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2 APOLOGIA À FRONTEIRA (MANEJADA): uma forma de entender a

2.2 A proposta da fronteira manejada

Esse tipo de percepção só foi possível, creio, por corresponder a um novo momento historiográfico. Vivemos o momento da valorização das escalas reduzidas, que privilegiam as ações dos indivíduos, e só através delas foi viável alcançar essa dimensão manejada da fronteira por seus atores. Da minha parte, recorrer à redução de escalas foi mais do que corresponder a uma voga historiográfica; parafraseando o antropólogo norueguês Fredrik Barth, “senti a necessidade de acusar o lugar do indivíduo e a incoerência entre diferentes interesses e vários níveis de coletividade”104.

Segundo Giovanni Levi105, o que se convencionou chamar de micro-história italiana não oferece um corpo teórico formulado para ser aplicado, e sequer foi pensada para constituir-se em uma corrente historiográfica, tanto que ela mesma busca servir-se de

104 BARTH, Fredrik. Introduction. In: Process and Form in Social Life: Selected Essays of Fredrik Barth.

London: Routlege & Kegan Paul, 1981. v. 1, p. 2: “I felt the need to acknowledge the place of the individual, and the discongruity between varying interests and various levels of collectivity”. Tradução da autora.

105 LEVI, Giovanni. Sobre a Micro-História. In: BURKE, Peter (org.). A escrita da história: novas perspectivas.

referências variadas – “ecléticas”, como refere o próprio autor – contudo, alguns traços metodológicos comuns podem ser notados nos diferentes trabalhos que identificamos como filiados a ela. O primeiro ponto é a redução da escala de observação para a análise no sentido de revelar fatores que ainda não haviam sido observados pelos recortes macroestruturais. Dessa forma, a redução da escala “presume que as delineações do contexto e sua coerência são aparentes, e revela aquelas contradições que só aparecem quando a escala de referência é alterada”106. Outro ponto comum é buscar na antropologia, de forma crítica, a importância das decisões tomadas pelos sujeitos – o que sugere que havia mais de uma possibilidade no momento da escolha e que, portanto, decorreria em um amplo leque de caminhos – complexificando as relações estabelecidas por eles.

A redução da escala ajustando o foco nos indivíduos me parece, de fato, imperativa para os estudos de fronteira. Contudo, minha concepção de fronteira atenta para o papel fundamental que o Estado, munido de recursos específicos nesse espaço, desempenha nas relações que se estabelecem. Dessa forma, a escala com foco na ação dos indivíduos precisa, constantemente, levar em consideração a dimensão da ação do Estado para que se consiga abranger o horizonte de expectativas disponível aos atores e as estratégias que podiam ser adotadas. O historiador chileno Eduardo Cavieres demarca esse ponto a respeito dos estudos de fronteira:

Efectivamente, desde la historia regional, pero más particularmente desde la microhistoria, se puede alcanzar con más precisión el estudio de los desarrollos de lo propio, de lo local, sin embargo, debemos insistir, una vez más, en que no debe olvidarse que el propio concepto y la realidad de frontera, pueden invertir rápidamente la focalización del análisis, no por responsabilidad de quién investiga sino por los diferentes niveles en que se desenvuelve la vida de los propios pobladores que se estudian, los cuales desarrollan parte importante de su historias a partir de eventos externos que tiene que ver fuertemente con la presencia del Estado a través de sus diversas instituciones y manifestaciones.107

Acredito que o ponto de partida da proposta da fronteira manejada seja considerar a fronteira em seu paradoxo original: enquanto fim e início de territórios contíguos, proporcionando, simultaneamente, separação e contato. Ironicamente, esta questão já estava apontada na historiografia da década de 1990 criticada aqui, porém, a carga colocada no

106 Ibidem, p. 155.

107 CAVIERES, Eduardo F. Prólogo: Espacios fronterizos, identificaciones nacionales y vida local: reflexiones

en torno a estudios de casos en la frontera argentino-chilena: la revalorización de la historia. In: BANDIERI, Susana (coord.). Cruzando la Cordillera… La frontera argentino-chilena como espacio social. Neuquén, Argentina: Centro de Estudios de Historia Regional – CEHIR, Universidad Nacional del Comahue, 2005.

aspecto do contato esvaziou o aspecto equivalente da separação. Isso porque o contato refere- se mais às relações entre os sujeitos fronteiriços, e a separação fica mais a cargo da atuação institucional, e, como foi visto, esta historiografia minimizou o papel da burocracia de Estado nos espaços fronteiriços, enfatizando que esses lugares, de tão distantes dos centros de poder, acabavam desfrutando de plena autonomia.

