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Trabalhar em pesquisa com uma temática prazerosa, faz com que o pesquisador ou pesquisadora adquiram uma maior probabilidade de êxito em suas ações. Diante disso, a impressão que tenho no presente momento, é que o tema escolhido para esse trabalho, demarcou um tratamento diferenciado ao objeto. Por quê? Simplesmente porque ele, o tema, faz parte de mim, de minha história, da minha vida, de meus pais, meus avós, meus familiares. Ao perceber que essa minha história era compartilhada por um grupo maior de pessoas, me dei conta que essas pessoas são meus semelhantes e vivenciamos as mesmas expectativas, as mesmas inquietações e as mesmas vivências.

Ao analisar os conteúdos das entrevistas, é possível observar que há uma direção comum do olhar de análise tanto do entrevistado quanto do entrevistador. Acontece que o nosso olhar interpretativo dos fatos descritos, não se traduz em um olhar polifônico. Pelo contrário, se apresenta com muitas semelhanças. Daí, percebi também que se trata de uma inquietação que busca a compreensão e elucidação de uma lacuna existente sobre nossos referenciais de origem e nosso lugar na sociedade. As implicações daí decorrentes levam o pesquisador a ampliar cada vez mais o raio de abrangência de suas constatações.

Daí a relevância da Metodologia Afrodescendente de Pesquisa, que assim como a história do povo negro no Brasil, ainda hoje resiste no enfrentamento de barreiras impostas pela estrutura dominante. Todavia, a metodologia se faz presente e necessária para que possamos contar mais e mais histórias da população negra, ainda oculta nos livros didáticos e paradidáticos. Tal ocultamento se fez de maneira proposital e de longa duração, fazendo com que suscitássemos a necessidade de buscar caminhos diferenciados para nos inserirmos no processo historiográfico. O recurso mais eficaz que temos próximo, vem da constatação de histórias que temos de acesso relativamente fácil: nossos Griots. Sábios conhecedores dos costumes e tradições de tempos milenares que vieram e trouxeram o conhecimento em suas memórias. Passaram seus conhecimentos oralimentando as gerações seguintes e se mantém presentes na cultura brasileira em todos os seus desdobramentos.

Nesse trabalho, a História Oral é apresentada como uma ferramenta que sustenta e alicercea a construção do conhecimento a ser desvelado e complementa

193 as lacunas deixadas pela historiografia oficial. Com isso, os testemunhos compõem o que a gente tem de melhor: a nossa história contada a partir da concepção de quem “teceu” os fatos históricos em tempos recentes. A narrativa elabora os acontecimentos com extrema fidelidade, algumas vezes com a preocupação de manter e preservar os valores de nossa civilização ancestral, mesmo inconsciente e ao mesmo tempo sabedores da possibilidade de alterações em sua essência. Essa constatação se faz relevante, uma vez que o entrevistado muda o olhar e muda a compreensão da história oficializada. Trata-se do “meu lugar”. É o “meu espaço corpóreo” e onde me vejo em uma relação de pertença com minha história. São as minhas memórias, as memórias de minha família e do grupo o qual pertenço. A história que me contavam em casa, alimentava a alma e fazia-me sentir presente no tempo e no espaço social, para que pudesse enfrentar o silenciamento de minha história nas instituições. Distanciamos do silêncio e construímos nosso lugar nos eventos e nos fenômenos históricos. O que produzimos são memórias dos negros.

Por um determinado período de tempo, houve a sensação de que a história dos Clubes Sociais Negros se encontrava apenas na memória das pessoas. Todavia, a pesquisa mostrou que o momento estanque vivenciado pelos Clubes Sociais Negros vem sendo superado. Nas narrativas é possível perceber que as recordações se fazem presentes com certo teor nostálgico, como verificamos no conteúdo de uma entrevistada em referência ao Aristocrata Clube: Deu certo até um certo tempo. Depois fomos perdendo os fundadores e a coisa foi caindo. Vieram os filhos e ninguém tomou pulso forte para continuar. A nova geração não queria mais. Não tinha acompanhamento com a atualidade”.

Contudo, as mobilizações são fato. A manutenção do racismo levou à necessidade de organização da população negra praticamente em todo o território nacional. A partir de ações dos movimentos negros organizados, existe um comprometimento por parte dos setores governamentais no sentido de se implantarem medidas que possam revitalizar as instalações dos antigos Clubes Sociais Negros, dada a sua importância para a sociedade. Com isso, alguns avanços são verificados, como a implementação de políticas públicas de preservação, manutenção, fortalecimento, difusão e salvaguarda destes lugares de resistência e identidade negra. Os Clubes Sociais Negros estão na pauta das ações governamentais da Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial

194 (SEPPIR), Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Secretarias de Cultura dos estados e entidades do movimento civil organizado. A tônica do debate insere os Clubes Sociais Negros no âmbito de patrimônio imemorial, visando entender os caminhos e apontar as diferentes visões da realidade.

A pesquisa mostrou a necessidade de serem ampliados os objetos de pesquisa e diversificadas as suas abordagens de análises. Desta forma, haverá maior probabilidade de nos aproximarmos de demandas que fazem referência a uma população historicamente colocada à margem do debate de seus reais interesses.

