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1 BRASIL ANOS 950: UM PAÍS EM TRÂNSITOS

1.4 A FORMAÇÃO DA NOVA CLASSE MÉDIA

De acordo com Mello e Novais, estas frequentes ascensões sociais que ocorreram em basicamente todos os grupos sociais brasileiros a partir dos anos 1950 levaram a uma “quebra de homogeneidade da classe média”74. Aqueles que compuseram esta nova camada à miúde

conseguiram fazê-lo pois as transformações econômicas em vigor criaram demandas de

73 FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. São Paulo: Editora Globo, 2008, p. 153

profissionais especializados em diferentes áreas, conquanto as ascensões dependiam cada vez mais de qualificação profissional. Cabe agora uma explicação mais detida acerca daqueles que compõe a dita de nova classe média, na sequência relacionando-a com as possibilidades de ascensão social que surgiram a partir da expansão da oferta de ensino no país.

Estudioso da imigração japonesa no Brasil, o sociólogo Takashi Maeyama fala no surgimento de uma nova classe média no seio da comunidade nipo-brasileira a partir dos anos 1950, composta sobretudo por nisseis originários de cidades interioranas que se estabeleceram em grandes centros, inicialmente para estudar. Utilizando dados de 1958, o autor identifica 83% de todas as pessoas de etnia nipônica no Brasil como integrantes da classe média, mas os separa entre nova classe média e velha classe média. Maeyama aponta que as diferenças entre ambas são “de propriedade para ocupação; do trabalho para habilidades e ideias; dos que manipulam coisas para os que manejam papel, dinheiro pessoas e símbolos; de empreendimentos independentes para empregos dependentes”75. Esta nova classe média nikkei era, segundo o

autor, jovem, nascida no Brasil, católica e profissionalmente qualificada.

O mesmo termo pode ser utilizado para descrever um fenômeno mais amplo. Na visão do economista Waldir José Quadros, a consolidação da nova fase do capitalismo brasileiro, plenamente constituído na década de 1950, está na posse de bens materiais que asseguram a mercantilização da economia e o avanço na divisão social do trabalho, dentro de um modelo de monopolização de Estado. Estas bases asseguraram o surgimento de um nova classe média76

em âmbito nacional. Seus integrantes estavam concentrados nas cidades, acima de tudo nas maiores de 50.000 habitantes e especialmente nas mais populosas destas77. Em termos do que

possibilitou sua ascensão social, utilizo de algumas asserções de Pastore, para quem os fatores determinantes para a escalada de um indivíduo na pirâmide são o tipo de seu primeiro emprego,

experiências sociais e profissionais adquiridas e o seu treinamento geral. Estes fatores estão

intimamente ligados com as condições da geração anterior, através de aspectos como educação

e ocupação dos pais78.

Pastore coloca também que caso as condições da geração anterior sejam deterioradas podem acabar por gerar um ciclo vicioso da pobreza, que reforça ao longo prazo – para gerações seguintes – fatores sociais característicos dos estratos mais baixos, como a permanência em

75 MAEYAMA, Takashi. Religião, parentesco e as classe médias dos japoneses no Brasil Urbano. Em:SAITO H., MAEYAMA, T. (org.). Assimilação e integração dos japoneses no Brasil: São Paulo, EDUSP, 1973, p. 240-272, p. 247.

76 QUADROS, Waldir José, Op. Cit.,p. 44. 77 Ibid., p. 86.

78 PASTORE, José. Emprego, renda e mobilidade social no Brasil. In: Pesquisa e planejamento econômico, v. 6, n. 3, 176, pp. 551-585, pp. 568-570.

postos de trabalho pior remunerados, diretamente relacionados ao baixo acesso à educação. Num cenário como o brasileiro, sobretudo quando há rápidas transformações econômicas como as verificadas na década de 1950, a grande oferta de empregos qualificados para um setor mais modernizado, porém carente de mão de obra, gerou uma camada abastada que progressivamente tornava-se mais monopolista, pois tinha possibilidade de aceder aos canais que lhe permitiam obter as qualificações requeridas. O resultado de uma conjuntura como esta, ao ver de Pastore, foi “limitação da mobilidade ocupacional para a maioria e, como consequência, a elevação substancial de salários da minoria habilitada, constituída de profissionais”79.

Pastore ainda chama a atenção para a diferenciação entre efeito-emprego e efeito-

mobilidade. Em um cenário de rápido desenvolvimento econômico, o primeiro se caracteriza

por um intenso aumento de demanda de ocupações em vagas já pré-existentes, ou o surgimento de novas ocupações, mas que numa escala de status ocupam o mesmo estrato da pirâmide social. A diminuição do desemprego e o aumento da renda da população, consequentes desta maior oferta, possibilitam melhoras nas condições de vida, mas a estrutura de trabalho permanece semelhante. O efeito-mobilidade diz respeito à oferta de empregos que possibilitam a troca de uma ocupação familiar ou pessoal que possua um status mais baixo para outra que possua um status mais elevado80.

