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A Teoria Sociocognitiva de Carreira

Parte I – Fundamentação Teórica

1.1. Alguns Modelos Explicativos do Desenvolvimento Vocacional

1.1.4. A Teoria Sociocognitiva de Carreira

A teoria sociocognitiva de carreira (TSCC; Lent, 2013; Lent, Brown, & Hackett, 1994, 2000, 2002) é uma abordagem relativamente recente do desenvolvimento de carreira que, integrando elementos comuns das contribuições teóricas de autores como Super, Holland, Krumboltz e Lofquist e Dawis, procura compreender os processos através dos quais as pessoas desenvolvem os seus interesses vocacionais, realizam escolhas profissionais, atingem diferentes níveis de sucesso e estabilidade na carreira, e ainda experienciam satisfação ou bem-estar em contextos de trabalho (Lent, 2013; Lent et al., 2000). A TSSC (Lent, 2013) converge em alguns aspetos com teorias anteriormente referidas, como as abordagens traço-fator (ou de correspondência entre pessoa-ambiente) de que a teoria de Holland é exemplo, ou as abordagens desenvolvimentistas, como a teoria desenvolvimentista de Super e a teoria de circunscrição e compromisso de Gottfredson. Tal como as teorias de correspondência

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45 ambiente, também a TSSC salienta a importância do papel que interesses, capacidades e valores podem ter no processo de desenvolvimento de carreira. Da mesma forma, similarmente às abordagens desenvolvimentistas, a TSSC incide no modo como as pessoas consideram determinadas tarefas e metas (e.g., escolha de carreira).

No entanto, vários são os aspetos distintivos entre estas teorias que demarcam a TSSC das mesmas (Lent, 2013). Ao contrário das teorias de correspondência pessoa-ambiente, a TSSC acentua a vertente dinâmica e específica tanto das pessoas (e.g., visões próprias, expectativas, metas futuras, comportamento) como dos ambientes (e.g., apoios/suportes sociais e barreiras/entraves financeiros), realçando que, apesar da estabilidade relativa dos traços, as pessoas e os ambientes podem ser objeto de mudança, fruto das suas interações recíprocas. A TSSC também apresenta aspetos diferenciadores relativamente às teorias desenvolvimentistas, ao não enfatizar tanto aspetos como idades e estádios específicos, focando-se, antes sim, nos elementos que podem contribuir para a promoção ou impedimento de comportamentos desejáveis de carreira durante as tarefas ou etapas de desenvolvimento.

Como tal, segundo Lent (2013) a TSSC pode constituir-se como uma abordagem complementar destas teorias, procurando responder a questões como: “de que forma as pessoas são capazes de mudar, desenvolver e regular o seu próprio comportamento”; ou em que medida “os interesses se diferenciam e intensificam, ou mudam ao longo do tempo”, e “que fatores, para além dos traços, promovem a escolha de carreira e a mudança” (teorias de correspondência), bem como de que forma “o trabalho e outros papéis de vida se tornam mais ou menos salientes para determinados sujeitos (Super)”, ou mesmo “como é que as opções de carreira de um sujeito se tornam restritas e circunscritas ao longo do tempo (Gottfredson)” (Lent, 2013, p. 117).

Tendo por base principal a abordagem da teoria sociocognitiva geral de Bandura (1986), a TSSC realça diversas variáveis pessoais cognitivas (e.g., autoeficácia, expectativas de resultado e objetivos pessoais), bem como a forma através da qual estas variáveis interagem com outros aspetos do sujeito e do seu ambiente (e.g., género, etnia, apoios/suportes sociais e barreiras) no seu desenvolvimento de carreira (Lent, 2013; Lent et al., 2000). Este modelo teórico enfatiza ainda, neste processo, a capacidade do sujeito dirigir o seu próprio comportamento (i.e.

agência), assentando “(…) na premissa da agência pessoal no processo de tomada de decisão de

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dificultam essa mesma agência” (Ramos, Paixão, & Silva, 2007, p. 28). Em seguida, iremos descrever, ainda que sucintamente, os principais mecanismos da agência pessoal salientados pela TSSC: crenças de autoeficácia, expectativas de resultados e objetivos pessoais.