Nós educadores, comprometidos com um futuro diferenciado para as gerações

mais novas, buscamos meios diversificados para que possamos contribuir para a permanência das crianças e jovens nas escolas. Permanecer com alegria e prazer. Nosso objeto de investigação é uma ferramenta que aponta caminhos diferenciados para a construção de uma sociedade verdadeiramente plural, acrescentando mais uma abordagem aos parâmetros curriculares existentes.

Os Clubes Sociais Negros atuaram no sentido de promoverem o apoio comunitário necessário para que a população negra pudesse se estabelecer na sociedade brasileira. É interessante destacar que além de se tornarem um reduto permanente da cultura e hábitos dos negros no Brasil, os clubes inserem a população negra no espaço urbano e dão o sentido de representação social para esta parcela da população.

Uma hipótese confirmada no decorrer do trabalho investigativo é a afirmação de que a estratégia de dominação é transformada em ideologia e transcrita na história local através do procedimento omisso das classes dominantes. Daí, o racismo tornou-se institucionalizado, transpassando por todos os setores de convívio da sociedade nacional, legitimando a exclusão nas esferas socioculturais inclusive no lazer.

Outra hipótese ratificada no decorrer dessa pesquisa é a afirmação de que a existência de inúmeros clubes sociais negros verificados no país, caracteriza uma modalidade específica de movimento social de resistência das populações negras. Diante do quantitativo desses clubes e a localização em espaços longínquos nos vários estados da federação, é possível perceber que a disseminação dos lugares

195 como cantos, recantos e recintos de danças se expandiram em torno dos ideais de liberdade como reação a situações adversas. Além disso, os Clubes Sociais Negros se caracterizaram como uma ação coletiva de grupos organizados, com questionamento da realidade com vias a alcançar determinados fins: superar a discrimimação. Trata-se de uma modalidade particular de mobilização, organização e agrupamento das populações negras em um espaço específico. Razões várias levaram à necessidade de criação dos clubes. Contudo, a assistência social, a ajuda mútua, a escolarização, o debate político ou o lazer, conduziram a um fim muito bem definido: a reunião do povo negro no ato de se fazer presente e se recriar no espaço urbano.

A tese é uma contribuição para a compreensão da construção da identidade e da inscrição histórica da população negra de Juiz de Fora. O Elite e os Recantos Sociais Negros, revelam uma das formas de pensar o negro urbano e se urbanizando em Juiz de Fora, tornando uma reflexão interessante pela sua localização e pela sua relação com o urbano. Embora seus frequentadores sejam oriundos de várias localidades, tais recintos não são clubes localizados em áreas periféricas distantes. Estão a um passo da linha de expressão racista fortemente simbólica de Juiz de Fora, e esses lugares são símbolos de uma trincheira que ameaçou a invasão do espaços restritos e segregados da elite branca da cidade.

Afirmo que a sociabilidade realizada por estes clubes foi fundamental no projeto de realização social da comunidade negra, na sua luta contra o racismo institucional e as imposições contrárias às necessidades da população negra de inclusão social. Afirmo também que a dimensão do lazer, dos bailes e festas, existiram dentro de um projeto de resistência coletiva e de uma forma de inserção social.

A partir de um olhar analítico, percebe-se que o processo de inserção da população negra no meio urbano, foi caracterizado por constantes enfrentamentos impostos por uma ideologia dominante. Porém, essa população adquiriu meios de se manter presente na sociedade, através das atividades culturais, socializadoras, recreativas, religiosas, dentre outras formas de afirmar sua presença.

Trata-se de um desafio para os educadores, pesquisadores, intelectuais, críticos da sociedade e cientistas reiterarem a necessidade de produção de material

196 didático, paradidático, instrumentos de trabalho e ferramentas que deem suporte a ações culturais, esportivas, artísticas. Tais ações devem ser direcionadas rumo à superação de preconceitos gerados pelo racismo antinegro, que venham contribuir para a criação de políticas, visando à diversidade humana em proporcionar a transformação da estrutura vigente.

A sociedade brasileira e suas instituições, deverão estar em sintonia com os projetos que buscam eliminar o racismo e as práticas racistas em suas relações sociais e raciais. Destaco as comunidades escolares, porque dessa forma, a sociedade em geral e a educação em particular, exercerão o dever de inserirem nas práticas, no imaginário e representações da nação brasileira, o respeito à população negra; uma das metas do presente trabalho.

Acredito que as atividades de lazer forneceram o subsídio necessário para que os afrodescendentes, viessem se estabelecer de fato no cotidiano da sociedade praticamente em todos os setores, principalmente porque a diversão, a dança e a música acentuam a unidade e são sempre atividades coletivas. Elementos importantes para a sobrevivência psíquica das populações negras na edificação de sua história. História que começa a ser contada com seus próprios métodos e à sua maneira, principalmente.

A intenção é ampliar informações sobre temas relacionados à população negra nos diversos setores da sociedade brasileira contemporânea, acrescentando mais argumentos à implementação da Lei 10.639/2003; fazendo com que os agentes sociais possam estar comprometidos com uma sociedade verdadeiramente transformadora.

197 8 – Referências

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