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Elementos expostos

1.8 As Causas dos Incêndios Urbanos

Nesta secção desenvolve-se a sistematização de estudos realizados no domínio do risco de incêndios urbanos, com maior enfoque na discussão das variáveis consideradas como fatores condicionantes. Uma das questões incontornáveis quando se aborda o tema sobre incêndios urbanos tem sido: porque acontecem os incêndios? A propósito desta questão, muitos trabalhos foram desenvolvidos, tendo chegado a conclusões que, embora contextualizadas, apresentam alguma similaridade em relação aos fatores condicionantes. Em relação às variáveis utilizadas nesses estudos, é possível verificar que são escolhidas em função da finalidade de cada trabalho, das características da área de estudo e da disponibilidade da informação. Ainda assim, algumas variáveis são comuns na maioria dos trabalhos, nomeadamente o histórico de incêndios, as instalações elétricas, a tipologia dos edifícios, a acessibilidade e a capacidade de resposta dos bombeiros.

Pese embora alguns incêndios urbanos resultem de causas naturais, como são os casos de raios por trovoadas, tempestades e sismos, vários estudos nesta área defendem

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que os incêndios urbanos têm como causa principal as instalações elétricas defeituosas, sobrecarregadas e/ou sem manutenção adequada (e.g. Primo, 2008; Vicente et al., 2010; Tonelli, 2011; Lopes et al., 2011). Para além das instalações elétricas, outras causas apontadas incluem o uso inadequado de eletrodomésticos, a falta de cuidados com o uso de velas ou candeeiros, o manuseamento incorreto de substâncias perigosas, sendo que, igualmente, podem intervir fatores naturais ou de tipo intencional, estas últimas, tratadas geralmente em fórum criminal (Warda et al., 1999; Palomino, 2001; Istre et al., 2002).

A United Nations International Strategy for Disaster Reduction aponta os incêndios urbanos como um dos maiores problemas das cidades e relaciona-os com fatores como a elevada densidade infraestrutural e populacional, o uso de materiais de construção potencialmente perigosos e o uso irregular de instalações elétricas (UNISDR, 2012). Com efeito, muitos incêndios são causados por comportamentos de risco associados ao desconhecimento ou à negligência de práticas seguras, que podem incluir ligações clandestinas e sobrecargas de utilização (Gomes, 1998; Melo, 1999; Alves, 2005).

Santos et al., (2011), num trabalho sobre a avaliação do risco de incêndios em núcleos urbanos antigos, destacam os seguintes fatores condicionantes: a elevada densidade de edifícios e as reduzidas distâncias de afastamento que apresentam entre si; a partilha de paredes entre edifícios; a adaptação inadequada de edifícios para usos não habitacionais; a proliferação de edifícios degradados ou devolutos; e a existência de instalações elétricas antigas, frequentemente improvisadas, evidenciando ações de manutenção inadequadas.

Furness & Muckett (2007) indicam como causas de incêndios urbanos os aparelhos e instalações elétricas, fogões e outros equipamentos de cozinha e instalações associadas, aquecedores ou sistemas de aquecimento de residências, químicos e outros materiais inflamáveis, cigarros e materiais associados, e lixo acumulado ou deficientes sistemas de gestão de resíduos. Sobre as instalações elétricas, os autores

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indicam algumas das falhas mais comuns que culminam com a ocorrência de incêndios, nomeadamente: o uso incorreto de certos tipos de cabos; a colocação de cabos elétricos sobre ou perto de materiais combustíveis, geralmente em telhados vazios ou tetos falsos; o uso de cabos danificados ou facilmente corrosíveis, de disjuntores ou fusíveis danificados e de objetos metálicos sem isolamento como pregos; a acumulação de lixo combustível em quadros de distribuição e transformadores; e instalações elétricas impróprias ou improvisadas (Santos et al., 2011).