As crenças de autoeficácia remetem para um conjunto dinâmico de crenças acerca de si mesmo, específicas de determinados domínios de desempenho, que resultam de processos interativos complexos entre as características pessoais, o comportamento e fatores do contexto (Lent et al., 2002), não se constituindo a autoeficácia como um traço global, sendo portanto distinta da autoestima ou do autoconceito (Lent, 2013). A aquisição e modificação das crenças de autoeficácia decorrem de quatro fontes de informação, ou tipos de experiência de aprendizagem, nomeadamente: os desempenhos pessoais, a aprendizagem vicariante, o encorajamento/persuasão social e estados fisiológicos e afetivos (Bandura, 1997 cit. em Lent, 2013). Apesar de o impacto destas fontes de experiência nas crenças de autoeficácia variar em função de uma diversidade de fatores, as experiências pessoais passadas e a avaliação cognitiva que o sujeito delas faz, são consideradas como a fonte mais influente na sua construção e manutenção (Lent, 2013; Lent et al., 2002). Com efeito, segundo este modelo teórico, as experiências de sucesso relativamente a determinada tarefa ou domínio de desempenho, tendem a fortalecer as crenças de autoeficácia em relação aos mesmos, enquanto as experiências de fracasso tendem a diminui-las (Lent, 2013; Lent et al., 2002).

As expectativas de resultado constituem crenças pessoais acerca das consequências ou resultados decorrentes da concretização de determinado comportamento ou conjunto de ações. Enquanto as crenças de autoeficácia incidem sobre as capacidades percebidas (e.g., “serei capaz

de fazer isto?”, as expectativas de resultado remetem para as consequências imaginadas de

ações específicas (e.g., “se eu fizer isto, o que irá acontecer?”) (Lent, 2013; Lent et al., 2002). As mesmas abrangem um conjunto de crenças acerca dos resultados comportamentais, nomeadamente: as crenças sobre os reforços com o exterior (obtenção de recompensa decorrente do desempenho com sucesso), as consequências ao nível do self (como o orgulho sentido em relação a si mesmo ao proeminar numa tarefa desafiante), e os resultados decorrentes do processo de desempenho de determinada atividade (como a dedicação/interesse na tarefa em si mesma) (Lent et al., 2002). A teoria veicula ainda que o processo de construção das expectativas de resultado é semelhante ao das crenças de autoeficácia (Lent et al., 2002). É através de uma variedade de experiências de aprendizagem

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47 diretas e vicariantes (tais como as perceções dos resultados obtidos em experiências anteriores ou informações acerca de diferentes domínios vocacionais obtidas indiretamente através da família, comunidade ou media, por exemplo), que o sujeito desenvolve expectativas de resultados em relação a diversos percursos académicos e de carreira (Lent, 2013). Também a autoeficácia pode ter influência neste processo, especialmente em situações em que os resultados estão inextricavelmente ligados à qualidade de desempenho, uma vez que “(…) usualmente as pessoas esperam obter resultados positivos (e evitar os negativos) quando desempenham tarefas nas quais se sentem competentes” (Lent, 2013, p. 119).

Segundo Lent (2013) os objetivos pessoais remetem para a intenção de desenvolver determinada atividade ou de obter um resultado específico, sendo diferenciados pela TSSC em

objetivos de carreira (tipo de carreira que o sujeito deseja alcançar) e objetivos de desempenho

(nível ou qualidade de desempenho esperado numa determinada tarefa ou domínio). O estabelecimento de objetivos contribui para a organização, direção e sustentação do comportamento do sujeito, proporcionando o exercício da agência pessoal de metas educacionais e profissionais. De acordo com a TSSC, tanto os objetivos de carreira, como os objetivos de desempenho, são influenciados quer pelas crenças de autoeficácia quer pelas expectativas de resultado: níveis elevados de autoeficácia e expectativas de resultado positivos em relação ao desempenho de determinada atividade (e.g., desempenho musical) podem conduzir ao estabelecimento de objetivos relacionados com essa tarefa (e.g., dedicar mais tempo à prática, procurar oportunidades de exercício da mesma ou até seguir uma carreira na área musical). De igual forma, também o sucesso (ou insucesso) decorrente da consecução dos objetivos influenciam a autoeficácia e as expectativas de resultado, podendo fortalecer (ou diminuir) estas últimas (Lent, 2013).

