quadro 1 – Entidades e grupos de estudantes recebidos pela UGC (1950-1961)

Fonte – Livros de atas da UGC

451 As mulheres se inseriram lentamente nas atividades esportivas da UGC, sendo mencionadas apenas na prática do voleibol e, ocasionalmente, do tênis de mesa, o que pode ser explicado pela legislação da época. O Decreto-Lei nº 3.1999, de 14 de abril de 1941, oficializou a criação do Conselho Nacional de Desportos. No artigo 54, determinava-se que as mulheres estavam proibidas de praticar esportes “incompatíveis com suas condições de natureza”. Promulgada em 1965, a Deliberação número 7 do Conselho Nacional de Desportos vetou a participação de mulheres em uma série de modalidades esportivas, entre elas o beisebol e o futebol. Esta legislação vigorou até a década de 1970.

Ano Grupos Visitantes

1950-1952

Associação de Moças de Figueira (Assaí-PR), Estudantes de Londrina (PR), Estudantes de Maringá (PR), Estudantes Nisseis Participantes do Torneio Inter-

Colegial do Paraná

1953-1957

Estudantes de Santa Mariana (PR), Estudantes de Ourinhos (SP), Estudantes do Japão e Estudantes de

Maringá (Duas vezes).

1958

Estudantes Moças de Londrina (PR) (2 vezes), Estudantes Moças de Maringá (PR), Estudantes de Rolândia (PR) e Estudantes da Escola Normal de Cornélio Procópio (PR)

1959

Estudantes da Escola Técnica de Bastos (SP), Estudantes do Colégio Mãe de Deus de Londrina (PR) e Estudantes

de Bandeirantes (PR)

1960-1961

Estudantes de Arapongas (PR), Estudantes de Marília (SP), Moças do Aozora-Kai de Londrina (PR) e Estudantes do Centro Técnico Ramos de Azevedo de São

Novamente, ao receber estas caravanas, quase todas realizadas por secundaristas, os ugecenses buscavam divulgar o nome da entidade, como forma de incentivo para a vinda de jovens ao ensino superior na capital paranaense. É o que revela o discurso de Djalma Teramoto, então Orador da UGC, na ocasião da recepção aos caravanistas nisseis que participaram do Torneio Inter-Colegial do Paraná, em setembro de 1952

Vós, colegas paranaenses que ora nos honrais aqui com a vossa presença, quando voltados aos vossos respectivos torrões, ide e lá propagai o nosso apelo no sentido de que cada vez mais se acentuem os elos de amizade que unem estudantes dos quatro ventos do nosso Estado. Ide e propagai também as nossas melhores saudações aos colegas que não puderam vir 452

Dois anos mais tarde, Massao Soezima escreveu para a A Voz da União um artigo chamado Minha Impressão da U.G.C. no qual ressalta a importância desta recepção em 1952 para sua própria trajetória como estudante e revela o sucesso da estratégia dos ugecenses em receber caravanas

A primeira vez que ouvi falar na U.G.C. foi a cerca de 2 anos e meio, quando uma caravana vinda do Norte do Estado, entre eles figuravam, os meus irmãos. Voltaram da excursão desta cidade, encantados, cativados pela atenção e delicadeza com que foram aqui recebidos. Desde então tenho ouvido referência agradáveis desta agremiação. Como estudante durante vários anos em S. Paulo, sempre tive o anseio de conhecer pessoalmente esta agremiação. E a primeira vez que tive o prazer de estar em contacto pessoalmente com elementos desta agremiação foi no início deste ano. E, ora como um dos novos associados, sinto-me realmente contente em pertencer a esta agremiação. E um dos motivos que me levou a transferir para esta cidade, foi a minha admiração por esta Organização. Creio que isto não só acontece comigo, mas com muitos outros que para cá se dirigem. É de valor, incalculável uma agremiação como esta, principalmente numa cidade como esta, onde a onda de “nisseis” estudantes para cá se dirigem em busca de um aprimoramento, encontre um ponto de apoio sólido, da qual ele possa tomar uma direção certa e beneficente. Pelo que tenho observado, graças a esta União, daqui a algum tempo, seremos uma das “Grandes Potências Estudantis” desta cidade.453

Os ugecenses concentravam-se tanto em atrair jovens para sua entidade que em pouco tempo os secundaristas tornaram-se maioria nos seus quadros associativos. Como mencionado anteriormente, menores de idade eram a maioria dos estudantes nisseis migrantes na cidade. O levantamento realizado por Sonoko Yoshiyasu constatou que, em 1956, 162 dos 280 sócios da agremiação não estavam na universidade, sendo frequentadores de algum colégio técnico,

ginasial, colegial, normal, de educação familiar, da polícia ou vestibulandos.

