• Nenhum resultado encontrado

As circunstâncias e peculiaridades da prática de crimes na fronteira

3 CRUZANDO A FRONTEIRA: fugas, mobilidade, alteridade e deserções Crimes

3.2 As circunstâncias e peculiaridades da prática de crimes na fronteira

Viver em um espaço de fronteira consiste em ter a permanente noção de que existe o “outro lado” para onde se pode fugir e esconder a si ou o objeto do roubo, onde vigora outra soberania e diferentes interesses que oferecem larga possibilidade de estratégia social. O fato de que a fronteira podia servir como fuga e esconderijo sempre foi sabido pelos fronteiriços e um recurso recorrentemente utilizado, como em inúmeros casos que serão apresentados ao longo do trabalho. Nesse sentido, não se pode negar que o acesso relativamente fácil à fuga e à impunidade tornavam esse ambiente não só propício, como convidativo para o crime.

A frequência desses casos de fuga de criminosos pela fronteira era reconhecida e temida pelo poder público. Elaine Sodré, em sua tese de doutorado, refere várias vezes o fato de que muitos magistrados nomeados para cargos no poder judiciário em municípios de fronteira não assumiam efetivamente suas funções por temerem invasões estrangeiras e por não conseguirem exercer controle sobre os criminosos que fugiam para os países vizinhos.167

Da mesma forma, os altos índices de criminalidade das regiões de fronteira eram temas recorrentes em Relatórios de Presidentes da Província. Nesses casos, por conveniência, frequentemente os discursos oficiais relacionavam a incidência da criminalidade na fronteira com a grande presença de estrangeiros. Em 1856, o Presidente da Província Jeronymo Francisco Coelho referia-se ao aumento da criminalidade no Rio Grande do Sul e apontava suas causas para a imensa e desguarnecida fronteira:

[...] a facilidade com que esses criminosos se passam por qualquer ponto de nossa vasta fronteira para os Estados vizinhos, com um dos quais somente temos tratado para a extradição, porém está sujeita a tão morosas formalidades, que completamente inutilizam os fins do tratado; [...]

165 Ibidem. Art. 67. 166 Ibidem. Art. 78.

criminosos dos Estados vizinhos vêm clandestinamente para o nosso território aumentando o número dos primeiros [...].168

Na realidade, as altas taxas de criminalidade nas fronteiras não eram “mérito” exclusivo dos estrangeiros. Veremos que, assim como criminosos da Argentina e Uruguai procuravam esconderijo no Brasil, o inverso também era verdadeiro. Da mesma forma, assim como inúmeros réus eram oriundos de províncias argentinas ou departamentos orientais, outros tantos réus eram brasileiros, muitos nascidos na província rio-grandense. No entanto, coincidência com o discurso oficial ou não, referindo-se à conduta moral da população do Rio Grande do Sul, o viajante Nicolau Dreys escreveu o seguinte: “injusto seria atribuir-se exclusivamente aos filhos do Rio Grande alguns excessos que ali se podem cometer, quando a verdade é que são quase sempre aqueles excessos obras de estrangeiros”.169

A maior repressão exercida pelos países platinos a esses livres pobres pode explicar a grande migração destes para o território rio-grandense e, consequentemente, a postura dos brasileiros em vincular a criminalidade aos vizinhos estrangeiros. É sabido que as leis para controle da população livre pobre e o consequente enquadramento desta como mão de obra no que hoje corresponde à Argentina e Uruguai foram bem anteriores às do Brasil. Segundo Juan Carlos Garavaglia, a papeleta de conchabo, documento obrigatório para livres pobres que comprovava que possuíam vínculos de trabalho, sendo que a ausência deste permitia a prisão do indivíduo, existia desde o final do período colonial.170 Raúl Fradkin, por sua vez, aponta que, logo após a independência do território que hoje configura a Argentina, em 1810, o conflito social no meio rural se intensificou à medida que a atividade pecuária crescia através da ampliação da fronteira produtiva sobre comunidades indígenas e despejo das populações campesinas através de leis de propriedade de terras. Dessa forma, a fim de assegurar a ordem social, os direitos de propriedade e o controle sobre a força de trabalho, foram tomadas medidas como contratos escritos com peões e de repressão à vadiagem.171 Nesse mesmo sentido, Griselda Pressel afirma que um dos pontos-chave do governo de Urquiza (1841- 1870) em Entre Rios, província argentina vizinha ao Rio Grande do Sul, foi combater a vadiagem, os jogos de azar e os ajuntamentos de povo (bailes e carreiras).172 Sendo assim,

168 Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul (AHRGS). Relatório do Presidente da Província do Rio Grande do Sul. A-7.03. 1856.

