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Capítulo 1 – OS TUPINAMBÁ NO BRASIL COLONIAL

1.3. As categorias de idade

Fernandes (ibid.) estudou os agrupamentos dos indivíduos que possuíam atributos naturais em comum, especificados culturalmente pelos Tupinambá, a saber, sexo e idade.

Havia para cada sexo seis categorias de idade, sendo que a primeira era comum aos dois gêneros. Com a análise dos dados disponíveis, Fernandes conclui que “a organização das

capacidades das energias humanas se processava graças ao adestramento dos indivíduos, através das relações sociais criadas pelo sistema de categorias de idade” (ibid., p. 257). Assim, a sociedade sabia “o que esperar e o que exigir de um indivíduo” (idem).

A tabela 1, baseada em Fernandes (1989), apresenta as categorias de idade.

TABELA 1 – Categorias de idade

Categoria Faixa etária Designação masculina Designação feminina

1 do nascimento até começar a andar Peitan Peitan

2 dos primeiros passos até os 7 anos Kunumy-miry Kugnatim-miry

3 de 7-15 anos Kunumy Kugnatim

4 15-25 anos Kunumy-uaçu Kugnammuçu

xxx homem casado Mendar-amo xxx

xxx mulher casada xxx Kunammuçupoare

xxx mulher grávida xxx Puruabore

5 25-40 anos Aua Kugnam

6 40 anos em diante Thuyuae Uainuy

Na primeira categoria, indivíduos do sexo masculino e feminino recebiam a mesma designação, peitan. Como visto nas páginas anteriores, era nesta fase que o indivíduo era um perigo para a sociedade, sendo alvo dos ritos de nascimento. Nesta fase eram os indivíduos extremamente dependentes da mãe, que era responsável por lhes oferecer conforto e alimento (FERNANDES, 1989). Fernandes observa que a mãe era “a primeira mentora de vários adestramentos importantes” (ibid., p. 224).

Na próxima categoria, os indivíduos do sexo masculino e feminino recebiam, respectivamente, a designação de kunumy-miry e kugnatin-miry. Nesta fase, os indivíduos andavam em grupos desenvolvendo atividades com fins de adestramento e recreativos. Essas atividades variavam de acordo com o sexo.

Os meninos aprendiam a manusear arco e flecha. As meninas também se reuniam em grupos infantis, ajudavam as mães na fiação de algodão e reproduziam o processo de fabricação de artesanatos. Ambos cantavam, dançavam, tendo como base o mundo adulto.

Para Fernandes (ibid.), o jogo desempenhava uma função educativa, contribuindo para o adestramento. Estas atividades informais visavam o adestramento dos indivíduos para as situações concretas do cotidiano. A esse respeito retornarei.

Se uma criança morria nessa idade, esta era chamada de ykunumirmee-seon, menino morto na infância. De acordo com Évreux (op. cit.), era comum os pais lastimarem seus filhos em cerimônias de lamentação.

A cerimônia da perfuração dos lábios dos meninos ocorria nesta fase. Nela já se observava se o menino seria um bom guerreiro, caso se comportasse com valentia, ou um covarde, no caso de chorar ou reclamar de dores (FERNANDES, op. cit.).

Métraux (op. cit.) resgata o relato de Abbeville ao tratar da cerimônia de perfuração de lábios dos meninos, colocando-a no mesmo nível do ritual da primeira menstruação das meninas, também conhecida como menarca. Para Métraux (op. cit.), a transição da infância para a puberdade entre os rapazes ocorria muito antes da época real, e era marcada pelo uso do tembetá de madeira, deixando-o somente em idade matrimonial.

Segue o relato de Abbeville:

[...] os índios convidam todos os parentes e amigos do menino a quem se pretende perfurar o lábio, inclusive os habitantes da aldeia e das circunvizinhanças, preparando um festim regado a vinho, a que dão o nome de cauim. E, após

cauinarem e dançarem, segundo o seu costume, dois ou três dias, mandam vir o menino e dizem-lhe que lhe vão furar o beiço para que ele se torne um guerreiro valente e afamado. A criança, assim encorajada, apresenta espontaneamente o lábio, satisfeita e decidida; pega-o então o índio incumbido da operação e atravessa-o com um chifrezinho, ou qualquer outro osso pontiagudo, fazendo-lhe um grande furo. Se o menino grita ou chora — o que raramente sucede —, dizem-lhe os índios que o mesmo não prestará para nada e será sempre um medroso ou covarde; se, ao contrário, segundo ocorre comumente, a criança se mostra forte e corajosa, tiram do fato um bom augúrio, afirmando que será, mais tarde, grande, bravo e valente guerreiro (op. cit., p. 214).

Figura 5 – Forma e uso do tembetá e o artefato utilizado para perfuração

A designação da próxima categoria era kunumy e kugnatin, termos masculino e feminino, respectivamente.

