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AS CASAS DE CURA

No documento J.R. R. TOLKIEN O SENHOR DOS ANÉIS (páginas 92-103)

Uma névoa de lágrimas e cansaço cobria os olhos de Merry quando eles se aproximaram das ruínas do Portão de Minas Tirith. Pouca atenção dava ele aos escombros e sinais do massacre que se espalhavam por toda a volta. Havia fogo, fumaça e um cheiro forte no ar; muitas máquinas haviam sido incendiadas ou jogadas nas trincheiras de fogo, como também muitos dos mortos, ao passo que aqui e ali jaziam muitas carcaças dos grandes monstros dos sulistas, semicarbonizados ou destruídos por pedras arremessadas, ou ainda alvejados no meio dos olhos pelas flechas dos valorosos arqueiros de Morthond. A rajada de chuva cessara por um tempo e o sol reluzia alto no céu, mas toda a cidade mais baixa ainda estava envolta num vapor fétido.

Homens já trabalhavam abrindo um caminho através dos destroços da batalha; agora, do Portão, chegavam algumas macas. Com toda a delicadeza, deitaram Éowyn

sobre travesseiros macios; mas cobriram o corpo do rei com um grande tecido dourado, e o acompanharam carregando tochas, cujas chamas, pálidas à luz do sol, tremulavam ao vento.

Foi assim que Théoden e Éowyn chegaram á Cidade de Gondor, e todos que os viam descobriam as cabeças e faziam reverência; os dois passaram através das cinzas e da fumaça do circulo queimado, e continuaram subindo ao longo das ruas de pedra. Merry teve a impressão de que a subida durou uma eternidade, uma viagem sem sentido num sonho odioso, que avançava sempre e sempre para algum fim obscuro que a memória não pode reter.

Lentamente as luzes das tochas á sua frente bruxulearam e se extinguiram, e Merry caminhava numa escuridão, ao pensar: "Isto é um túnel que conduz a um túmulo; lá permaneceremos para sempre." Mas de súbito, em seu devaneio, surgiu uma voz viva.

- Merry! Ainda bem que o encontrei!

Ergueu os olhos, e a névoa em seus olhos se dissipou um pouco. Lá estava Pippin! Estavam cara a cara numa passagem estreita que, a não ser pelos dois, estava vazia. Merry esfregou os olhos.

- Onde está o rei? - disse ele. - E Éowyn? – Então tropeçou e caiu sentado na soleira de uma porta, rompendo outra vez em pranto.

- Eles subiram para a Cidadela - disse Pippin. - Acho que você adormeceu andando e pegou o caminho errado. Quando descobrimos que você não estava com eles, Gandalf me mandou procurá-lo. Pobre Merry! Como me alegro em vê-lo outra vez! Mas você está exausto, e não vou incomodá-lo com conversas. Mas, diga-me, está ferido ou machucado? - Não - disse Merry. - Bem, pelo menos acho que não. Mas não consigo mexer o braço direito, Pippin, desde quando o golpeei. E minha espada se consumiu em chamas, como um pedaço de madeira. O rosto de Pippin estava aflito. - Bem, é melhor vir comigo o mais depressa possível - disse ele. - Gostaria de poder carregá-lo. Você não está em condições de continuar andando. De forma alguma deveriam ter permitido que você andasse, mas deve perdoá-los. Coisas tão terríveis aconteceram na Cidade, Merry, que um pobre hobbit retornando da batalha pode facilmente passar despercebido.

Nem sempre é uma infelicidade passar despercebido - disse Merry. - Foi o que aconteceu comigo agora há pouco, quando não fui visto pelo.. não, não, não consigo falar disso. Ajude-me, Pippin! Está ficando tudo escuro outra vez, e meu braço está tão frio.

-Apóie-se em mim, Merry, meu rapaz! - disse Pippin. -Vamos agora. passo a passo. Não é longe. Você vai me sepultar? - disse Merry.

- Claro que não! - disse Pippin, tentando parecer alegre, embora tivesse o coração angustiado pelo medo e pela pena. - Não, você vai para as Casas de Cura.

Saíram do caminho que avançava por entre casas altas e a muralha externa do quarto circulo, retomando a rua principal que subia para a Cidadela. Avançaram passo a passo, enquanto Merry cambaleava e murmurava como alguém que está dormindo.