169 DREYS, Nicolau. Notícia descriptiva da Província do Rio Grande de São Pedro do Sul. Porto Alegre:

Instituto Estadual do Livro, 1961. p. 153.

170 GARAVAGLIA, Juan Carlos. Poder, conflicto y relaciones sociales, op. cit., p. 80. 171 FRADKIN, Raúl. La experiencia de la justicia, op. cit., p. 150-151.

172 PRESSEL, Griselda Elisa. Los hombres que administran la justicia local: la persistencia de la notabilidad en

aceitando que havia mais controle e repressão dos livres pobres do outro lado da fronteira, faz sentido que infratores de lá migrassem em direção ao Brasil, onde a perseguição era relativamente menor. No entanto, o que parece ser mais relevante nessa questão da “vinda” ou “ida” de criminosos pela fronteira é algo que está colocado junto a ela: a questão da extrema mobilidade dessa população fronteiriça. Em alguns relatórios oficiais, inclusive, é possível encontrar uma vinculação e atribuição direta entre a questão da mobilidade e a incidência da criminalidade.

No Relatório de João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu, de 1853, ao discriminar as diversas causas que concorriam para a criminalidade na província, ressaltando que algumas eram comuns a todo Império, porém, outras eram peculiares a esse espaço, aponta a mobilidade da população, decorrente do caráter do trabalho pecuário e da condição geográfica de território circundado por outros países, como uma entre outras causas da criminalidade:

Direi que os hábitos guerreiros de uma população educada na escola dos combates, o isolamento das propriedades ruraes, separadas umas das outras por extensas planícies desertas, a mobilidade da população, tanto pela natureza das occupações pastoris, em que quasi geralmente se emprega, como pelas condições do terreno, e a circunstancia poderosa de ser a Província circundada de Paízes estrangeiros, por cuja fronteira entrão e saem, sem que a polícia tenha meio de impedir [...] são causas que muito influem para a segurança individual [...].173

Além desse, o Relatório do Barão de Muritiba, de 1856, também aponta um raciocínio semelhante ao mencionar que as causas gerais que determinavam a multiplicidade dos crimes na Província se deviam a diversos fatores, mas principalmente à posição geográfica fronteiriça da província, que, não dispondo de policiamento efetivo possibilitava a evasão de criminosos da ação da justiça. Menciona, além disso, outra causa, “não menos poderosa”, que atribuía à

vida quasi errante dos proletários da campanha sem morigeração e sem hábitos de trabalho, que lhes permitte passarem desconhecidos e desapercebidos de um a outro ponto do território, porque a nossa legislação, e mais que ella os costumes inveterados da população, autorisão essa mobilidade sem outro correctivo mais do que serem expulsos dos districtos

historia de la justicia en el Río de la Plata: siglos XVI-XIX. Murcia: Universidad de Murcia, Servicio de Publicaciones, Red Columnaria, 2009.

173 Relatório do Presidente da Província João Lins Vieira Cansansão de Sinimbu. 1853. Disponível em: http://www.seplag.rs.gov.br/upload/1853_Joao_Lins_Vieira_Cansansao_de_Sinimbu.pdf Acesso em: setembro de 2011.

aquelles sobre quem recabe suspeita de não estarem exemptos os crimes: correctivo que raras vezes tem applicação.174

O fato é que a naturalidade com que esses indivíduos se deslocavam pelos municípios de um lado e outro da fronteira está manifestada nas fontes com tal evidência, que se custa crer tratar-se de uma sociedade com precários meios de transporte, estradas e comunicação em geral. Essa mobilidade já foi percebida por outros autores e não se restringe a um determinado grupo social. Segundo Farinatti, referindo-se ao município de Alegrete em meados do século XIX, “[a] elite agrária ali residente possuía bens e relações sociais fora do município, os grupos subalternos eram dotados de alta mobilidade espacial, como de resto ocorria em todo o Brasil daquela época.” Conforme será visto ao longo deste trabalho, negociantes entretinham redes de comércio que atravessavam os limites fronteiriços, proprietários de terras possuíam fazendas em ambos os lados da fronteira, bem como escravos acionavam suas relações para buscarem fuga e abrigo do outro lado da fronteira.