A política da UGC em relação a estes sócios era a de tutorá-los, atuando como uma espécie de extensão de suas famílias. Menores de 18 anos estavam vedados dos principais cargos da entidade, como o de presidente, vice-presidente, secretário geral, tesoureiro ou de postos no conselho deliberativo. Ao longo dos anos 1950, o cargo de presidente do

452 TERAMOTO, Djalma. Discurso pronunciado pelo 1º Orador, Djalma Teramoto, na ocasião da festa em homenagem aos caravanistas secundários do interior do Estado, realizada pela U.G.C., no dia 7 de Setembro. In: A Voz da União. Curitiba, Setembro, 1952, p. 10.

Departamento Secundário ficou nas mãos de universitários relevantes dentro da entidade. Além disso, cursos de vestibular, português, japonês, oratória e de higiene básica eram ministrados dentro da sede da UGC, tendo os secundaristas como público alvo. A principal meta deste departamento parecia ser garantir a adaptação dos jovens à vida urbana. Segundo Matsuda, a preocupação com o tema era tanta que “até a dançar nós ensinávamos os nisseis”454.

A segurança de ter uma entidade étnica e estudantil na qual as famílias pudessem confiar motivou muitas a incentivarem jovens moços a estudar em Curitiba. Esta medida parece ter tido especial impacto entre outro segmento de integrantes da UGC, o das mulheres. Pelo menos desde o início da criação da UNE, no final dos anos 1930, o crescimento no número de mulheres frequentando o ensino superior consolidou-se como uma das pautas principais do movimento estudantil no Brasil455. Este movimento cresceu a partir da proclamação da Quarta República,

influenciando realizações como a construção da Casa da Estudante Universitária de Curitiba, em 1954. A partir do contato com o movimento estudantil, a defesa do ingresso de moças no ensino superior tornou-se uma das principais pautas defendidas pela UGC no espaço étnico nipo-brasileiro.

O álbum de fotografias da primeira caravana realizada pelos gakusseis, apresentada algumas páginas acima, revela que os excursionistas travaram contatos com jovens meninas do interior, principalmente na cidade de Londrina. Aparentemente tratavam-se de garotas que residiam no Jardim Paraíso, atualmente um bairro da Zona Norte da cidade, na época, pouco urbanizado. É provável que na mesma viagem a UGC tenha entrado em contato com a

Associação de Moças de Figueira456, da cidade de Assaí, visto que um mês após a passagem

do grupo curitibano pela cidade norte-paranaense esta associação esteve em Curitiba retribuindo visita.

A vinda das Moças de Figueira foi a primeira de várias caravanas de estudantes mulheres recebidas pela UGC ao longo dos anos 1950. Como agradecimento pela estadia, a entidade feminina presenteou os gakusseis com um álbum que relatava o trajeto realizado e que permanece até hoje nos arquivos da entidade. No trecho até Curitiba, as meninas aglomeraram- se em ônibus e caminhões, que vagavam por estradas íngremes de terra, denotando que de fato existiam dificuldades logísticas em realizar a excursão dada a infraestrutura das rodovias. Na capital, as caravanistas aparecem em diversos pontos turísticos do centro da cidade e no Colégio Estadual do Paraná. Também no álbum está inserida uma fotografia da Universidade do Paraná,

454 MATSUDA, Nobutero. Entrevista concedida para Ivan Araújo Lima. Curitiba, 2014. 455 POERNER, Arthur José. Op. Cit., p. 127.

sem integrantes a sua frente. A caravana foi até o litoral, na cidade de Paranaguá, onde as moças apareciam admiradas, colocando o pé no mar.

Logo na primeira página do álbum, foi colada um notícia do jornal Gazeta do Povo intitulada Embaixada de Lavradores de Assaí, que data do dia 8 de outubro de 1950. Abaixo de uma foto onde aparecem distribuídos uma maioria de jovens moças, junto com alguns homens estudantes e outros indivíduos mais velhos, todos nikkeis, encontra-se um pequeno texto explicando que

Acha-se em Curitiba, presentemente, uma caravana de filhos de lavradores japoneses residentes em Assaí e a qual está visitando a Capital do Estado, além de outros pontos desta unidade da Federação, afim de verificar o que possuímos, graças à ação operosa do atual governo. A embaixada visitante tem percorrido, ainda, vários pontos de interesse, como a nossa Universidade, conhecendo, assim, o estabelecimento maior de onde saem os homens das profissões liberais de nossa terra.457