Sobre o mesmo assunto, Maguire (2004) alerta para o sobreaquecimento de instalações elétricas e refere que, como o calor é gerado quando a corrente elétrica passa por um condutor, será necessário a tomada de providências nesse tipo de instalações para que se garanta a sua dissipação segura, evitando, por exemplo, a obstrução ou cobertura dos dissipadores de calor e grelhas de ventilação em eletrodomésticos. Segundo a autora, a negligência no uso de certos eletrodomésticos é a principal causa de incêndios relacionados com a eletricidade.

Silva (2011) estudou o risco de incêndios causados por eletricidade no Brasil, tendo constatado que, no Estado de São Paulo, a eletricidade é o segundo fator mais determinante na ocorrência de incêndios, logo depois de fogo posto, e constitui o primeiro fator de ativação acidental, representando 38,9 % dos casos estudados. Como medidas de prevenção, o autor propôs uma gestão eficiente das instalações elétricas, que inclui a sua proteção contra sobrecargas e curto-circuitos, picos de energia de cargas atmosféricas, choques elétricos, efeitos térmicos, para além da necessidade de uma rigorosa verificação de segurança no processo de seleção, instalação e manutenção através de exame de documentação, inspeção visual ou por meio de ensaios não destrutivos (Silva, 2011).

Noutro registo, Twibell (2004), embora reconheça a contribuição das instalações elétricas como fator de incêndios urbanos, critica a fiabilidade das estatísticas por estas, muitas vezes, basearem-se em relatórios dos bombeiros nem sempre

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tecnicamente preparados para investigar a real origem do incêndio. O autor destaca que em alguns casos basta a simples presença de um fio elétrico sobre os escombros para que se conclua que o incêndio teve origem num curto-circuito quando, no seu entender, o incêndio pode ter sido a causa e não a consequência do curto-circuito. De acordo com pesquisas da National Fire Protection Association (NFPA), de 2005 a 2009, nos Estados Unidos da América, os incêndios em residências tiveram como origens: equipamentos de cozinha, aquecedores, fogo posto, instalações elétricas, cigarro, máquinas de lavar e secar roupa, velas acesas, fogo vindo do exterior, e outras causas (Karter, 2011). Segundo o mesmo estudo, os equipamentos de cozinha constituem o principal fator de incêndios em edifícios residenciais, sendo que durante um período de cinco anos (2005-2009), as autoridades norte americanas de combate ao fogo atenderam por ano, cerca de 155.400 incêndios em residências envolvendo esse tipo de equipamentos, tendo causado 390 vítimas mortais, 4.800 feridos e um prejuízo material de 771 milhões de dólares (Karter, 2011).

Bruno (2010) ao estudar os incêndios em favelas da cidade brasileira de São Paulo identificou como fatores de risco a configuração urbanística desse tipo de assentamentos, assim como a alta taxa de ocupação, tanto domiciliar como populacional, dificuldades das vias de acesso, precariedade de infraestruturas e serviços públicos, nomeadamente o fornecimento de eletricidade. Aliás, para esta autora, as instalações elétricas foram, entre 2001 e 2003, a principal causa de incêndios em São Paulo.

Por seu turno, Brandão (2012) avaliou a suscetibilidade dos incêndios urbanos concentrando a sua análise em alguns edifícios da Avenida Sousa Cruz em Santa Tirso, Portugal. Utilizando a metodologia ARICA simplificada, o autor identificou como causas dos incêndios as deficiências no funcionamento de eletricidade ou de equipamentos elétricos que são, muitas vezes, responsáveis pelo desencadeamento dos incêndios em edificações. Este autor destaca ainda como fatores influentes na ocorrência de

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incêndios a negligência humana em relação ao uso de equipamentos elétricos, velas, cigarro e outros materiais potencialmente perigosos.