Livres pobres, por sua vez, também detinham seus recursos para deslocarem-se constantemente pela região. A autora Júlia Valéria Chindemi, por exemplo, atribui à característica secular da contínua mobilidade dessa população o que denomina de “internacionalización del mercado de trabajo”175, ou seja, a característica da população livre pobre de migrar pelo espaço fronteiriço e de estabelecer relações sazonais de trabalho, haja vista o caráter também sazonal das produções agrícola e pecuária, próprias à região, que em determinados períodos do ano demandam mais peões e em outras precisam dispensar mão de obra, constituindo acervo de trabalhadores pertencentes às diferentes nacionalidades da região que se empregavam naturalmente nas lidas rurais em ambos os lados da fronteira. Mariano Antonio Gonçalves, acusado de haver ferido sua ex-amásia e que alegava não ter fugido, mas sim ter ido para a Estância do Pay Passo, pertencente ao Coronel Dornelles e localizada no Estado Oriental, onde trabalhava como peão, é um entre vários casos de trabalhadores do campo que atravessavam a fronteira para se empregarem.176

Em um processo em que Roberto Coronel, Dionísio Sancedo e Mariano Marques de Figueiredo eram suspeitos de haverem cometido crime de assassinato, seus depoimentos revelam a naturalidade de viver dos dois lados da fronteira.

174 Relatório do Conselheiro Barão de Muritiba. 1856. Disponível em:

http://www.seplag.rs.gov.br/upload/1856_Barao_de_Muritiba.pdf Acesso em: setembro de 2011.

175 CHINDEMI, Julia Valeria. Las tradiciones de frontera internacional en Rio Grande del Sur, op. cit., p.

28.

Roberto Coronel, 20 anos de idade, solteiro, sem ofício porque tinha chegado recentemente a Uruguaiana (havia 12 dias), disse que, no dia primeiro de janeiro, veio de Corrientes para a Ilha Grande (ilha localizada no Rio Uruguai) acompanhado de Dionísio Sancedo, a quem chama de Pancho Sancedo, atrás de um tropeiro com quem estava fazendo tropa de gado bovino. No dia seguinte, passaram para a província rio-grandense, e no dia 3 de janeiro voltou sozinho para Corrientes permanecendo lá por seis dias. Na data do interrogatório fazia três dias que Roberto havia retornado a Uruguaiana. O depoimento de Dionísio Sancedo, 22 anos de idade, solteiro e jornaleiro, diverge em alguns pontos das declarações dadas por seu companheiro no que se refere às datas. Contudo, o trajeto percorrido por ele foi o mesmo relatado por Roberto, a não ser pelo fato de que, antes de chegar à Ilha Grande, Dionísio tinha vindo de Entre Rios, onde havia conduzido tropas de gado.

A facilidade com que demonstravam ir e vir pela fronteira em função de trabalhos sazonais e interesses momentâneos tornou-se mais evidente ainda quando os acusados responderam igualmente a respeito de se costumavam conduzir seus passaportes durante essas andanças pela fronteira. Roberto Coronel, por exemplo, afirmou que “não trouxe passaporte e que não se apresentou a autoridade alguma e que estava acostumado a passar d’aqui para Corrientes e de lá para este lado sem passaportes”.177

A qualificação desses réus nos leva a outra questão importante: o perfil desses homens que viviam de cruzar a fronteira atrás de sustento, sendo que, muitas vezes, suas estratégias incluíam cometer delitos. Roberto tinha 20 anos de idade, era solteiro e não tinha ocupação definida, embora afirmasse ter trabalhado recentemente com um tropeiro. Dionísio, por sua vez, tinha 22 anos, também solteiro e se dizia jornaleiro, sendo que um dos últimos jornais para o qual foi contratado havia sido para tropear gado em Entre Rios.

