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CAPÍTULO 04 – INSTITUCIONALIZAÇÃO DA PROFISSIÇÃO E

4.1 As Colônias de Pescadores

Como foi exposto acima, as colônias de pescadores no Brasil, enquanto instituição estatal obedecem às mesmas trajetórias da legislação elaborada pelo Estado para a atividade da pesca. Como já relatado, as primeiras colônias de pescadores (que a princípio eram

192 denominadas de colônias de pesca e não colônias de pescadores) foram fundadas a partir de 1919, pela Marinha de Guerra. As colônias eram definidas como agrupamento de pescadores ou agregados associativos, através das quais o Estado exercia uma força coercitiva, a parir do momento em que os pescadores eram obrigados a se matricularem nas instituições para poder desenvolver a atividade pesqueira. Em 1920, foi criada a Confederação dos Pescadores do Brasil, que tinha como objetivo gerir e fiscalizar as Colônias de Pesca do território nacional.

De acordo com Ramalho (2014: 38-39), as colônias de pesca deveriam reunir e organizar os pescadores, acreditando-se com isso, que a organização dos pescadores para a formação das colônias, seria um ponto de apoio decisivo para a atuação e o controle do Estado sobre as regiões costeiras. Nesse sentido, o surgimento dessa entidade era, antes de qualquer coisa, um importante espaço de realização das políticas da Marinha. O autor informa, que com a missão da Cruzada de Villar e de seus comandados, foram fundadas cerca de 800 colônias e cadastrados mais de 100.000 pescadores no país, como força de trabalho a ser usada pela Marinha. Para poder desenvolver a atividade pesqueira os pescadores eram obrigados a se matricular nas colônias. “Para mobilizar os pescadores, os mecanismos utilizados eram variados, e revelavam a política paternalista e controladora que iria predominar, durante décadas, na vida da categoria, marcando fortemente a sua cultura organizativa até os dias de hoje, em muitas localidades”.

No caso da pesca, isso apenas intensificou algo já existente em termos de controle do trabalho, especialmente quando a Marinha dividiu com o Ministério da Agricultura o mando sobre os pescadores, cabendo a este último as ações de fomento ao setor. Dessa maneira, em 1933, a pesca passa às mãos do Ministério da Agricultura, através da Divisão de Caça e Pesca (DCP). A Confederação Geral dos Pescadores Brasileiros, implantada em 1920, subordinou-se à DCP, e as colônias, consequentemente, também. O cadastramento dos pescadores e de seus barcos, porém, continuou a cargo da Marinha Brasileira. Nessa conjuntura, foi elaborado o Código de Caça e Pesca – Decreto nº 23.672, de 02 de janeiro de 1934 –, primeira lei mais acabada sobre o setor pesqueiro, que previu, em um de seus pontos, a entrega de balancetes e de relatórios mensais pelas diretorias das colônias à DCP, permitindo-lhe intervir na entidade quando julgasse necessário. O artigo 15 da referida lei ordenava que “as colônias reger-se-ão por estatutos elaborados pela Confederação Geral dos Pescadores do Brasil e aprovados pelo ministro da Agricultura”. Ademais, frisava o artigo 12 que “todo o pescador profissional é obrigado a fazer parte da colônia em cuja zona reside”, pois, do contrário, os pescadores seriam proibidos de entrar nas águas para pescar. Juntamente com esse caráter de regulamentação autoritária, manteve-se a noção de

193 conservação dos recursos pesqueiros em benefício das incipientes e/ou futuras indústrias de pesca, como ficou claro nas funções atribuídas ao Serviço de Caça e Pesca, particularmente no artigo 112 do mencionado Código: “d) observar quais as espécies que mereçam ser industrializadas e realizar estudos referentes aos processos mais aconselháveis de sua conservação e aproveitamento industrial”. (RAMALHO, 2014: 41).

No início da década de 1970, o Ministério da Agricultura, sob o qual a pesca encontrava-se ligada, baixou a Portaria N° 471, de 27 de dezembro de 1973, a qual instituiu um novo estatuto para as colônias de pescadores, fazendo com que as mesmas se mantivessem sob a denominação de sociedade civil, porém, subordinadas ao controle do Estado, através das Federações e da Confederação Nacional de Pescadores. Este fato pode ser constatado no §2º do Art. 1º que estabelece o seguinte: “As colônias de pescadores se obrigam a estreita colaboração com as autoridades públicas, com as respectivas Federações e com a Confederação Nacional de Pescadores”; e letra c) do Art. 26: “Compete à diretoria da colônia, cumprir e zelar pelo cumprimento deste Estatuto, do Regimento Interno, das deliberações da SUDEPE, da Confederação Nacional dos Pescadores e Federação, bem como das autoridades navais”. Este estatuto ainda prevalece até os dias de hoje em muitas colônias do país.