Em relação ao consumo de tabaco, apesar das imagens de cigarros e fósforos esquecidos sobre cinzeiros serem comummente utilizadas em campanhas de sensibilização sobre o perigo de incêndios, incidentes causados por esse tipo de materiais continuam a ocorrer. Sabe-se que em caso de um cigarro ou palito de fósforo acesos caírem sobre alguma peça de roupa ou diretamente no colchão ou sofá, há uma grande probabilidade de se desencadear um incêndio com consequências imprevisíveis, principalmente se as vítimas forem menores de idade, idosos ou incapazes devido à sua fraca mobilidade e capacidade de ajuizar a presença do perigo e solicitarem auxílio. Maguire (2004) aponta o descuido com o cigarro aceso e com outros materiais dos fumadores como uma das causas mais frequentes dos incêndios urbanos. No mesmo sentido, uma pesquisa da NFPA refere que, em 2008, as autoridades de segurança contra o fogo nos EUA responderam a cerca de 114.800 casos de incêndios cuja origem esteve relacionada com o fogo de fumadores (Hall, 2010). Segundo o mesmo estudo, os incêndios relacionados com negligência com o fogo em fumadores resultaram em 680 mortes, 1.520 feridos para além de aproximadamente 737 milhões de dólares em danos materiais. Os dados mostram que uma em cada quatro vítimas fatais é uma terceira pessoa, diferente do fumador que negligenciou o fogo (Hall, 2010).

No que se refere às velas, a NFPA estima que, nos EUA, foram um dos principais fatores de incêndios em edifícios residenciais numa média de 12.860 casos/ano, entre 2005-2009 (35 ocorrências por dia). Estes incêndios causaram anualmente 136 mortes, 1.041 feridos e 471 milhões de dólares em danos materiais. Estes dados representam 3 % de todos os casos de incêndios reportados, correspondem a 5 % de mortes, a 8 % de feridos e a 7 % de danos materiais como consequência direta de incêndios (Ahrens, 2011). O mesmo estudo indica que aproximadamente 1/3 dos incêndios de vela tiveram o seu início em quartos (Ahrens, 2011).

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Com caráter descritivo, Istre et al. (2002) analisaram o grau do risco de incêndio em residências tendo como grupo alvo crianças. Os autores pretendiam inventariar o número de mortos e feridos vítimas de incêndios em Dallas e identificar as respetivas causas. O estudo concluiu que a maior parte das vítimas de incêndios em residências eram crianças com idade inferior a 5 anos. Os autores concluíram ainda que os incêndios ocorrem com maior incidência em bairros pobres e que a principal causa de deflagração do fogo é a negligência dos pais ou encarregados de educação ao deixarem crianças na posse de fósforos, velas e isqueiros.

Rocha (2012), num trabalho sobre incêndios urbanos no Concelho da Amadora, Portugal, conclui que as áreas com mais incidência de incêndios são caracterizadas pela presença de núcleos degradados, antigos e com uma maior densidade populacional e onde se utiliza como combustível doméstico o gás de botija. Por seu turno, o uso de soldadura é outro fator que influencia na ocorrência de incêndios de origem térmica (Vicente et al., 2010). Adicionalmente, Lopes et al. (2011) incluem na lista dos fatores condicionantes dos incêndios a existência de instalações técnicas. Numa perspetiva de engenharia de construção civil, um estudo sobre os fatores que potenciam o risco de incêndio em assentamentos urbanos precários numa área de ocupação irregular, localizada na Região do Guarituba, Curitiba, Estado do Paraná no Brasil, constatou que a elevada densidade da carga de incêndio, o perigo de generalização devido à ausência de afastamentos mínimos entre as edificações e a ineficiente resistência ao fogo dos elementos de vedação dos compartimentos, aliados ainda à presença de instalações elétricas clandestinas e a utilização de velas num número significativo de edificações, configuraram os fatores que potenciavam o risco de incêndio no local (Baranoski, 2008). Na mesma perspetiva, Coelho (2010), destaca o tipo de utilização do edifício e o seu estado de conservação como fatores relevantes para o risco de incêndios.