Ao lado, foi publicado um trecho do discurso de Keiko Sassaki, integrante da entidade assaisense, prestando homenagens ao governador Moisés Lupion, que se reuniu com as Moças de Figueira no Palácio de Governo. Sua fala revela que, assim como aconteceu em caravanas promovidas pelos ugecenses, o governo do Estado esteve diretamente envolvido na realização da viagem

Era de nosso intento visitar Curitiba, cidade que muitos de nós não conhecemos, e V. Excia. Atendendo a esse nosso desejo possibilitou a realização desse nosso intento. Em agradecimento a tudo que foi feito por nós, prometemos, diante de V. Excia. Trabalhar com o melhor de nossos esforços para a efetivação do grande sonho de todos os bons paranaenses – a construção de um Paraná Maior458.

Junto à UGC, a Associação das Moças de Figueira participou de um debate na sede da União Paranaense dos Estudantes, que contou também com a presença de um grupo de convidados não especificados. O evento está registrado no álbum da gestão 1949/1950 dos gakusseis. Infelizmente, não foram localizados registros acerca dos temas discutidos neste encontro. Na Figura 2 o grupo de meninas aparece em um dos cantos de uma grande mesa retangular, onde os ugecenses aparecem em outro canto e no meio. Percebe-se que foi um evento de grande porte, com a imagem captando mais de 40 pessoas na sala.

457 GAZETA DO POVO. Embaixada de Lavradores de Assaí. In: Gazeta do Povo, Curitiba, 8 de outubro de 1950, p. cortada.

Figura 2 – Debate promovido por UGC e Associação das Moças de Figueira na sede da UPE

Fonte: Álbum da Gestão 1949-1950 da UGC, autoria desconhecida, 1950.

Em seu depoimento para o livro de cinquentenário da UGC, Nobutero Matsuda relembrou uma conversa que teve com outro integrante da colônia na ocasião da vinda de uma caravana de moças nisseis para Curitiba, possivelmente as Moças de Figueira. Seu relato revela que a chegada de estudantes mulheres às universidades ainda era um tabu para muitos nikkeis. Chama a atenção o fato de que para argumentar com um senhor que teceu uma crítica ao comportamento dos estudantes radicados em Curitiba, Matsuda relacionou o crescimento de mulheres na universidade com a continuidade da endogamia

Uma vez veio uma turma de estudantes do interior com os velhos e mais da metade eram moças. Resolveram oferecer um almoço no restaurante universitário que ficava no Passeio Público e fui conversar com eles. Aí uns velhos falaram: ‘esses moços de hoje saem do interior, vem estudar na capital, depois casam com empregadinha e vão embora’. Fiquei bravo e falei: ‘o senhor está errado, o senhor tá vendo um ou outro caso assim que pode acontecer, mas não é o normal. O senhor tem que olhar o futuro dessas meninas que estão aí’. Naquela época mulher aprendia a fazer tricô, comida, limpar a casa, para casar. Eu disse: ‘elas tem que estudar, se todas vocês que estão aí vierem estudar no daigakô459 garanto que os nisseis não vão procurar nenhuma empregada, vão casar com essas’. Falei mesmo, elas tem mesmo direito de estudar, ‘os senhores tem que pensar um pouco mais pra frente’.460

O tema era também debatido nas caravanas realizadas pela UGC, em sua maioria compostas por homens. Comentando as conversas que os ugecenses tinham com nikkeis do Norte do Paraná ao longo de suas excursões, Américo Sato revelou que parte da resistência em enviar jovens garotas para o ensino superior passava pela preocupação acerca de sua adaptação à cidade grande

A colônia japonesa naquele tempo, todos os pais puxavam enxada. E queriam que o filho estudasse, faziam sacrifício muito grande (...) mas para mandar a filha? Ele

459 Daigaku é a palavra japonesa para universidade.

queria saber da segurança daqui. Como que vai? Que pessoal que vai? Em casa de quem que vai? E o que que vai estudar. Muitos japoneses [diziam] ‘Médica? Você? Não, você vai ser professora, você vai fazer Farmácia, você vai fazer Odontologia. Mas Médica não461.

As caravanas recebidas e realizadas pela UGC, bem como a defesa da inclusão de mulheres no ensino superior, realizada pelas lideranças da entidade, ajudaram a aumentar o número de garotas nos quadros associativos. Cabe ressaltar que as estudantes estavam presentes nos quadros da UGC desde o primeiro momento. Nely Matsura, Tiguça Kagueiama e Tecla Kagueiama participaram da fundação da entidade. Porém, um ano depois de eventos como a primeira caravana realizada pelos gakusseis e a passagem das Moças de Figueira por Curitiba, a quantidade de garotas na agremiação mais que dobrou.

