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As cinco dimensões da cultura Histórica: a estética, a cognitiva, a política, a

2. CULTURA HISTÓRICA E CULTURA ESCOLAR O LUGAR DO MANUAL

2.2 As cinco dimensões da cultura Histórica: a estética, a cognitiva, a política, a

A cultura histórica, como campo de atuação do pensamento histórico e fonte original está determinada por fatores diversos – os fatores mentais. A ciência da História necessita que se caracterize a sua peculiaridade, a qualidade cultural de sua cientificidade, para analisar os elementos cognitivos da constituição histórica de sentido

e sua essencial articulação com outros elementos. As múltiplas tradições culturais impõem um desafio grande quanto à diversidade e capacidade do pensamento histórico em evoluir, por isso não se pode dispensar a análise e a explicitação, em bases antropológicas, dos fatores mentais da cultura histórica. As cinco dimensões são estabelecidas a partir de cinco fatores mentais da cultura histórica: pensar, sentir, querer, valorizar e crer. Cada um deles está associado a uma dimensão da cultura histórica, a cognitiva, a estética, a política, a moral e a religiosa, respectivamente.

A cultura histórica contempla as diferentes estratégias de investigação científico- acadêmica, da criação artística, da luta política pelo poder, da educação escolar, do lazer e de outros procedimentos da memória histórica pública, como concretudes e expressões de singular potência mental12. Para Rüsen (2015) trata-se do suprassumo

dos sentidos constituídos pela consciência histórica. A partir das funções da cultura histórica em determinadas sociedades se apresentam as dimensões principais e existe uma relação específica entre as cinco dimensões e seus critérios dominantes de sentido. Na dimensão estética seria a “beleza”, na política “legitimidade”, na dimensão cognitiva a “verdade”, na moral a “diferenciação entre o bem e o mal” e na dimensão religiosa a “salvação”.

Assim, a dimensão estética da cultura histórica é própria da percepção das apresentações do passado, bem como as formas de apresentação desse passado ou do conhecimento histórico. Pensa-se, aqui, na capacidade dessas apresentações de falar ao espírito e à sensibilidade de seus destinatários, de se humanizar os conceitos e teorias13 sendo a busca pela coerência narrativa um dos objetivos da dimensão estética.

Tais perspectivas podem ser observadas na maneira pela qual os autores de manuais didáticos selecionam e utilizam determinadas imagens, para trabalhar didaticamente em seus livros.

A dimensão política da cultura histórica lida com o papel desenhado pelo pensamento histórico nas lutas pelo poder, em meio às quais os seres humanos, nas relações entre si e consigo mesmo, têm de viver. As disputas pela hegemonia de uma

12A cultura histórica abrange as práticas culturais de orientação do sofrer e do agir humanos no tempo. A

cultura histórica situa os homens nas mudanças temporais nas quais têm de sofrer e agir, mudanças que – por sua vez – são (co)determinadas e efetivadas pelo agir e sofrer humanos. A cultura histórica é capaz de orientar quando viabiliza que as experiências com o passado humano sejam interpretadas de modo que se possa, por meio delas, entender as circunstâncias da vida atual e, com base nelas, elaborar perspectivas de futuro (RÜSEN, 2015, p. 217).

13Tradicionalmente, o critério decisivo de sentido é, aqui, chamado “beleza”. (...) Com sua particularidade,

a dimensão estética, mediante o pensamento histórico, abre chances de humanização, ausentes das demais dimensões (RÜSEN, 2015, p. 231).

narrativa sobre outra presente nas escolhas das memórias a serem narradas, por exemplo, pelos autores de manuais didáticos, pertencem a esta dimensão. O pensamento histórico é uma forma cultural na qual mandar e obedecer14 torna a relação

social tensa, com respeito ao passado. A convicção da legitimidade das relações de poder e dominação, sob as quais os seres humanos têm de viver, caracteriza o teor de sentido de sua relação política entre si, na qual se dá todo o jogo político.

A dimensão cognitiva da cultura histórica se caracteriza pelo saber e pelo conhecimento sobre o passado humano e ladeada pela dimensão política é a mais lembrada nas análises. Seu critério decisivo de sentido é a verdade, isto é, a capacidade de fundamentar todas as sentenças sobre o passado humano com respeito a seu teor empírico, teórico e normativo. Sem essa pretensão cognitiva de verdade a cultura histórica não pode ser pensada. Nas narrativas dos manuais didáticos, os autores utilizam determinados critérios para validar a cientificidade de seus argumentos. Um exemplo é a maneira como eles dialogam com as teorias pedagógicas e psicológicas para validar a aprendizagem dos alunos.

A dimensão moral da cultura histórica trata da valorização do acontecimento passado de acordo com normas éticas e morais válidas na cultura atual. As questões que envolvem o humanismo e as relações interculturais pertencem a esta dimensão. É decisivo aqui o critério de sentido da distinção entre o bem e o mal. Toda atualização do passado pela cultura histórica ganha significado ao ser interpretado segundo critérios dessa distinção.

E, por fim, a dimensão religiosa da cultura histórica resulta da subjetividade humana, a qual se relaciona com o último parâmetro do sentido da vida. Esse fundamento de sentido é religioso quando se supera a finitude do sujeito humano e todas as experiências negativas com ela ligadas (sobretudo o sofrimento e a morte). Segundo Rüsen (2015) o critério decisivo aqui é a salvação do ser humano de sua finitude, fonte de sofrimento. Esse critério se torna uma “determinação dimensional do pensamento histórico quando essa salvação, essa intervenção da transcendência, instituidora e garantidora de sentido, é pensada como uma intercorrência nesse acontecimento” (RÜSEN, 2015, p. 231 – 234).

A religião foi por muito tempo instância integradora da cultura histórica na qual se fundiam o divino e a verdade cognitiva, a consistência formal e a legitimidade do

14Na dimensão política da cultura histórica “poder mandar e dever obedecer” são duas formas elementares

da vida humana. Elas se excluem mutualmente, mas também necessariamente se condicionam. Não se pode pensar uma sem a outra, embora sua abordagem seja totalmente diversa (Idem, p. 232).

poder. Na modernidade foi necessário transcender-se e relativizar os critérios religiosos de sentido em benefício de modos seculares de vida. Convém registrar que esses critérios não desapareceram, mas continuaram ativos de diversas formas de modo implícito, enquanto pressupostos, e de modo explícito, enquanto (pseudo)religiosidade secular (como em certos casos de nacionalismo ou de ideologias racistas). Em todo caso, estabeleceu-se uma metaordem secular demarcada da religião, que a “civiliza” e vincula sua validade a um padrão de humanidade supraordenado a quaisquer crenças. Essa secularização é um pressuposto necessário ao estabelecimento da história como ciência.

Sistematizando suas reflexões sobre a cultura histórica Rüsen (2016), afirma que, na sociedade atual, a tendência à instrumentalização tem diminuído as possibilidades de articulação entre as diferentes dimensões, fazendo com que, muitas vezes, um dos modelos se torne mais decisivo na construção da consciência histórica15.