Rui Cunha Martins108, ao destacar o paradoxo fim/início da fronteira, chama atenção para o fato de que, ao delimitar, a fronteira está naturalmente apontando o que lhe é externo, mas, sobretudo, está explicitando o “invólucro que ela delimita”109, que é “a entidade patrocinadora da ativação dos limites”110. Ao delimitar, portanto, a fronteira designa sua referência, o alcance de seu centro de poder. Nesse sentido, a fronteira não é o contrário do centro, mas sua reserva, ou sua outra natureza.

A fronteira é, portanto, a tentativa permanente de sinalizar uma sede. Diz-se “tentativa permanente de sinalizar” porque o fato de estar em constante contato com outra soberania requer de seu autor (aquele que a fronteira designa/referencia) a tarefa continuada de sua elucidação. Isso porque a fronteira carrega também um caráter instável, a contingência, que articula uma heterogeneidade de experiências e trajetórias e possibilita sua duplicação, sobreposição, apagamento, reposição. Dessa forma, trata-se de uma tarefa constante e para a qual não há previsão de conclusão, já que a fronteira referência nunca vai se impor à fronteira contingência; no entanto, o efeito da fronteira se dá na ação incessante de elucidação e não no resultado.Seu método de ação é progressivo, contínuo e sempre na tensão entre a designação da referência e a ação da contingência.111 Assim, a fronteira é um espaço periférico, mas não marginal, não foge ao controle do centro.

Dessa maneira, ao sabermos que o Estado (autor, referência, aquele que designa) se estende de forma específica para suas franjas e continuamente se institui e reitera naquele espaço112, compreendemos que sua linha demarcatória, o limite político em si, embora abstrato, cumpre função concreta na vida dos fronteiriços. Essa percepção só foi possível por verificar na documentação que os fronteiriços reconheciam a linha por onde a fronteira

108 MARTINS, Rui Cunha. O método da fronteira: radiografia histórica de um dispositivo contemporâneo

(matrizes ibéricas e americanas). Coimbra: Edições Almedina, 2008, p. 112-116.

109 Ibidem, p. 112. 110 Ibidem, p. 113. 111 Ibidem, p. 23.

112 Ibidem. Para Rui Cunha Martins, o Estado torna-se “facto notório” através do estabelecimento de marcos

fronteiriços e das cerimônias que os envolvem (p. 113), pelo exercício das funções burocráticas do Estado levadas a cabo pelos poderes locais que se mostram, surpreendentemente, conservadores e não tendem a mostrar grande desalinho com o centro, já que acabam sendo os grandes beneficiários dos estímulos econômicos proporcionados pela fronteira (p. 35).

passava e demonstravam nítida clareza de que circular do seu lado, ou do outro lado, acarretava diferentes ações e questões a serem levadas em conta.

Uma das questões computadas nas contas cotidianas dos fronteiriços é, algo que já mencionamos brevemente: a noção da “estrangeiridade”113, cunhada pelo antropólogo Alejandro Grimson, em que o fato de habitar um espaço de fronteira sugere, de forma recíproca e incontornável, o fato de ser estrangeiro diante dos habitantes do outro lado. Mesmo que, como sabemos, os Estados Nacionais ainda não estejam devidamente estabelecidos e, respectivamente, nem as identidades nacionais, estaremos falando de múltiplas relações de identidade possíveis, como as provinciais, por exemplo, que se demarcam de um lado e outro da fronteira. E, embora já tenha ressaltado que a fronteira não é um dado fixo, que ela se altera frequentemente, devo admitir que há um sentido comum e imutável em todos os contextos fronteiriços: a diferença frente ao outro.114

Contudo, essa noção clara da linha de fronteira, através da qual o Estado se faz sentir, e o consequente sentimento de “estrangeiridade” não serão empecilhos para que as relações sejam travadas através das fronteiras. Há pessoas que, sem negar seu pertencimento, desenvolvem partes importantes de suas vidas no outro lado ou, pelo menos, contam de alguma forma com aquele espaço nas suas estratégias sociais. Portanto, as relações estabelecidas podem ser consideradas como “transfronteiriças” “porque atraviesan el límite material de la frontera política, y no porque las fronteras simbólicas vinculadas a la nacionalidad no sean significativas”115.

