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1.3 COMUNIDADES ECLESIAIS DE BASE

1.3.1 Discurso da Igreja

O primeiro discurso é o da igreja, pois ao serem percebidas dentro das paróquias, as CEBS passaram a aparecer nos documentos oficiais da Igreja Católica, tanto os documentos do Vaticano, quanto do CELAM e da CNBB. Por isso, tais documentos serão alvo de análise na sequência.

Em 1975, o Papa Paulo VI publicou a Exortação Apostólica Evangelii Nuntiandi sobre a evangelização na contemporaneidade, com reflexões oriundas do Sínodo dos Bispos, de 1974. Nessa exortação, o papa borda a percepção da igreja universal sobre pequenas comunidades que se via surgindo nas igrejas locais, buscando refletir sobre o que são e qual o seu papel na missão da igreja.

O Sínodo ocupou-se largamente destas "pequenas comunidades" ou "comunidades de base", dado que, na Igreja de hoje, elas são freqüentemente mencionadas. O que vêm a ser tais "comunidades" e por que é que elas hão de ser destinatárias especiais da evangelização e ao mesmo tempo evangelizadoras? Florescentes mais ou menos por toda a parte na Igreja, a ater-nos ao que sobre isso se disse em vários testemunhos ouvidos durante as sessões do último Sínodo, essas comunidades diferem bastante entre si, mesmo dentro duma só região, e, mais ainda, de umas regiões para outras (PAULO VI, 1975, n. 58).

29 Essa novidade do surgimento das comunidades traz junto a constatação de que tais comunidades são diferentes entre si, mesmo sendo uma mesma expressão de Igreja e, essa diversidade de formas de existir provocaram a dificuldade de produzir um conceito que contemple a totalidade do que eram essas pequenas comunidades.

Ou elas intentarão congregar para ouvir e meditar a Palavra, para os sacramentos e para o vínculo da ágape, alguns grupos que a idade, a cultura, o estado civil ou a situação social tornam mais ou menos homogêneos, como por exemplo casais, jovens, profissionais e outros; ou ainda, pessoas que a vida faz encontrarem-se já reunidas nas lutas pela justiça, pela ajuda aos irmãos pobres, pela promoção humana etc. Ou, finalmente, elas reúnem os cristãos nos lugares em que a escassez de sacerdotes não favorece a vida ordinária de uma comunidade paroquial (PAULO VI, 1975, n. 58). Porém, a maior preocupação do Papa Paulo VI, nesse documento, não era a diversidade existencial das comunidades, mas as informações transmitidas pelos bispos sobre o perfil crítico de seus líderes à hierarquia da igreja e sua aproximação a correntes político-ideológicas.

Estas têm, portanto, como sua característica uma evidente atitude de censura e de rejeição em relação às expressões da hierarquia da Igreja Elas contestam radicalment e esta Igreja. Nesta linha, a sua inspiração principal bem depressa se torna id eológica e é raro que elas não sejam muito em breve a presa de uma opção política, de uma corrente e, depois, de um sistema, ou talvez mesmo de um partido, com todos os riscos que isso acarreta de se tornarem instrumentos dos mesmos (PAULO VI, 1975, n. 58) . Essa não era uma preocupação para a igreja da América Latina, pois o Conselho Episcopal Latino-americano (CELAM), fundado na Conferência do Rio de Janeiro (1955), realizou outras quatro conferências para discutir a situação real e concreta da vida no continent e : Medellín (1968), Puebla (1979), Santo Domingo (1992) e Aparecida (2007).

Dessas, a Conferência de Medellín, já bastante citada anteriormente, marcou a concretização da teologia da libertação como a teoria que deu sentido religioso a toda prátic a social das CEBs, principalmente ao afirmar que se “toda libertação já é uma antecipação da plena redenção de Cristo, a Igreja na América Latina sente-se particularmente solidária com todo esforço educativo tendente a libertar nossos povos”. (MEDELLÍN, 1979, p.23)

Com esse compromisso, a Conferência de Medellín se estruturou sob três temáticas centrais: ‘Promoção Humana’, ‘Evangelização’ e ‘As estruturas da Igreja’. E, em seu documento final, as CEBs aparecem como a base da estrutura da igreja latino-americana, que é composta, horizontalmente, por comunidades cristãs de base, paróquias, vicariatos foranias, zonas, dioceses, conferências episcopais nacionais e organismos continentais.

Porém, as palavras de Clodovis Boff, em ‘A originalidade histórica de Medellín’, apontam que o importante “não é o ‘Medellín histórico’, o que se passou de fato na Assemblé ia do CELAM de 1968; mas sim o ‘Medellín querigmático, o que ele representa em termos históricos” (BOFF, 2018, p.1). Nas palavras deste autor, Medellín impressionou pela audácia de criar a expressão Igreja Latino-americana, que deu caráter fundante ao seu texto final e

30 postura patrística aos bispos presentes. E, foi essa sensação que fez seu irmão, Leonardo Boff, criar a expressão eclesiogênese, como a igreja que está nascendo na América Latina.

Nas conferências seguintes, ocorridas em Puebla, Santo Domingo e Aparecida, as CEBs continuam aparecendo como parte da estrutura da igreja, portanto é tanto o meio quanto o foco da evangelização, porém sem o tom de novidade trazido por Medellín, cabendo às conferênc ias episcopais abordar suas realidades mais próximas. Representando a igreja do Brasil, a CNBB publicou dois documentos específicos sobre as CEBs: “As comunidades Eclesiais de Base na Igreja do Brasil”, publicada em 1982, e “Mensagem ao Povo de Deus sobre as Comunidades Eclesiais de Base”, publicada em 2010.

No primeiro documento da CNBB sobre as CEBs, em 1982, os bispos brasileiros destacaram que as comunidades não nasceram espontaneamente, nem são frutos de quaisquer decisões da igreja, mas de conversões pastorais que influenciaram toda a igreja brasileira.

As CEBs nasceram nutridas por estas idéias -chave, entre as quais se podem salientar: - A igreja como povo de Deus, - A Igreja como sacramento da união com Deus e entre os seres humanos, - O papel insubstituível do leigo e sua missão na igreja e no mundo. (CNBB, 1982, n.12).

Já em 2010, os bispos reiteraram o que disseram em 1982 e acrescentaram questionamentos atualizados sobre os novos desafios as CEBs mantenham a sua eclesialidade caracterizada pelo uso da Bíblia, pela busca de relações fraternas e pela celebração dos mistér ios cristãos em suas vidas, como motivação ao compromisso de transformar a sociedade.

Com as grandes mudanças que estão acontecendo no mundo inteiro e em nosso país, as CEBs enfrentam hoje novos desafios: numa sociedade globalizada e urbanizada, como viver em comunidade? Nascidas num contexto ainda em grade parte rural, serão capazes de se adaptar aos centros urbanos, que têm ritmo de vida diferente e são caracterizados por uma realidade plural? (CNBB, 2010, p.2).

Esses desafios apresentados pela CNBB resumem o discurso eclesial sobre as CEBs nas três instâncias oficiais, o Vaticano, o CELAM e a CNBB. Neste discurso, as CEBs aparecem como pequenas comunidades que nasceram rural, compostas por pessoas comuns, vinculadas a uma paróquia, comprometidas com a luta por justiça social graças a influência de decisões pastorais da Igreja Católica no Concílio Vaticano II, na Conferência de Medellín e pós fundação da CNBB. Mas, também são comunidades que causam preocupação a uma parcela da igreja pela crítica, vista as vezes como oposição, à hierarquia da Igreja.