A TSSC (Lent, 2013) propõe, no âmbito vocacional, a intersecção de quatro modelos conceptualmente distintos (embora sobrepostos) relacionados com o desenvolvimento dos interesses, a realização de escolhas, as influências e resultados de desempenho, e a satisfação ou bem-estar em contextos educacionais e profissionais. Dada a relevância de que se revestem para a presente investigação, de seguida, iremos debruçarmo-nos essencialmente sobre aspetos relacionados com os dois primeiros2.

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Os outros dois modelos referem-se à explicação do comportamento e desenvolvimento vocacional em idades mais avançadas, onde os sujeitos já efetuam uma avaliação cognitivo-emocional dos seus desempenhos.

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O modelo de desenvolvimento de interesses salienta a importância de fatores cognitivos e experienciais na emergência dos mesmos, evidenciando o seu papel motivacional no comportamento de escolha e aquisição de capacidades (Lent et al., 2002). As crianças e os adolescentes são expostos a um conjunto diversificado de atividades nos vários ambientes em que participam, quer direta, quer indiretamente: casa, escola e comunidade, por exemplo. De entre o leque de atividades disponíveis, pais, professores e pares, tendem a encorajar seletivamente estes jovens a alcançar ou a ter bom desempenho em algumas das mesmas. É através da experiência de diferentes atividades e consequente feedback (tanto positivo, como negativo) recebido acerca da qualidade do seu desempenho, que, de forma gradual, as crianças e adolescentes “(…) redefinem as suas capacidades, desenvolvem padrões pessoais de desempenho, e formam autoeficácia e expectativas de resultado relativamente a diferentes tarefas e domínios de comportamento “ (Lent, 2013, p. 120).

O modelo de desenvolvimento dos interesses da TSSC (Figura 1.5) postula que tanto a autoeficácia como as expectativas de resultado relativas a atividades específicas, contribuem para a formação de interesses, uma vez que os mesmos tendem a florescer e perdurar quando o sujeito se autoperceciona como competente (autoeficaz) nessas atividades e quando antecipa resultados positivos (expectativas de resultado positivas) decorrentes do desempenho das mesmas. Da mesma forma, o sujeito tende a desinteressar-se por atividades em que duvida conseguir ser eficaz ou das quais espera receber resultados negativos (Lent, 2013; Lent, Paixão, Silva, & Leitão, 2010).

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49 Os interesses, juntamente com as crenças de autoeficácia e as expectativas de resultado contribuem para a formulação de objetivos (ou intenções) ao manterem ou aumentarem o envolvimento do sujeito em atividades específicas. Por seu lado, os objetivos levam ao aumento da prática de determinadas atividades, conduzindo ao estabelecimento de um padrão de realização de desempenho, responsável pelo reexame da autoeficácia e das expectativas de resultado num processo de feedback cíclico (Lent, 2013).

A TSSC (Lent, 2013; Lent et al., 1994, 2000, 2002) realça, igualmente, a importância de aspetos pessoais e ambientais no processo de desenvolvimento de carreira, como o género, a raça/etnia, o legado genético, saúde física ou mesmo as condições socioeconómicas. Com efeito, “a autoeficácia e as expectativas de resultados, não surgem num vácuo social, nem atuam sozinhas na formação de interesses e outros produtos vocacionais” (Lent, 2013, p. 122). Considerando em particular o efeito do género3, a TSSC considera que os processos de socialização dos papéis de género podem enviesar o acesso de rapazes e raparigas a experiências necessárias ao desenvolvimento de crenças de autoeficácia fortes e expectativas de resultado positivas em atividades consideradas de tipo masculino ou feminino. Tais processos podem contribuir para a explicação do desenvolvimento de capacidades e, por conseguinte, de interesses diferenciados de rapazes e raparigas em tarefas culturalmente associadas a cada um dos géneros (Betz & Hackett, 1981; Lent, 2013).

Tal como veiculado pelas abordagens desenvolvimentistas, também a TSSC enfatiza a vertente dinâmica do processo de escolha de carreira. A escolha de carreira (Figura 1.6), é pois, precedida do desenvolvimento de crenças de autoeficácia, expectativas de resultado, interesses e capacidades em diferentes domínios de desempenho que, ao longo do tempo, tornam determinadas alternativas de escolha mais apelativas do que outras (Lent, 2013).

