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As Competências Percebidas na Infância

Parte I – Fundamentação Teórica

1.5. As Competências Percebidas na Infância

Aliado ao desenvolvimento dos interesses, surge frequentemente o sentimento de competência, muitas vezes referido na literatura científica como autoeficácia (ressalvando as distinções7 feitas entre estes dois conceitos por vários autores), coexistindo estes dois construtos nalgumas formulações teóricas contemporâneas do desenvolvimento de carreira. A teoria sociocognitiva de carreira (e.g., Lent et al., 1994, 2000, 2002; Lent et al., 2010), em particular, sustenta que os sujeitos mantêm o interesse numa atividade quando se percecionam como competentes (autoeficazes) e quando antecipam a obtenção de resultados positivos resultantes do desempenho da mesma. Os interesses emergentes (juntamente com a autoeficácia e as expectativas de sucesso) conduzem à formação de objetivos que sustentam ou aumentam o envolvimento nessa atividade. Por seu lado, esses objetivos aumentam a probabilidade de realizar atividades com eles congruentes. Os resultados obtidos no desempenho dessas atividades fornecem feedback importante que ajuda a consolidar ou a redefinir a autoeficácia e as expectativas de resultado, e, concomitantemente, os interesses (Lent et al., 1994, 2000, 2002). Citando Silva e Paixão (2007, p. 8) “as crenças de eficácia pessoal, ou aquilo que as pessoas acreditam ser verdadeiro sobre elas próprias, mais do que a “verdade” objectiva, constituem as causas principais dos níveis de motivação, dos estados afectivos e dos cursos de acção das pessoas”.

Tal como já referimos anteriormente em relação ao estudo das aspirações e dos interesses, as pesquisas desenvolvidas no âmbito da autoeficácia têm incidido em grupos etários mais avançados, pouco se sabendo como se desenvolve esta perceção nas crianças (Ramos et al., 2007).

As pesquisas de Fouad (2010) salientam que as razões que levam muitas raparigas a evitarem escolher disciplinas e percursos educativos e profissionais nas áreas denominadas pelo acrónimo STEM (Science, Technology, Engineering and Math) estão relacionadas com as perceções de competência e expectativas de resultado construídas em torno dos mesmos e nas quais a autoconfiança fomentada por pais e professores desempenha um papel ainda mais

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Segundo Tracey e Ward (1998) é difícil diferenciar a autoeficácia e as perceções de competência, indicando que alguns autores consideram as perceções de competência como indicativas da autoeficácia, enquanto outros as consideram distintas, mas concetual e empiricamente sobrepostas (Lent, Brown, & Gore, 1997, cit. em Tracey & Ward, 1998)

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85 importante do que os seus próprios interesses iniciais. A autora refere ainda uma relação próxima entre (auto)confiança e interesse: “se sentirem que são capazes, tal alimenta o seu interesse” (Fouad, 2010, p. 26).

Num estudo longitudinal com crianças entre o 1º e o 12º anos de escolaridade, Denissen, Zarrett e Eccles (2007), concluíram que, de um modo geral, os sujeitos sentem-se competentes e interessados em áreas em que têm êxito, e neste último caso, em áreas onde percebem as suas forças pessoais. Também os resultados de um estudo de Primé et al. (2010) com crianças Italianas entre os 8-12 anos, sugerem a existência de uma correspondência entre as perceções de competência e os interesses, ou seja, as crianças tendem a interessar-se por atividades que percecionam como sabendo fazer bem.

Outro estudo desenvolvido em Itália (Bandura et al., 2001) com crianças dos 11 aos 15 anos evidenciou diferenças de género nas perceções autoeficácia: os rapazes revelaram maior sentimento de eficácia do que as raparigas em carreiras relacionadas com a ciência e a tecnologia, serviço militar e forças policiais, enquanto as raparigas se consideraram mais eficazes em carreiras nas áreas da educação e saúde, e atividades relacionadas com serviços sociais e administrativos. Algumas das escolhas ocupacionais também se revelaram distintas considerando o sexo a que pertenciam os participantes do estudo. Enquanto os rapazes indicaram mais escolhas ocupacionais nas áreas das finanças e vendas, forças policiais e militares, e atividades que implicam trabalho manual, produção mecanizada e reparação, as escolhas das raparigas incidiram sobretudo na educação ao nível do ensino básico, cuidado e acompanhamento de crianças e reabilitação de doentes. Os autores constataram ainda a existência de uma relação positiva entre as aspirações parentais e as três formas de perceção de autoeficácia dos filhos: académica, social e autorregulatória. As aspirações dos pais em relação aos filhos demonstraram ter impacto nas aspirações académicas e níveis de desempenho académico, mas não nas considerações de carreira. Todas as três formas de perceção de autoeficácia contribuem para a eficácia ocupacional, mas foram as perceções de autoeficácia académica que revelaram ter maior impacto. As crianças com sentimento elevado de eficácia académica consideraram-se mais eficazes em carreiras relacionadas com a ciência e a tecnologia, áreas médicas e educacionais, artísticas e literárias, bem como de gestão de negócios e sistemas de serviço social, sendo interessante notar que o sentimento de autoeficácia ocupacional foi baseado mais nas suas crenças acerca das suas capacidades académicas, do que

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no rendimento académico real. Este estudo evidenciou, igualmente, que quanto mais fortemente os pais acreditam que podem ter um papel no desenvolvimento escolar dos filhos, mais elevadas são as aspirações educacionais que têm para os filhos, corroborando outros estudos que evidenciam que o forte sentimentos de eficácia promove aspirações elevadas tanto em crianças como nos adultos.

Resultados de estudos com participantes mais velhos, também evidenciaram diferenças de género nas perceções de autoeficácia relativamente a diferentes áreas profissionais. A pesquisa pioneira de Betz e Hacket (1981) demonstrou que os rapazes (jovens universitários) revelaram perceções de autoeficácia semelhantes, tanto ao nível de profissões tradicionalmente masculinas como tradicionalmente femininas, enquanto as raparigas se consideraram mais autoeficazes nas profissões tradicionalmente femininas, mas pouco eficazes nas profissões tradicionalmente desempenhadas por homens. As autoras salientam a pertinência e implicações destes resultados, pois os participantes dos dois grupos não diferiam nas capacidades verbal e de matemática de testes estandardizados. As autoras concluem que o evitamento de determinadas áreas de atividade como resultado de baixa autoeficácia pode inibir o desenvolvimento de interesses, enquanto o envolvimento numa diversidade e variedade de comportamentos pode expandir o leque de interesses.

As pesquisas em torno da autoeficácia demonstraram ainda que a sua avaliação segue a mesma estrutura dos interesses (Tracey, 2002; Tracey & Ward, 1998), podendo ser organizada segundo a estrutura RIASEC. As investigações neste âmbito têm demonstrado que, tal como nos interesses, as perceções das competências das crianças tendem a ser elevadas, diminuindo com o aumento da idade e aumento da capacidade de discriminação (Tracey, 2002; Tracey & Ward, 1998).

Face ao exposto, consideramos que a infância se assume como um período decisivo no desenvolvimento vocacional, sendo necessário não só aprofundar o estudo sobre os processos influentes nesta fase etária, que irão ter repercussões nas decisões e escolhas vocacionais subsequentes ao longo da vida, como encontrar estratégias que evitem o estabelecimento de compromissos assumidos precocemente.

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