"Nunca conseguirei levá-lo até lá", pensou Pippin. "Não há ninguém que possa me ajudar? Não posso deixá-lo aqui." Bem nesse momento, para a surpresa do hobbit, um menino chegou correndo às suas costas, e no instante em que passou Pippin reconheceu Bergil, o filho de Beregond.

- Olá - Bergil! - chamou ele. - Aonde está indo? Fico feliz em revê-lo, e ainda vivo!

- Estou a serviço dos Curadores - disse Bergil. – Não posso ficar.

- Não estou pedindo isso! - disse Pippin. - Mas diga-lhes lá em cima que trago comigo um hobbit doente, um perian, veja bem, que chega do campo de batalha. Acho que ele não aguenta chegar até lá andando. Se Mithrandir estiver lá, ficará feliz em

receber a mensagem. - Bergil saiu correndo.

"É melhor esperar aqui", pensou Pippin. Então colocou Merry suavemente na calçada, num trecho ensolarado, sentando-se ao lado e deitando no colo a cabeça do amigo. Apalpou seu corpo e suas pernas com delicadeza, e segurou-lhe as mãos entre as suas. A direita estava fria como gelo.

Não demorou muito para que Gandalf em pessoa viesse ao encontro deles. Abaixou-se sobre Merry e acariciou-lhe a fronte; então ergueu-o cuidadosamente. - Ele deveria ter sido carregado com todas as honras para esta cidade - disse ele - Sem dúvida correspondeu à minha confiança; se Elrond não tivesse cedido à minha solicitação, nenhum de vocês dois teria partido; então os males deste dia teriam sido muito mais lamentáveis. - O mago suspirou.

- Apesar disso, tenho um outro encargo em minhas mãos, e durante todo esse tempo a batalha permanece indecisa.

Finalmente Faramir, Éowyn e Meriadoc foram colocados em leitos nas Casas de Cura e lá foram bem cuidados. Pois, embora naqueles últimos tempos todo o conhecimento tivesse decaído em relação aos Dias Antigos, a arte de cura de Gondor ainda era competente, habilidosa nos cuidados com os feridos, e no trato de todas as doenças que pudessem acometer os homens mortais a leste do Mar. Exceto a idade avançada. Para isso não haviam encontrado cura; de fato a longevidade daquele povo diminuíra, ficando pouco maior que a dos outros homens; eram poucos os que ultrapassavam com vigor a conta de cinco vintenas de anos, a não ser nas casas de sangue mais puro. Mas agora sua arte e seu conhecimento se quedavam perplexos, pois havia muitos doentes de uma enfermidade que não podia ser curada; chamavam-na de Sombra Negra, pois vinha dos nazgúl. Aqueles acometidos por ela caiam lentamente num sonho cada vez mais profundo, entrando então no silêncio e numa frieza mortal, e assim morriam.

Parecia aos que cuidavam dos feridos que essa enfermidade se manifestara de maneira grave no Pequeno e na Senhora de Rohan. Ainda algumas vezes, no final da manhã, eles chegaram a falar alguma coisa, murmurando em seus sonhos; os que cuidavam deles escutavam tudo o que diziam, na esperança de talvez aprender alguma coisa que lhes possibilitasse entender-lhes os ferimentos. Mas logo começaram a cair na escuridão, e quando o sol se aproximava do oeste uma sombra cinzenta cobriu os rostos dos doentes. Mas Faramir queimava numa febre que não cedia.

Gandalf ia de um leito para o outro cheio de preocupação, e os atendentes lhe contavam tudo o que tinham conseguido escutar. Assim passou-se o dia, enquanto a grande batalha continuava lá fora em meio a esperanças inconstantes e estranhas noticias; e Gandalf ainda esperava e vigiava, sem sair de perto; finalmente um ocaso rubro cobriu todo o céu, e a luz que vinha das janelas bateu nos rostos cinzentos dos enfermos. Então os que estavam por perto tiveram a impressão de que naquela luz um rubor espalhou-se nos rostos, como se a saúde estivesse retornando, mas aquilo era apenas um arremedo de esperança. Então uma senhora idosa, Ioreth, a mais velha das mulheres que trabalhavam naquela casa, olhando no belo rosto de Faramir, chorou, pois todo o povo o amava. E ela disse:

- Ai de nós se ele morrer! Ah, se houvesse reis em Gondor, como contam que havia outrora! Pois diz a sabedoria que as mãos dos reis são sempre as mãos de um curador. Dessa maneira sempre se sabia quem era o verdadeiro rei.

