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Embassy was successful in convincing the Brazilian Government that this was

3. BRASIL NA AMÉRICA: GUERRA E IDENTIDADE (1945)

3.2 UM BRASIL EM CONFERÊNCIAS: BRAZILIAN LITERATURE (1945)

3.2.2 As conferências: ideias e ideais de Brasil

O pequeno livro Brazilian literature – an outline (McMillan, 1945) traz as conferências apresentadas por Erico Veríssimo na Califórnia entre 1943 e 1944, e que agrupadas lado a lado consistem numa história da literatura brasileira. 107 Trata-se de uma “história geral” da produção literária de um Brasil que é um só, na mesma medida em que divide a história de acordo com as regiões do país. Só o fato de a estrutura do texto se dar dessa maneira já aponta para uma leitura na direção das ideias e ideais de Brasil do contexto de produção da obra, no qual a questão das relações entre regional, nacional e internacional são tema recorrente. Colocando em diálogo esse livro com outros textos da imprensa e discurso oficial, tentaremos ver o que há de divergente e em comum entre esses pontos de vista sobre o país e sua desejada projeção mundial, a começar pela nova relação com o vizinho do norte.

O livro é dividido em doze capítulos. O primeiro, “So good is the land”, faz a seguinte constatação introdutória: “Durante quase quatrocentos anos a vida intelectual do meu país manteve um caráter de espelho: refletia as modas literárias e artísticas da Europa, primeiro por

                                                                                                               

107 Brazilian literature (1945) é escrito em inglês. Todas as passagens citadas de apresentadas em português neste trabalho são livres traduções de minha autoria, mantendo-se em nota o original do livro em inglês de Veríssimo.

Portugal e depois diretamente de Paris.”108 (VERÍSSIMO, 1945, p. 2) Logo em seguida o narrador pula para a sua própria geração literária, trazendo esperança:

Mas após as duas primeiras décadas do século vinte nós começamos uma vida literária própria – é claro que não totalmente livre de influência estrangeira, já que nenhuma literatura é completamente independente, mas ao menos era uma literatura preocupada com os problemas do Brasil, morais e sociais, e falante de uma língua brasileira.109 (VERÍSSIMO, 1945, p. 2).

E finalmente a introdução diz a que veio tal ciclo de palestras, de maneira sensível e objetiva: “Estou dando-lhes este rascunho de uma história da literatura brasileira porque tenho certeza de que a melhor chave de acesso à alma de um país são os trabalhos de seus escritores, e eu sei o quanto é importante que nós norte e sul-americanos possamos nos conhecer.”110 (Idem).

De modo geral, a narrativa autobiográfica de Veríssimo dessa época não é “seduzida” pelo discurso oficial da boa vizinhança como um todo. E, como pudemos observar no primeiro capítulo desta dissertação, seus relatos são orientados por um senso crítico aguçado e um estado de alerta em relação àquela empreitada por parte dos governos. Mas aqui vemos o quanto ele está ao mesmo tempo mergulhado naquele momento, em que a aproximação entre os países da América é um dado necessário e um assunto que atravessa positivamente diversas esferas, seja no apoio ou na oposição aos governos que a promovem.

Outra questão que novamente se faz presente por meio da passagem citada é a função da literatura nesse diálogo entre as nações. E neste ponto, a opinião de tal intelectual de esquerda e avesso à ação

                                                                                                               

108 “During almost four hundred years the intellectual life of my country kept a

mirrorlike quality: it reflected the literary and artistic fashions of Europe, first through Portugal and afterward directly from Paris.”

109

But after the first two decades of the twentieth century we started a literary

life of our own – of course not totally free from alien influence, because no literature is completely independent, but at least a literature concerned with Brazilian social and moral problems and speaking a Brazilian language.”

110 “I am giving you this sketchy history of Brazilian literature because I am

sure that the best key to the soul of a country is the Works of its writers, and I know how important it is for us North and South Americans to know each other.”

autoritária vem a convergir com a premissa dos órgãos policiais que o investigaram por acreditarem também na relevância da literatura, como mostrou-nos a documentação do FBI. Para Veríssimo, entretanto, a literatura deveria ser um mecanismo de livre conversa e esclarecimento entre os povos e sobre os povos; para a polícia, já que era uma conversa entre os povos e sobre os povos, a literatura era portanto uma fonte para identificar potenciais posicionamentos subversivos, além de um poderoso veículo de ideias que precisava ser inspecionado e controlado.