A autora Julia Chindemi também aponta uma ideia semelhante a esta das relações transfronteiriças de Alejandro Grimson. Segundo ela, em um espaço de fronteira existe a dimensão territorial limitante e a dimensão espacial desterritorializada. A primeira é a concepção jurídica da fronteira estabelecida através de instituições, órgãos e limite geopolítico. A segunda perpassa os dois lados e compreende práticas históricas que possibilitaram a coexistência e articulação de vínculos entre os habitantes dos dois lados. São exemplos desses circuitos, que, para a autora, originaram as “tradições de fronteira internacional”, o uso de recursos econômicos como as redes de contrabando e o grande número de proprietários de terra rio-grandenses que tinham propriedades no Uruguai; a mobilidade da população, que teria formado um mercado de trabalho internacional, bem como o caráter plurinacional das forças militares; o espaço fronteiriço que ofereceu refúgio político

113 GRIMSON, Alejandro. La Nación en sus límites, op. cit., p. 24.

114 Essa mesma percepção pode ser encontrada em CHINDEMI, Julia Valeria. Las tradiciones de frontera internacional en Rio Grande del Sur, p. 6.

em vários momentos e promoveu a manutenção de grupos parentais (de sangue ou não) que atravessavam o limite político e instituíam redes através da fronteira. Chindemi afirma que a ideia dos circuitos desterritorializados não pretende comprovar uma identidade fronteiriça/regional, uma irmandade imemorial oposta à nacional, reforçando singularmente as diferenças, mas analisar as práticas históricas que possibilitaram a coexistência e articulação de vínculos internacionais/regionais com os nacionais.116

Afirmei que o sentimento de diferença em relação ao outro, do outro lado da fronteira, é algo sempre colocado independentemente do contexto, mas que o contexto de fronteira não é um dado fixo e está em frequente modificação. Essa alteração permanente se dá, não pela ação de forças abstratas que incidem na realidade social, mas pela ação do processo histórico entendido como “uma imensa multidão de ações e inter-relações de seres humanos, agindo como indivíduos, ou combinadamente, ou em grupos”.117 Dessa forma, as fronteiras, definitivamente, não são espaços rígidos, pelo contrário, atualizam-se constantemente através de diversas práticas. Investigar uma fronteira demanda estudar seu processo de contínua recriação, não o restringindo aos movimentos de avanços e recuos do limite geográfico e político, mas dando ênfase a como ela foi “cotidianamente producida, recreada y reproducida por los diferentes agentes sociales que intervienen en ese espacio”.118

A história de uma fronteira comporta, em primeira instância, seus movimentos de avanços e recuos da linha, o que incide considerar que existiram territórios e pessoas que estiveram dentro e fora do limite em momentos diferentes, que órgãos burocráticos foram instalados e removidos, que tratados foram assinados ou não, e que os limites foram, muitas vezes, sustentados na prática. Nesses movimentos da linha de fronteira, muitos contextos de guerra se colocaram, e, por vezes, várias autoridades se sobrepuseram no mesmo território.

Lembremos o período da Guerra da Cisplatina (1825-1828) quando o Império do Brasil tinha o domínio formal da Banda Oriental, território que hoje constitui o Uruguai, mas este território rebelado foi anexado, ao mesmo tempo, pelas Províncias Unidas do Rio da Prata (atual Argentina), e, mesmo com a assinatura do tratado que decidiu pela independência

116 Para a autora, os circuitos desterritorializados na fronteira platina do Rio Grande do Sul começaram a se

formar a partir da invasão da Banda Oriental (1811-1816), que contou com forças rio-grandenses. CHINDEMI, Julia Valeria. Las tradiciones de frontera internacional en Rio Grande del Sur, op. cit., p. 7-35.

