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CAPÍTULO I – O MODERNO E A MEMÓRIA: o caminho trilhado pela

I.1. A INSTITUCIONALIZAÇÃO DO PENSAMENTO

I.1.1. c As cartas de Recomendações

Dentro da análise da formação deste novo corpo de regras, será tomada como primeira referência o trabalho da UNESCO datado de 1962, que prima pela salvaguarda da beleza e do caráter das paisagens e sítios, estabelecendo para isto o controle dos trabalhos de construção dos novos edifícios, visando uma proteção especial às proximidades dos monumentos, o que irá caracterizar o conceito de entorno – lembrando que com isto, o que se chama de entorno não deve ser considerado com excepcionalidade, este tem por função evidenciar e valorizar o monumento tombado.

A Carta de Veneza, de 1964, ao apontar que os princípios que regem a Conservação e o Restauro devem ser elaborados e formulados num âmbito internacional, cabendo a cada país estabelecer a relação com o contexto e suas respectivas tradições, passa a evidenciar a internacionalização e exteriorização destes preceitos.

Estes princípios irão girar em torno dos seguintes aspectos: na noção de Monumento

Histórico como testemunho de uma civilização particular que indique uma evolução

significativa, sendo tratado como acontecimento histórico; no estabelecimento da

Conservação e do Restauro como um corpo disciplinar, relacionado de forma direta com

como obras de arte, mas também sob forma de testemunho histórico; numa preocupação com a destinação desses monumentos, no sentido de os mesmos terem uma função que seja útil à sociedade; na preservação de sua ambiência em sua escala, já relacionada ao conceito de entorno, estabelecido pela UNESCO em 1962; na concepção de que as obras de restauro deverão destacar-se na composição arquitetônica e ostentar a marca de sua época, ou seja, a restauração não deve falsificar o documento de arte e de história. Neste aspecto torna-se explícito o compromisso com a verdade , ratificada pela utilização, na atividade do restauro, de técnicas e fontes documentais que evidenciem esta veracidade.

A Carta de Quito, de 1967, representa com clareza a inserção deste corpo de regras no âmbito dos países periféricos, em especial os da América Latina, como já sugeria a Carta de Veneza, atribuindo a cada país a incumbência de relacionar os preceitos internacionais ao contexto e tradições locais.

Este documento aponta o vandalismo urbanístico e o empobrecimento que vêm sofrendo a maioria dos países americanos, como sendo as principais causas da destruição do potencial de riqueza destes países: o seu patrimônio cultural. Sugere como solução para este problema, a adoção de medidas de emergência relacionadas com a revalorização dos bens patrimoniais. Estas medidas deverão consistir em “soluções conciliatórias”, na perspectiva de aliar o passado com o presente e para além disso, utilizá- lo como meta de desenvolvimento sócio-econômico.

Na perspectiva de um desenvolvimento no âmbito social, atribui-se ao Estado a tarefa de estabelecer e destinar ao monumento uma forma de compatibilizar interesses públicos e

privados, bem como trabalhar a questão da preservação no âmbito de um programa de conscientização cívica, através da criação de uma programação educativa.

Quanto à esfera do econômico, parte-se do pressuposto de que os monumentos, como as riquezas naturais do país, devem ser entendidos como “recursos econômicos”, fato que atribui a estes um valor que, para além do simbólico/cultural, os inserem como elementos integrantes dos planos de desenvolvimento das cidades. Afirma-se portanto, que a utilização dos centros históricos no processo de valorização das cidades se realiza em função do desenvolvimento econômico da América Latina, como forma de por em produtividade uma riqueza até então inexplorada.

A atividade turística se apresenta como de valorização dos monumentos , no intuito de que o exercício desta atividade contribua para reconhecer e afirmar a importância do patrimônio cultural como elemento dotado de grande significação nacional, dando aos monumentos uma função tanto econômica como pedagógica.

Afirma-se neste processo a importância da atividade turística no que diz respeito à salvaguarda de uma grande parte do patrimônio cultural da Europa, que estava condenado à completa e irremediável destruição, sendo perfeitamente cabível a utilização desta atividade também como forma de evitar o desaparecimento do patrimônio cultural nos países da América Latina, inserindo estes monumentos no processo de desenvolvimento econômico- social do novo mundo. A partir destas análises, os esforços se concentram na busca de uma legislação eficaz que aliem organização técnica e planejamento racional vinculados à atividade turística.

Com relação à forma de proteção dos monumentos, evidencia-se uma preocupação com a relação volumétrica dos espaços, sob forma de delimitação de zonas, indicando-se diferentes graus de proteção.

As questões de relação entre o bem cultural e sua área envoltória passam a ser enfatizadas com mais veemência a partir de 1975, no documento intitulado Manifesto de Amsterdã : a integração dos conjuntos históricos na vida coletiva é evidenciada de maneira mais explícita, ou seja, passa-se a atribuir uma importância “cultural” também ao entorno, no sentido de se preservar uma ambiência, bem como integrá-lo como um registro de marco temporal.

Na Carta de Nairóbi, de 1976, estabelece-se uma série de conceitos que dizem respeito à visualidade e ambiência do bem tombado. Dentre estes conceitos, os que se referem a termos como centro histórico, ambiência e salvaguarda.10 O mesmo documento afirma a necessidade do estabelecimento de normas que trabalhem os conjuntos históricos e os monumentos isolados de maneira diferenciada pois, no primeiro caso há uma forte relação entre os elementos constitutivos, o que lhes determina uma certa unidade, enquanto que no

10

Conforme Documento da UNESCO de 1976,(apud GALLO, in V SHURC, 1996:04), Considera-se “conjunto histórico ou tradicional todo grupamento de construções e de espaços, inclusive os sítios arqueológicos e paleontológicos, que constituam um assentamento humano, tanto no meio urbano quanto no rural e cuja coesão e valor são reconhecidos do ponto de vista arqueológico, arquitetônico, pré-histórico, estético ou sócio-cultural. Entre esses ‘conjuntos’que são muito variados, podem-se distinguir especialmente os sítios pré-históricos, as cidades históricas, os bairros urbanos antigos, as aldeias e lugarejos, assim como os conjuntos monumentais homogêneos, ficando entendido que estes últimos deverão em regra, ser conservados em sua integridade.

Entende-se por ambiência dos conjuntos históricos ou tradicionais, o quadro natural ou construído que influi na percepção estática ou dinâmica desses conjuntos, ou a eles se vincula de maneira imediata no espaço, ou por laços sociais, econômicos ou culturais.

Entende-se por salvaguarda a identificação, a proteção, a conservação, a restauração, a reabilitação, a manutenção e a revitalização dos conjuntos históricos ou tradicionais e de seu entorno”.

segundo as relações se estabelecem de maneira diversificada, dependendo do grau de integração deste com sua área envoltória. Quanto à regulamentação e controle das novas construções, sugere-se a busca por um enquadramento harmonioso entre o novo e o antigo, levando-se em conta a estrutura espacial e ambiência existentes.

Para Choay (2000), entretanto, apesar da formulação destes documentos indicarem o caminho do tratamento não museológico dos tecidos urbanos antigos, a prática indica uma ambiguidade. Este tipo de conservação não desapareceu: ainda se trabalha nesta direção. Os centros históricos ainda permanecem congelados, sem integração com os demais setores das cidades.

I.1.1.d. O processo recente: utilização do Patrimônio cultural como pólo de atração de