A partir dos dados do histórico de ocorrências coletados pelos bombeiros, Wang et al. (2011) estudaram a distribuição espácio-temporal dos incêndios urbanos comparando

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a situação de três cidades chinesas (Beijing, Jinan, Hefei) com níveis diferentes de urbanização. O estudo conclui haver relação entre o risco de incêndios e o nível de urbanização, sendo que, por um lado, o rápido processo de urbanização pode significar a redução de incêndios devido à melhoria das condições da vida das pessoas, e por outro lado, tal pode significar o aumento do risco de incêndios devido ao aumento da densidade populacional e da edificação, a produção do lixo, o aumento do consumo de eletricidade e gás, fatores potenciadores do risco.

Pasqual & Montoya (1994) estudaram as implicações socioeconómicas dos incêndios em Passo Fundo no Brasil, abrangendo um período de 12 anos. Neste trabalho os autores também analisaram as causas e consequências dos incêndios numa perspetiva económica. Das conclusões a que os investigadores chegaram, destacam-se a relação estabelecida entre o crescimento populacional e a ocorrência dos incêndios. Para eles os incêndios tendem a aumentar à medida que o número da população cresce, uma vez que tal crescimento foi acompanhado pela construção desordenada de habitações e o consequente incremento da vulnerabilidade, na área estudada.

Santos et al. (2011), num trabalho visando a criação de uma ferramenta de apoio à elaboração de um plano de emergência para os núcleos urbanos antigos da cidade do Seixal em Portugal, concluíram que as instalações técnicas de abastecimento de eletricidade e gás, o desconhecimento de práticas seguras por parte das populações residentes e a existência de edifícios devolutos constituem alguns dos principais fatores condicionantes dos incêndios. Com efeito, o estudo constatou que a rede de eletricidade apresentava características que potenciavam a ocorrência de incêndios como a ausência de disjuntores, a precariedade de instalações, a existência de redes antigas com ligações diretas e desprotegidas. Sobre o edificado, o estudo refere ainda que existe uma prática de risco que consiste na alteração do uso e funcionalidade dos edifícios sem nenhuma observância às regras de segurança contra incêndios. Dos problemas identificados pela pesquisa consta ainda a demora de alerta aos bombeiros e a acessibilidade limitada aos núcleos estudados.

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Shai (2006) analisou a correlação dos fatores demográficos e sociais com o número de vítimas de incêndios em Philadelphia, nos EUA. No estudo abrangeu 1563 feridos vítimas de incêndios com base em dados de um período de 9 anos, utilizando como método de análise a regressão múltipla. Os resultados do estudo indicam haver uma forte correlação entre a idade das construções e a renda familiar com a ocorrência dos incêndios.

Kachenje et al. (2010), num estudo realizado na cidade tanzaniana de Dar es Salaam, avaliaram o risco de incêndios urbanos a partir da verificação do nível de sensibilização do público sobre o uso de equipamentos de combate a incêndios. Os dados coletados por meio de observação e entrevista com gestores de construção civil, usuários e informantes-chave revelaram a existência de alto risco de incêndio na maioria dos edifícios estudados. O estudo demonstrou ainda a existência de deficiências na componente de capacitação das populações para o uso dos meios de combate a incêndios (Kachenje et al., 2010).

Barnwell, et al. (2005) estudaram os incêndios urbanos no Município de Anchorage na Alaska com base na modelação do risco de incêndios florestais durante 4 anos. Neste Município os incêndios florestais têm a especial característica de rapidamente se transformarem em incêndios urbanos. A construção do modelo considerou as seguintes variáveis: o histórico de incêndios; o declive; a coberta vegetal e o tipo de uso do solo; a temperatura e a humidade; as vias de acesso; os elementos expostos (pessoas, bens, recursos naturais, infraestruturas de lazer); elementos essenciais de combate a incêndios como a capacidade de resposta operacional dos bombeiros e a localização das fontes de água (Barnwell, et al., 2005).

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1.9 Estudos Anteriores de Risco de Incêndio Urbano na Escala Municipal ou

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