Os indivíduos do sexo masculino começavam “a acompanhar os pais, tomando parte de seu trabalho e aprendendo com eles os conhecimentos necessários à sua vida social” (FERNANDES, 1989, p. 226), o pai sendo “o modelo do filho, e seu mestre por excelência adestrando-o e preparando-o para a vida de adulto” (ibid., p. 227).

Na mesma direção, as mães tronavam-se modelos e mestras para as filhas. Nesta fase, as mulheres deveriam aprender e adquirir as habilidades necessárias para governar um lar.

Era nessa fase que a mulher passava pelo ritual de puberdade, estando apta ao matrimônio. Este ritual tinha grande importância não só pelo social, pois, como visto habilitava a moça ao casamento, mas tinha interferência na personalidade da mulher, além de sériais implicações sobrenaturais. “Os perigos consistiam em forças sobrenaturais negativas e na possibilidade de desenvolvimento anormal da mulher (dentes fracos, ventre contrito, etc.)” (FERNANDES, ibid., p. 229).

Os kunumy-uaçu, com exceção da guerra, realizavam as principais atividades masculinas. As kugnammuçu já realizavam todos os serviços atribuídos a uma mulher, casavam-se e tinham filhos (FERNANDES, ibid.). Vê-se que o reconhecimento social era alcançado mais cedo pelas mulheres do que pelos homens.

O casamento para o homem somente acontecia quando este estava na fase de aua, sendo uma “consequência do reconhecimento da maturidade social de um homem” (FERNANDES, ibid., p. 230). Fernandes considera essa fase a mais importante na vida do individuo do sexo masculino, embora não fosse nesta fase que possuíam poder e prestígio.

Eram admitidos regularmente nos bandos guerreiros e podiam participar plenamente das vivências da personalidade masculina na sociedade tupinambá. Vários acontecimentos ocorriam então: o sacrifício da primeira vítima, a renomação, o casamento e a inclusão no círculo de adultos (FERNANDES, 1976, p. 75).

Tamendonare, um dos principais heróis míticos dos Tupinambá, era bom chefe de casa, pai de família e que se regozijava no cultivo da terra (THÉVET, op. cit.), sendo que estes atributos eram considerados ideais para os aua.

Em paralelo aos aua estavam as kugnam, estas tinham muitas atividades no grupo doméstico, ocupando-se diretamente da educação dos filhos, podendo dedicar-se ao xamanismo (FERNANDES, 1976).

A última fase da vida de um homem era designada como thuyuae. Nesta fase o homem Tupinambá recebia as mais altas honras, respeito e admiração. Interpretavam e apresentavam soluções aos acontecimentos baseando-se nas tradições (FERNANDES, 1989; 1976).

Cabia aos thuyuae os discursos públicos realizados à noite ou ao amanhecer, através dos quais perpetuavam as tradições tribais, sendo “um dos principais mecanismos de educação dos jovens” (FERNANDES, 1989, p. 240). Seu trabalho era facultativo, porém para servirem de exemplo aos mais jovens, trabalhavam espontaneamente. Sobre os anciões, retornarei ainda neste capítulo.

Uainuy era a última fase da vida das mulheres. Eram as mestras das moças, transmitiam-lhes os conhecimentos e técnicas tribais.

Presidiam todos os serviços domésticos, a fabricação do cauim; carpiam os mortos; cuidavam da preparação das carnes das vítimas, humanas ou animais; desempenhavam os papéis de mestras das noviças, iniciando-as nos mistérios da vida feminina; e participavam de várias reuniões tribais, ocupando lugar especial (FERNANDES, 1976, p. 77).

De acordo com informações de Évreux (op. cit.), as mulheres mais velhas podiam dedicar-se a atividades xamânicas. No subitem sobre o sistema político falo um pouco mais da atividade xamânica realizada por mulheres.

As atividades dos kunnumys e kugnatins, nos grupos infantis, eram situações reais, extraídas do mundo adulto (FERNANDES, 1989).

Por isso, nos exercícios de pontaria, na caça ou na pesca — os meninos; na fiação, na tecelagem ou nos trabalhos domésticos — as meninas; nas danças e nos cantos — ambos, meninos e meninas — viviam antecipadamente, em seus grupos infantis, situações existenciais da comunidade (ibid., p. 247).

As diferenças culturais significativas eram percebidas de forma mais nítida a partir da terceira categoria de idade, kunumy e kugnatim, designação masculina e feminina, respectivamente. Nesta etapa ocorria o adestramento dos jovens pelos mais velhos, “que consistia em prepará-los para os papéis que lhes seriam atribuídos posteriormente, como homens ou mulheres” (idem).

O desenvolvimento do indivíduo se dava de forma gradual, adquirindo conhecimentos e experiências relativas a cada categoria de idade.

Sobre a longevidade dos Tupinambá, sabemos que viviam bastante. Fernandes (ibid.) diz que quase todos os cronistas afirmavam ter conhecido pessoas de 100, 120, 140 e de até 180 anos de idade.