Embora para os processos contidos nesse capítulo não tenha sido possível traçar exatamente o perfil dos réus através da quantificação das informações apresentadas nas qualificações, acredito que se possa arriscar um esboço do padrão geral desses sujeitos.178 Um determinado tipo de réu se destaca entre os demais: homens jovens, entre 20 e 35 anos, com leve superioridade de solteiros sobre casados e sem ocupação definida, ou seja, jornaleiros. Deve-se considerar ainda que esses jornaleiros, quer dizer, homens que trabalhavam em serviços variados por contratos de períodos curtos e/ou delimitados e, portanto, não

177 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Uruguaiana. Caixa 316. nº 2636, 1872.

178 Além disso, conforme será apresentado no Capítulo 6, “Gados mal havidos...”, o perfil que se traçou dos

ladrões de gado confere em todos os aspectos com esse que se presumiu para os demais réus a partir da leitura geral dos processos crimes.

mantinham relações fixas de trabalho e dependência, normalmente conseguiam esses contratos por jornal em ocupações ligadas aos serviços pecuários. Nesse sentido, mesmo declarando-se jornaleiros, é provável que suas aptidões profissionais fossem, na sua maioria, vinculadas à lida com gado.

Em relação a serem casados ou solteiros, conforme se verificou, esse não era um dado determinante, embora possa parecer mais evidente que um sujeito que dependesse de ampla mobilidade para consolidar suas estratégias tendia a ser solteiro. No entanto, há quase tantos criminosos solteiros quanto casados, e um exemplo interessante é o de Crispim Benites e Graciliano de tal, que assassinaram Lourenço Martins, ocultaram o corpo esquartejado no Rio Quaraí e logo depois fugiram para a Província de Corrientes. O inusitado foi que, após o sucesso da fuga, ambos os criminosos mandaram buscar suas famílias em Uruguaiana para juntarem-se a eles do outro lado da fronteira.179

Seraphim Cesário e Silva e Miguel Verdum são outros dois réus que apresentam esse perfil característico. O primeiro tinha 30 anos, era solteiro e se declarava pedreiro, porém que vivia de jornal; o segundo tinha 21 anos, também era solteiro e jornaleiro. Ambos eram acusados em um processo de homicídio. O especial desse processo, no entanto, e mais precisamente desses réus, não está apenas nas características pessoais que revelam em suas respectivas qualificações, as quais se encaixam perfeitamente no perfil geral descrito acima, mas no fato de esse ser o único processo que traz a foto dos réus. Homens jovens, conforme se declaravam, mas com aparência de vividos, ou melhor, envelhecidos pelas lidas campeiras debaixo do sol e das intempéries do pampa. A postura e os trajes também denotam a simplicidade desses sujeitos, e suas imagens, sentados com os pés presos por grilhões, devem representar que aspecto deviam ter esses inúmeros indivíduos que transitavam entre fronteiras geográficas e viviam entre o lícito e o ilícito.180

179 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Uruguaiana. Caixa 371. Maço 79. nº 2853, 1881. 180 APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Uruguaiana. Caixa 376. Maço 82, 83. nº 2910,

Figura 1 – Foto do réu Seraphim Cesário e Silva

Fonte: APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Uruguaiana. Caixa 376. Maço 82, 83. nº

Figura 2 – Foto do réu Miguel Verdum

Fonte: APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crime. Uruguaiana. Caixa 376. Maço 82, 83. nº

Ainda é preciso abordar um ponto importantíssimo a respeito do perfil desses homens: suas nacionalidades. Será que o discurso oficial tinha razão quando atribuía aos estrangeiros, que atravessavam facilmente a fronteira, as altas taxas de criminalidade da província? Embora não fossem maioria, houve sim a presença marcante de estrangeiros figurando como réus em processos crimes dos mais diversos tipos, e isso, por si só, já serve como elemento comprobatório de que o espaço de fronteira incidia sobre a criminalidade. Quer dizer, o simples fato de haver um número considerável de criminosos vindos do outro lado da fronteira é argumento para afirmar que havia influência desse espaço sobre as ocorrências criminais.