E Gandalf, que estava ao lado, disse:

- Talvez os homens se recordem de suas palavras por muito tempo, Ioreth! Pois nelas há esperança. Talvez um rei realmente tenha retornado a Gondor; ou será que você

não ouviu as estranhas noticias que chegaram à Cidade?

- Tenho estado por demais ocupada com uma coisa e outra para dar atenção a todos os gritos e clamores - respondeu ela. - Tudo o que espero é que esses demônios assassinos não venham até esta Casa perturbar os enfermos.

Então Gandalf saiu apressado, e o fogo no céu já estava se extinguindo, e as colinas em brasa se apagavam, enquanto uma noite de cinzas cobria os campos.

Agora que o sol se punha, Aragorn, Éomer e Imrahil se aproximavam da Cidade com seus capitães e cavaleiros; quando chegaram diante do Portão, Aragorn disse:

- Vejam o sol que se põe num grande fogo! Isto é o sinal do fim e da queda de muitas coisas, e de uma mudança nas marés do mundo. Mas esta Cidade e este reino permaneceram por muitos longos anos nas mãos dos Regentes, e receio que, entrando sem ser convidado, eu desperte dúvidas e controvérsias, que não deveriam surgir enquanto durar a guerra. Não entrarei, nem farei qualquer reivindicação, até que se saiba quem será o vencedor, nós ou Mordor. Os homens devem montar minhas tendas no campo, e aqui aguardarei as boas-vindas do Senhor da Cidade.

Mas Éomer disse:

- Você já ergueu a bandeira dos Reis e exibiu os símbolos da casa de Elendil. Vai permitir que sejam contestados"?

- Não - disse Aragorn. - Mas acho que ainda é cedo, e não desejo disputas, a não ser com nosso Inimigo e seus servidores.

E o Príncipe Imrahil disse:

- Se alguém que é parente do Senhor Denethor puder aconselhá-lo nesta questão, digo-lhe, senhor, que suas palavras são sábias. Ele é um homem obstinado e altivo, mas também é velho; sua disposição tem estado estranha desde que o filho foi atacado. Apesar disso, não gostaria que ficasse como um mendigo na porta.

- Não como um mendigo - disse Aragorn. - Diga como um capitão dos guardiões, que não estão acostumados a cidades e casas de pedra. - Ordenou então que sua bandeira fosse recolhida, e retirou a Estrela do Reino do Norte, deixando-a aos cuidados dos filhos de Elrond.

Então o Príncipe Imrahil e Éomer de Rohan o deixaram, atravessando a Cidade e o tumulto do povo, subindo para a Cidadela; chegaram ao Salão da Torre, procurando o Regente. Mas encontraram vazia a sua cadeira, e diante do estrado jazia em câmara ardente Théoden, Senhor da Terra dos Cavaleiros; doze tochas erguiam-se ao redor de seu corpo, e doze homens o guardavam, cavaleiros de Rohan e de Gondor. Os ornamentos do leito de morte eram verdes e brancos, mas o rei fora coberto até o peito com um grande tecido dourado, sobre o qual repousava a espada desembainhada, e aos pés estava o escudo. A luz das tochas reluzia em seus cabelos brancos como o sol contra o jato de uma fonte, mas o rosto era belo e jovem; apesar disso, expressava uma paz além do alcance da juventude; o rei parecia estar dormindo.

Após terem ficado em silêncio por um tempo ao lado dele, Imrahil disse: - Onde está o Regente? E onde está Mithrandir"?

Um dos guardas respondeu:

- O Regente de Gondor está nas Casas de Cura. Mas Éomer disse:

- Onde está a Senhora Éowyn, minha irmã? Certamente deveria estar deitada ao lado do rei, merecendo as mesmas honras. Onde a puseram?

E Imrahil disse:

- Mas a Senhora Éowyn ainda estava viva quando a trouxeram para cá. Você não sabia?

Um alento inesperado chegou tão de repente ao coração de Éomer, e com ele a fisgada da preocupação e do medo renovados, que ele não disse mais nada, e deixou apressado o salão. O Príncipe o seguiu. Quando saíram, a noite já caíra e viam-se muitas estrelas no céu. E lá vinha Gandalf a pé, acompanhado de alguém envolto numa capa cinzenta; encontraram-se diante das portas das Casas de Cura.

Saudaram Gandalf e disseram:

- Estamos á procura do Regente, e disseram que ele está nesta Casa. Ele está ferido? E a Senhora Éowyn, onde está ela?