117 RADCLIFFE-BROWN, A. R. Structure and Function in Primitive Society. London: Cohen & West, 1952.

p. 3-4. Apud: BARTH, Fredrick. Models of Social Organization I. In: Process and Form in Social Life, op. cit., v. 1, p. 34. “The process itself consists of an immense multitude of actions and interrelations of human beings, acting as individuals or in combinations or groups.” Tradução da autora.

do Uruguai, os limites geopolíticos daquele Estado não foram estabelecidos.119 Vivenciando esse contexto, proprietários de terras dos dois lados da fronteira, devidamente alinhados a uma das facções políticas em disputa, lidavam para manter suas propriedades em um território reivindicado por diferentes soberanias.

Também nos contextos de guerras deve-se levar em consideração as deserções, os recrutamentos compulsórios, que podiam incidir em indivíduos estrangeiros que se encontravam no território contíguo, escravos incitados a fugir e alistar-se, saques de propriedades, etc. Os contextos de guerras, por óbvio, correspondem aos momentos mais hostis da fronteira.

Mas não só de guerra vive um espaço de fronteira; os diferentes contextos também se referem à vigência ou ausência de tratados que estimulam ou obstaculizam relações políticas e econômicas, a determinados circuitos comerciais estabelecidos e desestruturados, a cooperações políticas e redes sociais que atravessavam o limite; enfim, analisar espaços de fronteira demanda diagnosticar seu contexto específico e atentar para as alterações frequentes. Esse exercício é necessário para que possamos identificar que tipo de relações os indivíduos puderam estabelecer em cada momento e perceber que as mudanças de contexto interferem diretamente na alteração das relações que se constituem.

Nesse sentido, a noção de “fronteirização”120, também do antropólogo Alejandro Grimson, aponta para o fato de que a fronteira nunca será um dado fixo, mas algo instável, dinâmico e sempre disputado. E, sendo produto histórico da ação humana, é, constantemente, ressignificada, assumindo diferentes sentidos para os diversos atores sociais em diversos contextos. Levando esse aspecto em consideração, é possível perceber, em momentos históricos específicos, como esses sujeitos se organizaram e se relacionaram demonstrando

que las relaciones se estructuran por la posición que cada agente ocupa [...]. En especial, nos sirve para pensar los contrastes entre distintas estructuras de la coyuntura que derivan de políticas diferentes del Estado, de realidades económicas distintas y de intereses divergentes de los actores121.

Também é preciso considerar todos os tipos de interações possíveis de serem estabelecidas nesse espaço, percebendo a existência de diferentes grupos com interesses variados, não restringindo essas relações possíveis apenas às das duas “nacionalidades” em

119 THOMPSON FLORES, Mariana F. da C. Visões da Cisplatina: a criação do Estado Oriental – por Lavalleja e

Anônimo. Revista Aedos, v. 2, n. 3, 2009.

120 GRIMSON, Alejandro. La Nación en sus límites, op. cit., p. 43-44. 121 Ibidem, p. 45.

contato, que certamente estabelecem vínculo, ou às relações que esses grupos fronteiriços estabelecem com seus Estados centrais. A fronteira não é um espaço que compreende estritamente relações duais (entre as comunidades nacionais de fronteiras ou entre essas comunidades e os Estados). Certamente, “las disputas [e relações estabelecidas] entre sectores sociales de la frontera son más que la forma local de los conflictos superpuestos entre estados naciones y entre estado y sociedad”.122

Dessa maneira, na mesma medida em que é fundamental levar em conta a questão de que o contexto histórico fronteiriço não é homogêneo, mas se altera permanentemente, é essencial considerar que os fronteiriços tampouco constituem um grupo homogêneo. Em qualquer espaço, e não seria diferente em um espaço de fronteira, existem diferentes grupos sociais, onde cada sujeito possui interesses particulares e situações socioculturais específicas. Sendo assim, seria extremamente comprometedor para a análise não levar em consideração a diversidade social desse espaço e pensar que esses grupos sociais diversos poderiam relacionar-se igualmente com os recursos disponibilizados pelo espaço. Quero dizer que, por exemplo, ser escravo na fronteira não gera as mesmas possibilidades de estratégias que para um estancieiro, da mesma forma que ser comerciante possibilita outros recursos. E essa lógica não está restrita aos posicionamentos na pirâmide social (escravo, proprietário, livre pobre), mas alcança todos os aspectos da vida dos fronteiriços, como relações políticas, inserção em redes sociais, questões conjunturais específicas, etc. O inescapável, portanto, é cuidar para levar em conta o posicionamento dos atores sociais considerando, segundo Fredrik Barth, que “cada pessoa está ‘posicionada’ em virtude de um padrão singular formado pela reunião, nessa pessoa, de partes de diversas correntes culturais, bem como em função de suas experiências particulares”.123