Nesse sentido, conforme acima mencionado, o réu Mariano Antonio Gonçalves declarou-se natural da província do Rio Grande do Sul; Roberto Coronel e Dionísio Sancedo disseram serem naturais da Província de Corrientes, que fazia parte das Províncias Unidas do Rio da Prata, atual Argentina; Seraphim Cesário e Silva era natural de Alegrete, e, finalmente, Miguel Verdum afirmou ser natural do Estado Oriental. Sendo assim, nessa pequena relação de cinco réus, temos dois réus nacionais e três réus estrangeiros, sendo dois de províncias argentinas e um oriental, o que demonstraria uma discreta superioridade de réus estrangeiros sobre nacionais, bem como confirmaria o ponto de vista dos discursos oficiais da época. Ao quantificarmos, no entanto, o número total de processos crimes existentes dentro do marco espaçotemporal delimitado por essa pesquisa, a fim de apontar em quantos desses processos figuravam réus estrangeiros, os números aos quais se chegou não foram tão expressivos.

Vale elucidar que diversas nacionalidades apareceram nos processos, desde oriundos dos territórios do outro lado da fronteira, sejam de províncias argentinas, sejam orientais, indivíduos que se diziam paraguaios, e outros vindos de diferentes regiões da Europa. No entanto, para os fins que essa pesquisa se propõe, foram contados nessa categoria de “estrangeiros” somente os réus naturais dos países limítrofes, já que apenas esses podem ser considerados na perspectiva de que o espaço de fronteira incidia na criminalidade, no sentido de que se pode considerar que o sujeito, sendo natural daquele lugar, valia-se de atravessar o limite político para cometer o delito. Já outros réus estrangeiros, nativos de algum lugar da Europa por exemplo, embora também pudessem cometer crimes e, da mesma forma, fugir pela fronteira, por não serem naturais do lugar poderiam fazer isso em qualquer outra fronteira onde escolhessem se estabelecer. Por isso não podem ser contados como estrangeiros que tinham influência na criminalidade desta fronteira específica. No entanto, embora não estejam sendo contados como estrangeiros na categoria acima explicada, nos casos em que réus em geral usaram a fronteira como lugar de fuga, todos foram contados independente da

nacionalidade, porque entende-se que nessa situação sim, temos o recurso da fronteira sendo utilizado.

O que se quer saber, portanto, é que, naquela fronteira específica entre Brasil, províncias argentinas e Estado Oriental, havia incremento na criminalidade em razão de que indivíduos destas três nacionalidades circulavam pelos territórios alheios e cometiam crimes. Sendo assim, estão considerados nessa contagem de processos crimes com réus estrangeiros aqueles réus denominados de alguma província argentina, orientais, ou com o termo genérico “castelhano”, que denomina tanto sujeitos de províncias argentinas quanto do Estado Oriental.

Quadro 11 – Quantidade de processos crimes que apresentam réus estrangeiros (denominados de províncias argentinas, orientais ou “castelhanos”)

MUNICÍPIO Quantidade TOTAL de

Processos Crimes contidos nos Maços/Caixas entre

1845-1889

Quantidade de Processos Crimes com RÉUS ESTRANGEIROS contidos

nos Maços/Caixas entre 1845-1889 Alegrete (1845-1889) 840 79 Uruguaiana (1854-1889) 750 185 Santana do Livramento (1858-1889) 620 57 Quaraí (1864-1889) 293 38 TOTAL 2.503 359

Fonte: APERS. Poder Judiciário. Cível e Crime. Processos Crimes. Alegrete, Uruguaiana, Santana do Livramento e Quaraí. Anos: 1845-1889.

Daquele total de 2.503 processos crimes, portanto, têm-se 359 processos em que havia réus estrangeiros das nacionalidades que interessam à pesquisa. Lembrando que os períodos que estão entre parêntesis ao lado do nome de cada município significam os anos em que há processos crimes disponíveis para cada um deles, por exemplo, enquanto o fundo documental de Alegrete oferece 45 anos de processos crimes, o fundo de Quaraí dispõe de apenas 26 anos de documentação desse tipo.

De qualquer forma, para interpretar esses processos com réus “argentinos” e orientais, é preciso considerar pelo menos dois fatores. Primeiro, independentemente do número ser reduzido ou expressivo, a simples existência de 359 processos em que réus eram oriundos dos

territórios contíguos já denota que, no mapa criminal da província do Rio Grande do Sul, havia participação de criminosos “importados” pela fronteira.

Segundo, devemos considerar que quem comete um crime não tem a intenção de ser