Neste processo, a TSSC (Lent, 2013; Lent et al., 1994, 2000, 2002) salienta a relevância dos fatores ambientais (barreiras e oportunidades), distinguindo as influências de contexto distais (e.g., socialização dos papéis culturais e de género, tipo de modelos de papéis de carreira disponíveis, oportunidades de desenvolvimento de capacidades), que contribuem para a formação da autoeficácia, expectativas de resultado e dos interesses; e as influências ambientais

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A TSSC interessa-se mais pelo efeito psicológico e social do género do que o aspeto físico e biológico a que a variável sexo diz respeito (Lent, 2013; Lent et al., 2002).

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proximais (e.g., apoio financeiro e emocional em determinada escolha, disponibilidade de emprego na área profissional preferida).

Figura 1.6. Modelo de fatores pessoais, contextuais e de experiência que influenciam o

comportamento de escolha de carreira (Lent, 2013, p. 122)

Apesar de a TSSC considerar que as escolhas educacionais e profissionais estão frequentemente ligadas aos interesses, a teoria ressalva que tal nem sempre se verifica. Com efeito, constrangimentos de índole, nomeadamente, económica e cultural, levam a que os interesses pessoais possam ser comprometidos, sendo as escolhas, nestes casos, determinadas pelas opções disponíveis, pela natureza da autoeficácia e expectativas de resultado, recursos disponíveis de escolha, e as mensagens recebidas do sistema de apoio do sujeito (Lent, 2013).

Este modelo teórico (Lent, 2013) realça a importância da infância e da adolescência, considerando que é nestas faixas etárias que têm lugar (em contexto académico, familiar e de grupo de pares, por exemplo) vários processos fundamentais, com implicações na tomada de decisão e ajustamento que decorrerão mais tarde nas vidas destes jovens. Estes processos contemplam a aquisição de expectativas de autoeficácia e de resultado relativamente a diversas atividades, desenvolvimento de interesses acerca de carreiras socialmente relevantes, bem como a formação das aspirações de carreira (designados de objetivos profissionais temporários ou sonhos de carreira).

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51 Segundo a TSSC (Lent, 2013), a compreensão das crianças acerca das suas capacidades, bem como das atividades e percursos vocacionais de carreira, tende a ser limitada e os seus interesses e aspirações estereotipados e restritos, visto a sua experiência e exposição a modelos de papéis de carreira serem limitadas. Durante a infância e adolescência o contexto experiencial destes jovens vai aumentando, quer através do desempenho de determinadas tarefas, quer pela exposição direta e vicariante a um leque diversificado de possibilidades de carreira. Por seu lado, estas experiências resultam em diversas crenças acerca das capacidades necessárias em diversos domínios, bem como dos resultados que poderão advir desse desempenho. Estas crenças de autoeficácia e de resultado levam à formação de interesses relativamente a carreiras relevantes e objetivos, e tendem a ser mais definidos e cristalizados ao longo do tempo, apesar de nestas faixas etárias ainda serem relativamente mutáveis, recorrendo a informação adicional acerca do

self (e.g., capacidades pessoais, valores) e das carreiras (e.g., capacidades requeridas, reforços

disponíveis). Como tal, “ as aspirações de carreira tendem a progressivamente dar resposta aos interesses pessoais, capacidades, valores e condições ambientais (e.g., expectativas familiares e culturais, realidades económicas) ” (Lent, 2013, p. 135).

Estas considerações acerca da TSSC pressupõem que as crenças de autoeficácia e as expectativas de resultado estão indelevelmente associadas ao “cultivo” dos interesses académicos e de carreira destes jovens, bem como o leque e tipo de opções profissionais que estão dispostos a contemplar (Lent, 2013). No entanto, de acordo com esta teoria, as diferenças nas aspirações podem ser resultantes de crenças diferenciais de autoeficácia e de expectativas de resultado que decorrem da falta de acesso ao mesmo tipo ou qualidade de ambientes de aprendizagem (Howard et al., 2011). Assim, a TSSC enfatiza a importância de implementar intervenções desenvolvimentais, promotoras das expectativas de autoeficácia e de resultado, durante a infância e a adolescência, antes que interesses e aspirações se tornem relativamente estáveis e que algumas opções sejam eliminadas prematuramente (Lent, 2013; Lent et al., 2002).

Sintetizando, face ao postulado, a TSSC assume-se como um modelo explicativo não só da formação de diversas variáveis fundamentais no processo de desenvolvimento vocacional, como a autoeficácia e os interesses, e das inter-relações complexas que entre elas se estabelecem, como também das aspirações vocacionais.

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1.2. Consideração de algumas variáveis com impacto no desenvolvimento vocacional