A partir do momento em que compreendemos a necessidade de considerar que os agentes estão sempre socialmente posicionados, que essas posições são incontáveis porque são específicas e que seus respectivos posicionamentos incidem na forma como a condição de fronteira era contabilizada nas suas experiências, podemos avançar em mais um ponto: se o contexto de fronteira está em constante alteração, ocorre que esses grupos, ou sujeitos, podem estabelecer, em certos momentos, determinadas relações que poderão parecer impossíveis e contraditórias em outros contextos. É o aspecto mencionado da “fronteirização” que possibilita que as diversas relações entre os diversos grupos se refaçam constantemente,

122 Ibidem, p. 25-26.

123 BARTH, Frederik. A análise da cultura nas sociedades complexas. In: O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2000. p. 137.

mesmo que assumindo características até mesmo incoerentes e opostas às relações que havia anteriormente.

Não é simples trabalhar com um esquema que considera a heterogeneidade social e a incoerência, até mesmo porque, como afirma Fredrik Barth, “somos treinados a suprimir os sinais de incoerência e de multiculturalismo encontrados”124. Contudo, é necessário considerar que, em cada momento, os sujeitos estarão ocupando um determinado lugar e adotando um determinado procedimento, e que o posicionamento dos atores em um dado momento nem sempre será condizente com posicionamentos anteriores.

E à medida que os posicionamentos sofrem alterações, devemos considerar também que a vivência e as trocas na fronteira podem gerar efeitos negativos e positivos para seus sujeitos ou grupos sociais. Algum efeito produzido pela fronteira, que pode ser utilizado a favor de certo grupo, também pode ser elemento desestabilizador para outro. Ou, nas palavras de Ricci e Medrano, “[...] al estudiar cada frontera debemos siempre hacer un balance que venga a demonstrar los efectos negativos y los constructivos por ella provocados, mismo porque esos efectos pueden invertir-se con el pasar del tiempo”125. O que significa que, em um momento específico, a relação de um determinado grupo com a condição de fronteira pode estar sendo produtiva, mas, por tratar-se de um espaço dinâmico, sempre poderá ocorrer a inversão dessa situação.

Esta realidade de diversos e incoerentes posicionamentos, que geram “sistemas [aparentemente] desordenados”, é encontrada ao colocarmos de lado modelos preconcebidos de bases empíricas frágeis e imergirmos na sociedade analisada. Para tanto, é preciso reduzir nossa escala de análise aos horizontes particulares e às interações interpessoais, colocando a necessidade de descoberta através de “procedimentos exploratórios”, onde cada situação deve ser devidamente contextualizada e especificada para que seja compreendida nos seus próprios termos126, sem que se perca, contudo, a intenção final de alcançar explicações abrangentes.

A proposta dos “modelos generativos” de Frederik Barth é o método que viabiliza esse tipo de abordagem na medida em que recusa qualquer tipologia, qualquer pré-recorte, e se dedica a encontrar “análises sob medida” para cada caso.127. Segundo o autor, “obtém-se

124 Ibidem, p. 109.

125 RICCI. Maria Lucia de Souza Rangel; MEDRANO, Lilia Inês Zanotti de. El papel del contrabando y la

interacción fronteriza del Brasil sureño con el Estado Oriental del Uruguay: 1850-1880. In: Anales del VII

Encuentro Nacional y V Regional de Historia, Montevideo, 1990. p. 258.

126 BARTH. Frederik, Por um maior naturalismo na conceptualização das sociedades. In: O guru, o iniciador e outras variações antropológicas, op. cit., p. 177.

127 ROSENTHAL, Paul-André. Construir o “macro” pelo “micro”: Frederik Barth e a “microstoria”. In: REVEL,

Jacques (Org.). Jogos de escalas: a experiência da microanálise. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getulio Vargas, 1998. p. 165.

melhor resultado estabelecendo os fatos do passado quando isso é possível, e não por interpretações conjeturais baseadas em esquemas preestabelecidos, nem recorrendo, mesmo