A Tabela 28, que apresenta a quantidade de mulheres nisseis nos quadros da UGC entre 1949 e 1956. O crescimento quantitativo de frequentadoras da agremiação ocorreu de maneira praticamente anual ao longo do período, ainda que sua presença percentual tenha passado por oscilações positivas ou negativas. O ano de 1949 é o que apresenta o maior percentual mulheres nisseis na entidade, o que provavelmente se explica pela ausência de secundaristas entre os integrantes daquele momento. Ressalte-se que, como o censo realizado pela UGC em 1956 não inseriu as mulheres não-nisseis junto com as nisseis, o percentual de garotas era provavelmente um pouco maior. O levantamento por Yoshiyasu462 no mesmo ano identificou duas não-nisseis

entre as ugecenses.

Tabela 28 – Quadro de sócios da UGC por sexo (1949-1956)

Ano Mulher nissei Total Porcentagem

1949 5 30 16,7% 1950 5 47 10,6% 1951 12 80 15% 1952 16 104 15,38% 1953 16 119 13,44% 1954 28 168 16,7% 1955 37 235 15,7% 1956 46 280 16,42%

Fonte: UGC. Enderêços e estatísticas da colônia japonesa de Curitiba e cidades próximas. Curitiba: 1956,

p. 135.

461 SATO, Américo. Entrevista concedida para a UGC. Londrina, 1999. 462 YOSHIYASU, Sonoko. Op. cit., p.1.

O censo produzido pela UGC apresenta outro dado interessante, que ajuda a compreender a importância da entidade para a chegada de mulheres estudantes na capital paranaense. Em 1956, 83% dos nisseis universitários estava associado à entidade, mas entre mulheres universitárias o número subiu para 95%, ou 19 de 20463. Se pode levantar a hipótese

de que no caso das meninas, a associação servia ainda mais como um local de amparo e ajuda na adaptação de um novo meio, incentivando as famílias a investirem na educação delas, algo considerando arriscado naquele período.

O levantamento da UGC não levou em conta as diferenças para homens e mulheres nas escolhas de cursos. Para tal, irei recorrer ao levantamento de diplomados na Universidade do Paraná entre 1946 e 1960, apresentado na Tabela 29. Dos 117 nikkeis diplomados no período, 25 eram mulheres, o que representava aproximadamente 21% do todo.

Tabela 29 - Estudantes nipo-brasileiros diplomados pela Universidade do Paraná por curso e sexo (1946-1960)

Curso Homens Mulheres Inconclusivo Total de Diplomados

Odontologia 22 2 1 25 Farmácia 10 13 1 24 Medicina 21 1 - 22 Engenharia 14 0 - 14 Faculdade de Filosofia 6 8 - 14 Direito 11 1 - 12 Ciências Econômicas/Contábeis 6 0 - 6 Total 90 25 2 117

Fonte: Anuários da Universidade do Paraná (1946-1960)

Há uma expressiva quantidade de alunas formadas no curso de Farmácia, pelo qual se diplomaram 13 destas garotas. Outras 8 se diplomaram em diferentes graduações da Faculdade de Filosofia, enquanto apenas 4 concluíram a universidade em todas os demais campos do conhecimento. Mais uma vez, encontra-se uma semelhança com os padrões nacionais e a tendência em concentrar mulheres nos cursos considerados adequados para as “vocações femininas”, o que foi relatado por Américo Sato em seu depoimento. Através das listas, não foi possível concluir o sexo de um diplomado em Farmácia e outro em Odontologia.

463 UGC. Enderêços e estatísticas da colônia japonesa de Curitiba e cidades próximas. Curitiba: 1956, p. 135- 136.

Onze anos depois da visita das Moças de Figueira, em 1961, as jovens do Aozora-Kai de Londrina pareciam repetir o trajeto, posando em frente a Universidade do Paraná e a outros pontos turísticos da cidade. Nesse ínterim, foram registradas nas atas da UGC a visita de outras três caravanas exclusivamente femininas. Ao longo da década, as garotas lentamente começaram a ganhar espaço nas principais atividades promovidas pelos gakusseis, passando também a atuar como protagonistas em alguns dos principais eventos da entidade, como era o caso das caravanas.

3.6 AS CARAVANAS CIENTÍFICAS E A UGC COMO EXTENSÃO DO ESTADO