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A imprevisibilidade na pesca: “Porque a pescaria é assim, cada tempo tem um

CAPÍTULO 02 TRABALHO E COTIDIANO DA ATIVIDADE DA PESCA EM

2.5 A imprevisibilidade na pesca: “Porque a pescaria é assim, cada tempo tem um

antropologia da pesca, consideram que a atividade pesqueira é imprevisível (DIEGUES, 1983; MALDONADO, 1986 e 1993; ADOMILLI, 2002). Para tanto, observam que os recursos pesqueiros não têm sua origem no trabalho humano. Na verdade, ao contrário da produção industrial, a reprodução dos objetos do trabalho, o peixe, é materializado segundo leis de reprodução biológica dos cardumes, as quais escapam ao controle humano. Neste

132 aspecto, Diegues (1983) esclarece que os recursos pesqueiros são móveis, muitas vezes “invisíveis”, reproduzindo-se e migrando de um ambiente para outro, obedecendo a complexos padrões, os quais se tornam de difícil compreensão humana.

Maldonado (1986: 31) fala de imprevisibilidade na pesca, sobretudo no que diz respeito à produção, pois o pescado tem natureza cíclica e móvel. “Já que, em tese, o pescador não pode controlar as condições do tempo e a mobilidade do peixe, utiliza mecanismos tecnológicos e direciona seus laços para organizar a produção, obter informações sobre as concentrações de pescado e assegurar vias de comercialização do produto”. Dessa forma, a mobilidade das espécies de peixe reforça a imprevisibilidade na pesca, uma vez, que as espécies se deslocam constantemente de acordo com os ciclos da natureza.

Porque a pescaria é assim cada tempo tem um traço. Tem tempo que dá mais é de dia, o peixe dá melhor de dia, tem tempo que é de noite. O peixe é o seguinte ele muda, entendeu? Ele muda. Ele tá dando de noite, tá dando, tá dando... Aí quando bate pro meio do verão aí ele passa parar mais de noite e andar de dia, quando é no inverno ele para de dia e anda de noite, mais é de noite... O cara às vez vai... às vez é faz 100, faz 200, 50, 60 reais. Mas a pescaria não tem lógica, não tem lógica: hoje você vai, faz 100 reais, amanhã você vai faz 30, né? Baixou o que? 70, né? Às vez depois de amanhã você já vai faz 200, 150... Assim que é a pescaria. Ela não tem lógica (Seu Zacarias - Entrevista realizada em 06/06/2015).

A exemplo do que os autores que se dedicaram a estudar outras comunidades de pescadores observaram sobre a imprevisibilidade da pesca, através dos dados de campo, constatei que em Penalva, o caráter de imprevisibilidade da pesca fica bastante evidenciado na fala dos pescadores. Quando Seu Zacarias diz no trecho acima que “O peixe é o seguinte ele muda, entendeu? Ele muda”, que em um determinado período é possível capturar o peixe durante a noite. Já em outros períodos a pesca de determinadas espécies somente se faz possível durante o dia, ou seja, fica esclarecido que a pesca em Penalva, também apresenta esse aspecto de imprevisibilidade.

Imprevisibilidade, da qual seu Pedro Penha, também pescador de Penalva, diz que, apesar de o pescador, escolher um ponto de pesca sobre o qual ele espera obter uma pescaria bem sucedida, ele “vai aventurando para vê se tem sorte” porque “pescaria não é uma coisa certeira”, é algo que depende também, da providência divina “é onde Deus dê”. Depender

133 da ajuda do sobrenatural significa dizer que no plano humano não é possível de se realizar, sendo, portanto a pescaria imprevisível “assim que é: ás vez pega, as vez não pega” dependendo, inclusive da “sorte”. Portanto, a categoria sorte, também traduz a concepção de que a pesca apresenta imprevisibilidade. Abaixo o trecho do depoimento em que essa questão é bastante ilustrada:

Aqui em Penalva é assim: o pescador chega bota a rede. Outro já chega e bota a rede dele mais adiante ... É onde Deus dê ... É assim, vai aventurando pra ver se tem sorte, né?. A pescaria não é uma coisa certeira, a gente com a experiência que já tem de muitos anos, já sabe mais ou menos os pontos que apanha melhor o peixe. Mas, nem toda vez acerta. As vez vê um ponto aí diz assim: - Eta, que aqui tá bom de peixe! Mas as vez não pega nada. Assim que é: as vez pega, as vez não pega (Pedro Penha - Entrevista realizada em 07/06/2015).

O meio aquático em que os pescadores desenvolvem suas atividades pesqueiras apresenta imprevisibilidades, já que o mar, os rios e os lagos não são espaços inertes, pelo contrário, são constituídos de dinâmicas que exigem saberes capazes de auxiliar os pescadores durante uma empreitada. Ocasiona, inclusive, riscos e até mesmo perigos de morte, que são inerentes à atividade. Para Maldonado (1993: 80):

Pela sua natureza cooperativa e pelo distanciamento da terra, a pesca é uma atividade na qual a confiança e a competência dos participantes constituem condições de produção. O mar não só sugere riscos e conflitos, como exige que haja harmonia entre os pescadores, para que a cooperação tenha lugar. Essa cooperação é feita também do senso de igualdade que caracteriza os pescadores e que termina por se estender até o desembarque.

Esse aspecto também foi observado por Adomilli (2002: 84) com os pescadores artesanais do Parque Nacional da Lagoa do Peixe no Rio Grande do Sul, onde ele constatou que:

(...) a imprevisibilidade vem acompanhada da noção de “sorte” e de “fracasso”. Para os pescadores, junto ao conhecimento e a habilidade, é preciso uma boa dose de “sorte”. Utilizando a ideia de jogo, como metáfora, na pesca deve-se jogar: o pescador domina as regras (saber) e as executa com habilidade (fazer), mas o resultado não depende apenas do jogador, ou de sua estratégia, mas de forças alheias a ele (a natureza), que

134 são determinadas para o resultado (sorte). Portanto, saber jogar é imprescindível, mas o resultado independe do conhecimento.

Neste sentido, a atividade pesqueira, por si só apresenta uma instabilidade que está relacionada com seu objeto de trabalho, o peixe. Pois, por ser um recurso aquático e estar constantemente se movimentando debaixo d`água, faz com que o pescador não tenha controle sobre o mesmo. Muito embora, os conhecimentos que o pescador adquire ao longo dos anos e com a prática e experiência da atividade pesqueira e da própria interação do pescador com a natureza e com o meio aquático, proporcionada pelo processo de trabalho na pesca, confira ao pescador habilidades capazes de detectar os pontos de pesca ou pesqueiros. Contudo, devido sua incerteza sobre os locais exatos que se encontram os cardumes e determinadas espécies, atribui à pesca a imprevisibilidade, como é possível observar nos depoimentos dos interlocutores:

Aí eu chego pra mim armar a minha rede, marro a rede lá, aí, aguardo lá.. às vez pega, às vez não pega. Assim que é... (Seu Benedito - Entrevista realizada em 15/11/2014).

Olha! Nós já tivemo pescaria de 20,00 até 600, 00 reais em uma madrugada. Até 600,00 reais! De 150, 00; 400,00 assim que é... Mas também, tem vez que você não apanha nada (Seu Domingos Silva - Entrevista realizada em 12/11/2015).

Nos depoimentos acima fica esclarecido que a pesca é imprevisível na medida em que, mesmo com o conhecimento que o pescador tem sobre o ambiente, não é possível a ele ter certeza que ao escolher um determinado ponto de pesca terá um pesca bem sucedida, como expressou o pescador Benedito: “às vez pega, às vez não pega”.