Mello e Novais apresentam uma pesquisa realizada no final dos anos 1950 junto aos moradores da cidade de São Paulo, no qual os entrevistados foram convidados a classificar socialmente trinta ocupações diferentes. O resultado ajuda a compreender quais empregos são considerados de alto ou de baixo status no período no qual esta pesquisa se enfoca. As ocupações mais prestigiadas foram, em ordem: médico, advogado, diretor superintendente,

padre, fazendeiro, jornalista, gerente comercial, gerente de fábrica, professor primário e contador. Em ordem decrescente, os cargos socialmente menos estimados foram: motorista, cozinheiro, tratorista, carpinteiro, condutor de trens, garçom, pedreiro, trabalhador agrícola, estivador e lixeiro81. Logo, o que se está considerando para este trabalho é que a qualificação

profissional era fator determinante para ocupar um emprego de alto status.

Pastore apresenta dados acerca das profissões que mais se multiplicaram no país entre o período de 1950/1970. Entre as que não exigiam diplomação mencionaram-se ladrilheiros e

taqueiros (268%), armadores de concreto (219%), encanadores (184%), pedreiros (125%), motoristas (199%), barbeiros e assemelhados (188%) e balconistas e entregadores (83%).

79 Idem

80 Ibid., p. 569-70.

Entre as que exigiam diplomação mencionaram-se arquitetos (347%), engenheiros (243%),

agrônomos e veterinários (179%), advogados (140%) e médicos (104%). Os números revelam

que tanto empregos cuja a diplomação era um pré-requisito quanto aqueles onde esta não fazia necessária se proliferaram no período. Em alguns casos, os empregos de maior status apresentaram um grau de crescimento percentualmente maior, mas cabe ressaltar que como se tratava de um segmento bem menor em números absolutos, sua oferta foi consideravelmente mais restrita à população como um todo. A conclusão a que se pode chegar é a de que realmente existiam possibilidades concretas de realizar aquilo que Pastore chamou de efeito-mobilidade, mas a oferta muito maior de empregos de baixo status revela que a ocupação de cargos menos qualificados foi a realidade da maioria dos brasileiros, concretizando portanto a teoria de que o desenvolvimento econômico brasileiro estimulou sobretudo uma melhora de renda via efeito-

emprego82.

Ribeiro e Scalon se propuseram a perceber os impactos da industrialização na mobilidade social no Brasil entre 1945 e 1980 em perspectiva comparada com outros países. Para tal, realizaram uma divisão de cinco grupos sociais: trabalhadores colarinho branco,

pequena-burguesia, trabalhadores do setor rural, trabalhadores manuais qualificados e trabalhadores manuais não qualificados. Calculou-se as chances de permanência de um

indivíduo em sua classe social, identificando desta maneira fluidez ou estratificação na pirâmide social. Como a população urbana cresceu em ritmo mais alto que o desenvolvimento industrial, a questão central para os pesquisadores foi perceber para onde se deslocaram trabalhadores e proprietários rurais, pois todas as demais categorias definidas cresceram ao longo do período83.

Considerando que, em 1973, 64% dos indivíduos tinha origens na categoria de

trabalhadores do setor rural, ao passo que estes compunham 30% das ocupações naquele

momento, os autores constatam que “os migrantes rurais no Brasil foram absorvidos tanto pela classe manual urbana quanto pela elite”. Um número que chama a atenção é o de que 27% dos

trabalhadores do colarinho branco tinham origem no meio rural, contra 17% dos que se

originavam desta mesma classe. No caso dos trabalhadores manuais não qualificados este número era bem mais expressivo, 66%. De todas as formas, o dado revela que não se pode propriamente falar em um fechamento social completo da elite no caso brasileiro, ainda que

82 PASTORE, José. Op. Cit., p. 568-570.

83 RIBEIRO, Carlos Antonio Costa; SCALON, Maria Celi. Mobilidade de classe no Brasil em perspectiva comparada. Dados, vol. 44, n. 1.

isto deva ser relacionado com o tardio processo de industrialização do país e as condições nas quais estes migrantes rurais chegavam às cidades84.

Estes dados ajudam a compreender o que estou considerando por nova classe média. O conceito nos termos em que trabalho foi elaborado por Quadros em sua dissertação de mestrado, dedicada especificamente a estudar o tema e na explicação de Maeyama, que usa o termo para referir-se a um segmento dos nipo-brasileiros que emergiu nas mesmas condições. Relacionando-o com os trabalhos de Mello e Novais, Pastore, Ribeiro e Scalon e os objetivos desta pesquisa, estou discorrendo concretamente acerca do seguinte segmento: indivíduos cuja origem está na categoria de trabalhador rural, que normalmente ascenderam em um movimento de efeito-mobilidade, possibilitado pelas transformações originadas do crescimento econômico brasileiro que ganhou vigor na década de 1950, e que mais tarde ocuparam um emprego de alto status, cuja qualificação profissional era um pré-requisito.