Gandalf respondeu:

- Ela está lá dentro e ainda está viva, mas ás portas da morte. Mas o Senhor Faramir foi ferido por uma flecha maligna, como ouviram falar, e ele agora é o Regente; Denethor partiu, e de sua casa só restam cinzas.

- Os dois se encheram de surpresa e dor ao ouvir tal relato. Mas Imrahil disse:

- Então a vitória carece de alegria, e pagamos por ela um preço amargo, se num só dia Gondor e Rohan ficaram privadas de seus senhores. Éomer governa os rohirrim. Quem deverá governar a Cidade enquanto isso? Não devemos agora mandar chamar o Senhor Aragorn?

O homem coberto com a capa disse:

- Ele já chegou. - Então os outros perceberam, no momento em que ele se aproximou da luz da lamparina perto da porta, que se tratava de Aragorn, envolto na capa cinzenta de Lórien que cobria sua armadura, trazendo como insígnia apenas a pedra verde de Galadriel. –Vim porque Gandalf me pediu - disse ele. - Mas por enquanto sou apenas o Capitão dos Dúnedain de Amor; e o Senhor de Doí Amroth deverá governar a Cidade até que Faramir desperte. Mas tenho a opinião de que Gandalf deveria nos governar a todos nos dias que se seguirem em nossas negociações com o inimigo.

- Todos concordaram com isso. Então Gandalf disse:

- Não fiquemos parados aqui na porta, pois o tempo urge. Vamos entrar! Pois só com a chegada de Aragom haverá esperança para os enfermos que jazem na Casa. Pois assim falou Ioreth, mulher sábia de Gondor: As mãos do rei são as mãos de um curador, e dessa forma o verdadeiro rei será conhecido.

Aragorn entrou primeiro e os outros o seguiram. À porta estavam dois guardas, vestidos com o uniforme da Cidadela: um era alto, mas o outro mal atingia a altura de um menino; este último, quando os viu, gritou de alegria e surpresa.

- Passolargo! Esplêndido! Sabe, achei que era você nos navios negros. Mas estavam todos gritando corsários, e não quiseram me ouvir. Como fez aquilo?

Aragorn riu e segurou a mão do hobbit.

- É realmente bom encontrá-lo! - disse ele. - Mas ainda não é hora de contar histórias de viajantes.

Mas Imrahil disse a Éomer:

- É assim que dirigimos a palavra a nossos reis? Mas talvez ele assuma a corôa sob um outro nome!

E Aragorn, ouvindo aquilo, voltou-se e disse: - Realmente, pois na língua nobre de antigamente sou Elessar, a Pedra Élfica, e Envinyatar, o Renovador: - ergueu então a pedra que repousava sobre o peito. - Mas "Passolargo" será o nome de minha casa, se esta vier a se estabelecer. Na língua nobre, o nome não soará tão mal, e serei Telcontar, assim como todos os herdeiros de meu corpo.

enfermos estavam sendo cuidados, Gandalf contou os feitos de Éowyn e Meriadoc. - Pois - disse ele - fiquei um longo tempo ao lado deles, e no inicio falavam muito em seus sonhos, antes de mergulharem na escuridão mortal. Além disso, foi-me concedido o poder de ver muitas coisas distantes.

Aragorn foi primeiro ver Faramir, depois a Senhora Éowyn e por último Merry. Após olhar os rostos dos enfermos e examinar seus ferimentos, suspirou.

- Aqui devo exercer todo o poder e a habilidade que me foram concedidos – disse ele. - Como queria que Elrond estivesse conosco, pois ele é o mais velho de nossa raça, e possui os maiores poderes.

E Éomer, vendo como ele estava infeliz e cansado, disse:

- Primeiro precisa descansar, com certeza, e no mínimo comer alguma coisa. Mas Aragom respondeu:

- Não, pois para estas três pessoas, principalmente para Faramir, o tempo está se esgotando. Precisamos de toda a rapidez.

Então chamou Ioreth e disse:

- Há nesta Casa algum estoque das ervas de cura?

- Sim, senhor - respondeu ela -; mas acho que não temos o suficiente para todos os que necessitam. Mas não tenho idéia de onde poderemos encontrar mais; falta tudo nestes dias terríveis, por causa dos fogos e incêndios, do reduzido número de meninos mensageiros, e das estradas bloqueadas. Já faz dias sem conta que um transportador que um transportador veio de Lossarnach com provisões! Mas fazemos o possível nesta Casa com o que possuímos, como tenho certeza que Vossa

Senhoria verá.