Os textos de Brazilian literature – an outline só seriam publicados no Brasil cinquenta anos depois da versão de língua inglesa, com o título Breve história da literatura brasileira (Globo, 1995). A inserção do texto entre brasileiros se daria, assim, com motivações absolutamente distintas daquelas que levaram à publicação estadunidense em 1945. Quando da edição original, a ideia era levar o brasileiro para o estadunidense, bem como o movimento inverso: dois anos antes das conferências da Califórnia Veríssimo escrevera e apresentara para brasileiros a conferência Viagem através da literatura americana. Nesta ocasião Veríssimo disse a correspondente da United Press: “A principal influência sofrida pela cultura brasileira durante o século XIX foi francesa, mas depois de 1930 acentua-se a influência cultural anglo-americana. Julgo ter contribuído, de meu lado, para o pan- americanismo com a tradução que fiz de vários livros norte-americanos e com a realização de diversas conferências.” (in: TORRES, 2012). O próprio A volta do gato preto possui muitas páginas de pura pesquisa – historiográfica, estatística, geográfica, econômica... – sobre as regiões estadunidenses que visita. Os dados não têm necessariamente a ver com os acontecimentos do “diário” do viajante, mas sim estão lá para informar o leitor sobre aquele país.

As contribuições de Veríssimo neste diálogo literário foram imensas. Temos observado as várias maneiras como o romancista atuava nas traduções, fossem elas “culturais” ao interpretar os Estados Unidos para os brasileiros ou representar o Brasil para estadunidenses, como vimos na primeira viagem, fossem elas na ativa função de intérprete de brasileiros nos Estados Unidos, como vimos nos “diários” da segunda viagem. Podemos agora lembrar também do papel editorial de Veríssimo nessa ponte. Para Waldemar Torres (2012), os dois grandes projetos da história cultural e comercial do livro no Brasil foram o de Monteiro Lobato, através da Biblioteca Pedagógica Brasileira, e o de Erico Veríssimo, na Livraria do Globo. E deve-se ao segundo a introdução da literatura de língua inglesa no Brasil. Algumas traduções feitas por

Veríssimo do inglês para o português são as de autores como Robert Nathan, Horace McCoy, James Hilton, Sax Rohmer, H.R. Knickerbocker111, Edgar Wallace, Ernst Glaeser, e Aldous Huxley, a quem visitaria na primeira viagem aos Estados Unidos e cuja versão em língua portuguesa de Point Counterpoint (1928) sai em 1935, junto com o romance Caminhos Cruzados. Veríssimo também traduz John Steinbeck, discutido aqui anteriormente, e H. Van Loon, com quem encontra-se na primeira viagem. Vemos assim que as traduções feitas por Veríssimo caminham mais ou menos harmoniosamente com as suas ações, encontros, viagens, posicionamentos em relação ao mundo.

É também em meio a esse contexto de produção de um diálogo literário/editorial entre as línguas portuguesa e inglesa, portanto, que situa-se Brazilian Literature, como parte de um projeto que acaba sendo muito maior. Ele passa, afinal, por caminhos eminentemente políticos que estão se dando naquele contexto da projeção nacional para o exterior. Além de difundir a literatura brasileira para os leitores estadunidenses, se formos adentrar a obra mais de perto, o que Veríssimo estava passando de ideias de Brasil ao seu público? Uma vez que ele mesmo diz que a literatura é o melhor meio de conhecer um povo, quando conta a sua história da literatura brasileira o que é que ele acaba contando de história do povo brasileiro, bem como de caminhos a seguir?

No capítulo “Such Stuff nations are made of”, ele introduz para o leitor “o que faz uma nação”, e o que fez, especificamente, a nação brasileira: a luta por uma causa em comum. Contando sobre a expulsão dos holandeses pelos brasileiros, segue a narrativa contando uma saga heroica de um povo: “Eles haviam lutado, sofrido, labutado, todos eles – homens brancos, marrons, negros, e cor de cobre. Pela primeira vez eles estavam pensando ou agindo em termos de uma causa comum, uma bandeira comum, e um país comum. É dessas coisas que se faz uma nação.”112 (VERÍSSIMO, 1945, p. 23). No texto original em inglês, esta

                                                                                                               

111 Quando lhe pediram para fazer a tradução de Alemanha – fascista ou

soviética?, o pedido de Henrique Bertaso foi de que ela fosse feita em vinte

dias, comentando que “Esses assuntos logo ficam desatualizados” (TORRES, 2012, p. 20). Levando em conta o título da obra, sabemos hoje que a preocupação de Bertaso tinha toda razão de ser.

112 “They had suffered, toiled, fought, all of them – White, brown, black, and

copper-colored men. For the first time they were thinking or acting in terms of a common cause, a common flag, and a common country. That is the stuff nations are made of.”