Neste período, os Estatutos das Colônias de Pescadores eram aprovados por decreto do Ministério da Agricultura e vinculados ao marco autoritário dominante. Este Estatuto estabelecia que poderiam se associar nas entidades quaisquer pessoas ligadas à atividade pesqueira, como patrões de pesca, donos de fábricas de gelo, donos de frigoríficos, armadores, comerciantes de petrechos de pesca, funcionários de órgãos públicos ligados à pesca, pescadores amadores e pescadores artesanais. Esta flexibilidade das colônias de pescadores associarem nesse período os diferentes agentes envolvidos com a pesca deixava a representatividade dos pescadores artesanais ainda mais fragilizada, uma vez que cada um desses grupos sociais apresenta interesses diferenciados e, em alguns casos, totalmente opostos.

Como já foi ressaltado anteriormente, no final da década de 1970, o Estado passa a incentivar a implantação da indústria pesqueira nacional, principalmente através da concessão de incentivos fiscais e da isenção de impostos, buscando gerar novas divisas para o país, por meio da atividade pesqueira industrial. Em contrapartida, no mesmo período, a pesca artesanal foi perdendo incentivos. De acordo com Silva (2012), em meados dos anos

194 1970, surgem no país diversos movimentos de reivindicação para conquistas sociais amparados pela Pastoral da Pesca e em setores progressistas da Igreja Católica.

Na avaliação de Silva (2014), as colônias de pescadores no Brasil, historicamente, tiveram sua atuação política limitada à emissão de carteiras de pescadores e ações de seguridade social. Sua atuação no sentido de conquistar direitos e reivindicar direitos reclamados por pescadores se tornava inviável, pois através da entidade não seria possível os pescadores se organizarem sindicalmente. Essa relação apática das colônias de pescadores tem determinações históricas e somente se explica a partir da criação das mesmas. As colônias de pescadores sendo uma criação do Estado, sempre sofreram intervenções estatais desde 1919, quando as primeiras colônias foram regulamentadas pelo próprio Estado. Sendo obrigados a se matricularem para poder exercer a atividade da pesca e não se sindicalizarem, os pescadores recebiam a missão de proteger as águas do território brasileiro, servindo diretamente ao Estado.

Maldonado (1983: 46) considera que, com relação às colônias de pescadores, os próprios pescadores têm consciência da fragilidade destas instituições com a categoria profissional, reconhecendo a baixa representatividade do pescador nesta instância de decisão.

No caso dos pescadores no Brasil constata-se uma espécie de esgarçamento na sua vinculação institucional, percebido pela vinculação dos assuntos do mar a dos ministérios – Marinha e Agricultura – e que se evidencia também na origem e atuação da sua representação profissional. Às colônias de pescadores se impõem um modelo de organização que não visa atender os interesses do pescador artesanal ou promover a sua coalisão.

Sobre este aspecto, Esterci (2002) conclui que, estudos já realizados na Amazônia e em outras regiões do país trazem à tona a origem das colônias de pescadores e o caráter não representativo da organização com relação ao grande contingente de pequenos trabalhadores da pesca. Pois, por terem sido criadas pela Marinha e tendo por objetivo o controle do agrupamento dos pescadores do litoral, a garantia do abastecimento e da proteção da costa brasileira, ao serem transportadas para as situações de pesca dos rios e lagos, elas continuaram a ser regidas por normas legais contrárias à autonomia e à representação dos trabalhadores. A autora complementa que durante o século XX, na direção da organização, prevaleceram as presenças de outros profissionais como comerciantes, donos de barcos,

195 armadores, oficiais da marinha e até fazendeiros, tanto nas colônias quanto nas federações e na confederação.

A partir de 1970, em alguns estados do nordeste, um movimento começou a se fazer com o apoio da Igreja Católica e outras instituições, no sentido de mudar esta situação. Já nos anos de 1980, a Constituinte da Pesca, convocada pela própria Confederação e contando com o apoio efetivo da Comissão Pastoral da Pesca – CPP, foi um momento de mobilização nacional dos pescadores e resultou, afinal em alterações significativas introduzidas na Constituição de 1988. Entre as alterações destaca-se a que equipara a organização dos pescadores aos sindicatos de trabalhadores rurais e urbanos (...) De fato, depois da Constituição de 1988, surgiu o Movimento Nacional dos Pescadores – MONAPE, cujo objetivo seria o de garantir os direitos adquiridos por lei (...) (ESTERCI, 2002: 56):

Nessa perspectiva, a autora avalia que na década de 1980, com a promulgação da nova Constituição, em 05 de outubro de 1988, consideram-se alguns avanços no que diz respeito à organização trabalhista dos pescadores artesanais. As colônias passam a ser equiparadas, em seus direitos sociais, aos sindicatos de trabalhadores rurais, o que lhes possibilitou elaborar seus próprios estatutos, adequando-os à realidade de seus territórios.