• Nenhum resultado encontrado

Negras damas nos bailes e clubes de Juiz de Fora

6 LAÇOS DE MEMÓRIA: CLUBES NEGROS DO SUL/SUDESTE BRASILEIRO

6.6 Negras damas nos bailes e clubes de Juiz de Fora

Em Juiz de Fora/MG, a presença das mulheres no espaço do Elite Clube era marcante, segundo entrevistas colhidas nos últimos anos. Sabe-se que havia um ambiente acolhedor em localidades do entorno que davam suporte às pessoas em trânsito na cidade e que se deslocavam para o Elite Clube. Tem-se conhecimento que a entrada no clube somente era permitida para freqüentadores portando traje social. Esse condicionante era partilhado por todos os frequentadores dos clubes negros que se tem conhecimento até então e considerado unanimidade. Em Juiz de Fora/MG. a D. Madalena é uma das entrevistadas e afirma que o Elite Clube teve suas atividades encerradas no início dos anos setenta e fala com extremo prazer das ações desenvolvidas no antigo clube.

Era muito bom, minha filha. A gente estava lá era por prazer mesmo. Eu cantava por muito tempo e quando botava a boca naquele microfone, o creoléu gostava era muito. Eu cantava e cantava. Que felicidade!! O povo dançava. Ali entrava os branco também era prá todo mundo. A gente não pudia entrar nos clubes deles não, mas no da gente eles entravam. Todo mundo bonito. (D. MADALENA SILVA, parte de entrevista concedida à autora em janeiro de 2010 em Juiz de Fora/MG.)

D. Luzia Francisca de Sousa, além de frequentadora do Elite Clube, exercia também funções de garçonete em um bar existente no andar inferior ao Elite Clube de Juiz de Fora. Em entrevista, D. Luzia afirma que o bar/restaurante era muito movimentado e que as mulheres davam uma passadinha lá para “retocar a maquiagem”, enquanto os homens iam lá para tomar uma bebida e “aquecer as

161 turbinas” para entrarem no clube. Muitos ainda aproveitavam para dar mais uma olhadinha no visual. Acabavam aproveitando o tempo para engraxar o sapato (alguns vinham do interior), lustrar o terno, passar mais um pente no cabelo e bater um papinho até entrarem no salão. Alguns vinham muito cedo a fim de aproveitarem o tempo de divertimento. Daí, as rodas de conversas se alongavam e a preparação para o baile se fazia com mais tempo e observação das pessoas em trânsito para o recinto do baile. Os momentos eram traduzidos em horas muito alegres e divertidas, sendo que muitas das vezes as famílias participavam do requinte dos bailes nos salões. D. Luzia de Sousa afirma que

mesmo quando trabalhávamos na cozinha do clube, a gente dava um jeito de dançar um pouquinho e se divertir como os outros que se encontravam no salão. Ali mesmo nós formávamos os pares e a diversão a gente garantia. Mas o que todo mundo pensava mesmo, vamos dizer a verdade, era arranjar um paquera ou alguém que pudesse trazer um pouco de tranquilidade pra gente. Ah... era isso mesmo. Se arranjasse um namorado era melhor ainda. Era a intenção de todo mundo. Homens e mulheres nos salões.

A expectativa das idas aos clubes sociais também era compartilhada pelos homens que ali estavam presentes. Eis um dado interessante que ressalta a relevância dos clubes sociais negros: ali era possível pensar em encontrar alguém, namorar e formar família, o que para a mulher negra vem a ser um registro importante, devido ao fato de que sua expectativa era compartilhada pelos homens negros e não negros ali presentes e a competição entre as mulheres pode ser considerada endógena; portanto, permissiva. Na figura ao lado, visualizamos D. Luzia de Sousa dançando em momentos de folga nas instalações do Olodum. Fonte: Arquivo pessoal de José e Dodó.

162 ou em outras instalações do clube, tornou-se irrelevante. Importava era a oportunidade de criarem oportunidades diversas de convivência e diversão em espaço próprio, condizente com as condições possíveis. Sem perceber, os objetivos das idas ao clube foram modificados. A identidade foi redefinida da experiência coletiva da produção e vivência no território da dança,

A cidade de Juiz de Fora se encanta com uma cantora profissional. D. Dionísia Moreira ainda hoje é considerada uma das cantoras de grande expressão na cidade de Juiz de Fora. Desde nova ousou dar eco a uma voz que ressoa forte e vibrante por todo o ambiente que habita, buscando atingir o íntimo das pessoas que a escutam. Pelos idos de 1950. Em meados dessa década, D. Dionísia estreou como cantora na Rádio PRB-3 com sede no Parque Halfeld, hoje denominada Rádio Solar, cantando música sertaneja no programa Fazenda do Fundão toda quarta-feira à noite. Seu nome artístico era Professorinha do Arraial e cantava interpretações de Dalva de Oliveira, Vicente Celestino, Isaurinha Garcia entre outros. Em 1954 a Rádio PRB-3 agora situada na Rua São João, realizou concurso para escolher nova cantora para abrilhantar o programa de domingo.

