• Nenhum resultado encontrado

3.4 QUAL O FUTURO DAS CEBs?

3.4.1 As CEBs estão em Crise?

Sobre o discurso da crise, declínio, ou mesmo fim das CEBs, alguns autores entendem que as CEBs vivem uma crise, cujas causas passam pela perseguição ou total abandono pelas autoridades eclesiásticas, o afastamento da Igreja do ideal comunitário e a adesão a experiênc ias subjetivas de fé. Porém, outros autores preferem ler esse momento como a fase da reinvenção das CEBs diante da conjuntura atual.

Uma ilustração sobre a crise e suas causas, é a posição da Arquidiocese de João Pessoa sobre as CEBs comparados dois perfis de arcebispados. Os Arcebispos Eméritos Dom José Maria Pires e Dom Marcelo Pinto Cavalheira, entendiam a pobreza não por um acaso da vida, mas resultante de um sistema desigual, por isso animaram o crescimento das CEBs na região. Inversamente, Dom Aldo di Cillo Pagotto afastou a arquidiocese de causas sociais, em busca de valores morais, afirmando que as CEBs “desaguaram” em movimentos sociais de esquerda que só produzem invasões e badernas. A dureza do bispo rendeu, uma carta aberta à CNBB e à nunciatura apostólica em 2010, onde leigos, religiosas e sacerdotes pediram, e conseguir a m, seu afastamento. (SANTOS, 2015).

O autor em questão afirma que:

No que diz respeito às três últimas décadas, tornou -se convencional falar de crise e desestruturação das CEBs. É como se esse modelo de catolicismo, que colocava a ação salvífica de Deus como uma ação que acontece na história, através das lutas coletivas do homem pelo bem comum, tivesse caído no esquecimento, dando vez a um catolicismo de retorno à sacristia (SANTOS, 2016, p.73).

Sergipe viu essa volta a sacristia na pessoa de Dom Luciano ao afastar a Arquidioce se de Aracaju das questões sociais enfrentadas anteriormente por Dom Távora; em Dom Lessa ao fechar por um decreto a CPT criada por Dom Brandão. Ambos desejavam uma volta à grande disciplina com um catolicismo mais espiritualizado, menos local e mais fiel à Roma.

Outro desafio às CEBs foi o estímulo à fé carismática, individualista, moralizado ra, conservadora e emocional para se adaptar à modernidade e ao neoliberalismo, contra a Teologia da Libertação e as CEBs. Esse estímulo se concretizou quando João Paulo II substitui os bispos afinados com as questões sociais por bispos carismáticos e, essa nova configuração episcopal, deu impulso ao crescimento da Renovação Carismática Católica na Igreja do Brasil. (SANTOS, 2016, p.73-75).

86 A Renovação Carismática Católica é um movimento nascido nos EUA sob a influê nc ia do pentecostalismo não-católico, por isso se assemelha às igrejas pentecostais nas experiênc ias subjetivas de conversão, na auto-atribuição de missão, na ênfase religiosa individual, na fala direta a Deus com pouca mediação eclesiástica, na prática religiosa emocional, na "demonização" do espiritismo e das religiões afro-brasileiras, nas práticas religiosas centradas na cura, na fé em busca de soluções de problemas, na participação política confessional contra projetos que discordem de seus princípios religiosos e nas formações de massa por televisão, rádio, internet e mega-eventos. (ORO e ALVES, 2016, p.222-223)

Sobre política confessional a ação da Comunidade Canção Nova é sintomática, pois nas eleições de 2010, em homilia, o Padre José Augusto pediu que fiéis não votassem na candidata à presidência pelo PT, alegando que o partido apoia aborto, segundo o site “Irmãos Assembleianos”, de membros da Igreja Assembleia de Deus (2010). Inclusive, essa unidade de discurso entre a Canção Nova e segmentos neopentecostais não se dá apenas em sites, mas em decisões legislativas, pois é comum os deputados da RCC se posicionar junto com a bancada “evangélica” em seus pronunciamentos e votos.

Nas eleições de 2014 os líderes da comunidade declararam apoio aos candidatos anti- PT, inclusive postando foto com o candidato Aécio Neves (NASCIMENTO, 2014). Em 2016 os deputados federais da comunidade, Flavinho e Eros, votaram a favor do impeachment de Dilma Rousseff ao lado de deputados da bancada chamada ”Evangélica”, apoiaram a eleição de Jair Bolsonaro a presidência em 2018 e o receberam na comunidade como o Messias defensor da família. Isso acontece porque, na política, enquanto os políticos das CEBs se baseiam na Doutrina Social, reivindicando programas de trabalho, teto, terra e alimentação para as famílias, os da Renovação Carismática se baseiam na Doutrina Moral, reivindicando leis contra aborto, educação sexual e de gênero em escolas.

Sobre a formação em massa, Marcos Volcan, Coordenador Nacional da RCC diz: A pergunta que se faz é: as pessoas estão indo por causa do músico? Por causa da banda? Quais os resultados? Para nós é muito prático, nós olhamos para os nossos grupos de oração no dia seguinte ao evento, e nós vemos que a adesão à Igreja, a adesão aos grupos de oração, a adesão a uma vida mais comprometida, ela é praticamente efêmera (CARRANZA, 2009, p. 43).

Essa dificuldade da Renovação Carismática produzir comprometimento à igreja, demonstra sua tendência em viver experiência de fé pessoal mais que comunitária. Por isso, ao invés de combater essa influência da modernidade e do neoliberalismo na igreja, alguns bispos usaram a esse movimento eclesial como um meio de trazer evangélicos ao catolicismo, porém possibilitaram também novas saídas, pois vários católicos foram pentecostalizados. Essa pentecostalização se tornou problema quando a coube a Renovação Carismática combater a

87 Teologia da Libertação e as CEBs em periferias e zonas rurais, pois as CEBs conseguem se manter católicas na carência de sacerdotes, devido a autonomia que seus líderes possuem, enquanto os “carismáticos” precisam da proximidade ao clero para não enveredar por subjetivismos que a torne vulnerável a cooptação de igrejas pentecostais e neo-pentecostais (ORO E ALVES, 2016, p.222-223)

Conforme exposto no tópico Teologia da Libertação, a perseguição do Cardeal Joseph Ratzinger e do Papa João Paulo II a esta teologia, que dá fundamentação teórica à práxis da CEBs, revelou-se enfraquecedora à existência eclesial dessas comunidades. Portanto, o que se entende por crise das CEBs são frutos de decisões conscientes da própria Igreja, nos pontificados de João Paulo II e Bento XVI, que agiram como papas romanizadores ao fortalecer a identidade romana sobre a igrejas locais. Para isso, ambos elegeram bispos afinados com esse objetivo, puniram teólogos libertadores, deram estímulo à expansão da “espiritualização” como uma ferramenta para tornar a Igreja latino-americana menos social e mais obediente à Igreja de Roma.

Sobre a promoção da Renovação Carismática em Sergipe, Dom Luciano convidou a Comunidade Carismática Shalom para fundar uma casa na arquidiocese e lhe entregou a administração da Rádio Cultura, que havia sido criada por Dom Brandão para a rádio-aulas do MEB. Semelhantemente, Dom Lessa ao assumir a Diocese de Propriá também buscou “espiritualizar” mais a diocese convidando a mesma comunidade carismática para fundar uma casa em Propriá. Ambos não somente convidaram mas ajudaram a comunidade a se estruturar, difundir-se e crescer em vocações nas regiões.