- Julgarei quando vir - disse Aragorn. - Uma coisa também está escassa, tempo para conversas. Você tem athelas?

- Essa eu não conheço, senhor - respondeu ela -, pelo menos não por esse nome. Vou perguntar ao nosso mestre-de-ervas; ele conhece todos os nomes antigos.

- Também é chamada folha-do-rei - disse Aragorn -; talvez você a conheça por esse nome, pois assim as pessoas do campo a chamam nestes últimos tempos.

- Ah, essa! - disse Ioreth. - Bem, se Vossa Senhoria tivesse mencionado esse nome primeiro, eu poderia ter-lhe dito antes. Não, não temos nem um pouco, com certeza. Ora, nunca ouvi dizer que essa erva tivesse grandes poderes de cura; na verdade disse várias vezes a minhas irmãs quando a encontrávamos na floresta: "Folha-do-rei", dizia eu, "nome esquisito, e fico pensando o motivo desse nome; pois, se eu fosse um rei, teria plantas mais belas em meu jardim." Mas ela exala um cheiro doce quando é esmagada, não é mesmo? Se "doce" for a palavra certa: talvez seja mais correto dizer "saudável".

- Realmente saudável - disse Aragorn. - E agora, dama, se você ama o Senhor Faramir, vá com a mesma agilidade de sua língua e me traga folha-do-rei, nem que haja uma só folha na Cidade.

- E se não houver - disse Gandalf - vou a Lossarnach a cavalo com Ioreth na garupa, e ela me levará até a floresta, mas não até as irmãs dela. E Scadufax poderá ensinar-lhe o que significa pressa.

Depois que Ioreth partiu, Aragorn pediu que as outras mulheres providenciassem água quente. Então tomou a mão de Faramir nas suas, e pousou a outra mão na fronte do enfermo. Estava molhada de suor, mas Faramir não se moveu nem fez qualquer sinal; mal parecia estar respirando.

- Ele está quase morto - disse Aragorn voltando-se para Gandalf. - Mas não é por causa do ferimento. Veja! Está cicatrizando. Se Faramir tivesse sido golpeado por algum dardo dos nazgúl, como você pensou, teria morrido na mesma noite. Esse ferimento foi

feito por alguma flecha dos sulistas, suponho eu. Quem a retirou? Ela foi guardada? - Eu a retirei - disse Imrahil - e estanquei o sangue. Mas não guardei a flecha, pois tínhamos muito a fazer. Pelo que recordo, era um dardo do tipo usado pelos sulistas. Mas achei que tinha vindo das Sombras do alto, pois caso contrário não haveria como entender a doença e a febre, já que o ferimento não foi profundo nem mortal. Como então interpreta o fato?

- Cansaço, tristeza pela disposição do pai, um ferimento, e acima de tudo o Hálito Negro - disse Aragorn. - Faramir é um homem de vontade firme, pois já chegara perto da Sombra antes mesmo de partir para a batalha nas muralhas externas. A escuridão deve ter-se apossado lentamente dele, no momento em que lutava e ter-se esforçava para proteger ter-seu posto avançado. Ah, se eu pudesse ter chegado aqui mais cedo!

Logo em seguida entrou o mestre-de-ervas.

- Vossa Senhoria solicitou a folha-do-rei, como os rústicos a chamam - disse ele -, ou athelas na língua nobre, ou ainda para aqueles que conhecem um pouco da língua de Valinor...

- Eu a conheço - disse Aragorn -; e não quero saber se você a chama de aséaaranion ou folha-do-rei, contanto que tenha um pouco.

- Desculpe-me, senhor! disse o homem. - Percebo que é um mestre na tradição, e não simplesmente um capitão de guerra. Mas lamento, senhor, nós não guardamos essa coisa nas Casas de Cura, onde cuidamos apenas dos que estão gravemente enfermos ou feridos. Pois essa erva não possui nenhum poder que conheçamos, talvez apenas o de suavizar um ar pestilento, ou afastar alguma aflição passageira. A não ser, é claro, que se dê importância às rimas de dias antigos, que as mulheres como nossa boa Ioreth ainda repetem sem entender:

Quando o sopro negro desce e a sombra da morte cresce e toda a luz se desfaz, vem athelas! vem athelas! Vida dos que morrendo estão, Que o rei detém em sua mão.

Não passam de antigos versos mal feitos, receio eu, deturpados na memória das

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