Essa época contando com 16 anos aproximadamente, eis que D. Dionísia Moreira (Figura acima), foi eleita a cantora revelação do ano e garantiu o primeiro lugar, vencendo uma acirrada concorrência. Em 1956, a imprensa falada e escrita agraciou D. Dionísia com a indicação de melhor cantora de Juiz de Fora. Em 1957 foi reeleita a melhor cantora da cidade com intenso trabalho, acúmulo de compromissos e movimentada agenda. No decorrer do ano de 1958 a cantora pediu demissão da rádio por motivos pessoais. Segundo relato da autora, os trabalhos continuaram, apesar de algumas restrições na agenda.

Cantei em bares e bailes de gala. Aos 17 anos eu já viajava com uma banda para participar de eventos sociais. Eram bailes chiques de salão e eu cantei na grande orquestra de Bicas denominada Partido Alto. Minha filha eu cantava baião, Fox, samba, samba canção, sertaneja, e olhe, só baile

163

chique. Em 2003, 2005 e 2013 fui Rainha do Bloco Carnavalesco Recordar é Viver (Tradicional Bloco composto pela população considerada ‘Melhor Idade’). Em 2012 tive a oportunidade de gravar um CD e em 2014 recebi o Troféu Mulher Cidadã. (Entrevista concedida à autora em 30/08/2014).

A artista certamente é uma das baluartes da música popular regional e em se tratando do município de Juiz de Fora, eis uma figura que rompeu barreiras e o reconhecimento público certamente contempla seus esforços.

Com o passar dos tempos, é mister investir em maiores levantamentos da real e significativa presença destas mulheres para que dessem sentido à própria existência dos Clubes. A propósito, sem a figura feminina, os Clubes Sociais Negros teriam insignificante relevância enquanto espaços de lazer, diversão e socialização, lugares de convivência, formação de famílias, espaços identitários de uma coletividade. Sem a presença das mulheres negras, os Clubes Negros não teriam razão de existir, de acordo com informações obtidas no blog do Clube Palmares de Volta Redonda/RJ.

D. Juracy Azevedo Cândido é uma das entrevistadas mais vibrantes quando se trata de relembrar os clubes negros existentes na cidade de Juiz de Fora. Sua alegria chega a contagiar um ambiente inteiro e a emoção não precisa ser contida por nenhum dos presentes. D. Juracy é nascida e criada nessa cidade, sendo que sua família era estabelecida em uma antiga fazenda localizada no bairro que hoje se denomina Bairu (bairro bem situado na cidade), de acordo com histórias contadas por seus pais e avós. Ela afirma que

em um período anterior à abolição, seu bisavô recebeu uma doação de grande quantidade de terras às quais foram irremediavelmente perdidas logo no início do século XX. A causa da perda foi que a família teve que repassar as terras como pagamento do trabalho perdido com a abolição. (Entrevista concedida em 22 de janeiro 2013);

Ela testemunhou inúmeras situações vilipendiadas pela população negra. Apresenta grande entendimento a respeito da participação negra na história de construção do país e relata com requinte de detalhes os tempos vividos em épocas

164 passadas, às quais as mulheres negras sempre estiveram em extrema situação de desvantagens, apesar da força e coragem adquiridas com as superações cotidianas. D. Juracy Azevedo Cândido relata que sua avó é originária dessa mesma localidade, sendo que “

...como aqui o pessoal não sabia fazer registro direito, ela foi registrada como se tivesse nascido em 1912, mas nasceu antes dessa data. Legal mesmo é que ela era chique mesmo. Pra vc ter uma ideia, ela calçava sapato que o pessoal chamava de cavalo de aço bem naquela época. Logo depois da escravidão. Olha que mitideza. Era vestido comprido, cabelo preso, salto plataforma logo naquela época. Sempre a gente procurava se ajeitar pra poder aparecer bem e mesmo assim era tido como errado. (D. Juracy, ibidem.)

D. Juracy afirma que a cidade de Juiz de Fora era muito preconceituosa para com as pessoas negras. Ela diz que as chances das mulheres negras ganharem uma concorrência de emprego poderia ser considerada mínima em todos os setores e que as tarefas domésticas foram a saída para que as mesmas pudessem ganhar seu dinheirinho e pagar suas contas. Para ela, os passeios de fins de semanas. eram a garantia de vivenciar momentos alegres e divertidos, o que garantia uma grande sustentação para o enfrentamento da semana de intenso trabalho que se iniciaria. Ao referir-se aos clubes sociais negros, D. Juracy (sempre muito extrovertida), suspira e relata que foram as melhores coisas que inventaram naquela época. Ela afirma que “ ali a gente se sentia gente mesmo. A gente se sentia importante. A gente era valorizada e era bonito ver aquela negrada toda bem vestida, bem penteada e feliz. A gente dançava muito. Sim, a gente era feliz naqueles lugares.”

Assim como essas, outras dezenas de mulheres anônimas ou não, compartilharam a experiência de se sentirem fortalecidas, à revelia da sociedade que cultuava os valores burgueses e brancocêntricos. Os clubes sociais negros permitiram que as populações negras e principalmente as mulheres negras, pudessem compartilhar espaços e momentos exclusivos, essenciais e verdadeiramente únicos. Isso é relevante para esse segmento social diverso, que vem ao longo dos anos buscando sua inserção em uma sociedade que apesar de

165 alguns esforços, ainda não reconhece devidamente suas funções enquanto cidadãs de fato e de direito.