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CAPÍTULO III – APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DE DADOS

3.2 AS CONTRIBUIÇÕES DAS ATIVIDADES COMPLEMENTARES PARA A

É sabido que as atividades complementares, quando bem orientadas, concomitante com uma formação sólida, trazem benefícios consideráveis para a ação docente e esta, consequentemente, reflete na sociedade; portanto, o objetivo maior desta categoria é mostrar como as práticas e o pensamento sobre este aspecto se desenrolaram para poder visualizar até que ponto ajudaram realmente na construção da cidadania.

Como visto na revisão de literatura, conceituar cidadania é algo de extrema complexidade, pois é um ato que perpassa por questão de valores, além de ser um processo dialético que nunca para de ser repensado em nossa sociedade. Para Cerquier-Manzini (2010, p. 11), ser cidadão significa “ser súdito e ser soberano” e, para as pedagogas entrevistadas, a ideia não destoa muito. Ao serem questionadas sobre o que entendiam por cidadania, houve basicamente três tipos de respostas: a) a questão dos direitos e deveres; b) a preocupação para com o próximo; c) o fato de não se deixar manipular. “Cidadania para mim é direitos, deveres, a pessoa que é consciente e que não se deixa ser manipulada” (P4).

“Cidadania é quando em uma sociedade o cidadão é preocupado com o que acontece no seu meio, não só consigo, mas com os outros. É quando ele procura exercer o seu papel de cidadão, é cumprindo com seus deveres exigindo seus direitos” (P2).

Neste aspecto, não foi percebido dicotomia entre o que pensavam e faziam, pois, quando enfatizaram a questão de direitos e deveres, de fato cumpriam o que afirmavam pensar. As três pedagogas observadas eram pontuais, assíduas, organizadas (principalmente

com o planejamento), mantinham boa aparência em relação à questão da higiene e estavam sempre em dia com os diários e as notas dos alunos; em contrapartida, quando necessário (poucas vezes, pois a escola cumpria com suas obrigações), elas, também, reclamavam seus direitos. Ao longo de três meses, puderam ser visualizadas apenas três reivindicações: uma em relação a um ar condicionado que estava com defeito e, como as salas eram adaptadas para climatização, ficou realmente muito complicado ministrar aula em virtude do calor; outra foi em relação à higiene dos banheiros – que sempre estavam limpos, mas, nesse dia, não – e a última, devido à falta de papel A4 para realização de uma tarefa. Estes exemplos podem ser simples, mas a cidadania perpassa desde as coisas simples até as mais complexas.

Pode ser contraditório, mas, ao mesmo tempo em que as pedagogas tinham práticas eficazes em relação a alguns aspectos, possuíam, também, ações nada condizentes com práticas de cidadania. O engraçado é que não eram apenas uma ou duas, já que as três pedagogas observadas cometiam o mesmo erro. Em meados do mês de maio, aproximavam-se as provas e as professoras, na tentativa fracassada de dominar a turma – que estava realmente agitada – não conseguiram encontrar outra forma senão através de ameaças. Em seguida, foram questionadas sobre o porquê daquelas práticas e afirmaram ter consciência de que aquilo não era correto, mas, segundo elas, os alunos só obedeciam se fosse assim.

Nesse momento, evidenciou-se ter caído por terra parte do entendimento que tinham sobre cidadania. Infelizmente, quemdetém o poder tende a conduzir as coisas na direção de suprir seus interesses particulares, sendo que os direitos coletivos, o “pensar no outro”, acabam sempre ficando para depois, ou seja, aspectos essenciais da autonomia, requeridos pela condição de cidadania, acabam sendo comprometidos.

No âmbito social e na própria dinâmica educativa não é possível perceber o indivíduo isoladamente, pois a sua existência sempre depende dos vínculos estabelecidos por ele; portanto, a prática do pedagogo precisa passar pela admissão de uma noção de cidadania que incorpore não apenas o exercício de direitos, mas, também, a aceitação das diferenças e conflitos próprios das relações humanas.

Segundo Mizukami (1986) e Perrenoud (2002), existe uma dicotomia entre teoria e prática na formação do educador, acarretando, com muita freqüência, determinadas dificuldades por parte do professor em estabelecer conexões entre o conhecimento teórico e a prática. Isso dificulta o exercício da docência, pois esta, enquanto ação transformadora que se renova tanto na teoria quanto na prática, requer o desenvolvimento de uma postura crítico- reflexiva que perpassa pela ação pedagógica, pois ao professor cabe a função de ajudar a conferir inteligibilidade aos docentes, no sentido de beneficiar o presente e melhorar o futuro.

E justamente pensando em relação ao futuro, desejando que a prática do pedagogo fosse de fato essa ação eficaz e consciente, a pesquisadora resolveu perguntar para as participantes da pesquisa o que elas entendiam por cidadania emancipada.

A ideia aqui entendida por cidadania emancipada perpassa o pensamento de Demo (1995) que acredita ser necessário a pessoa possuir algumas competências, tais como: ter identidade cultural, saber comunicar-se e ser politizado, isto devido à necessidade de conscientização em relação aos fatos que envolvem a sua realidade sociopolítico-econômica. Enquanto as pessoas não se conscientizarem das reais necessidades sobre a questão do saber, ter-se-á um grave comprometimento em relação ao indivíduo perceber-se como cidadão criador, transformador do que o rodeia e estes saberes, quando bem elaborados, conduzem as pessoas à reflexão dos problemas comuns e à autonomia moral.

Para as pedagogas entrevistadas, cidadania emancipada caminha na mesma direção do pensamento de Demo (1995) e, por vezes, o que seguia um norte contrário era a prática. Por várias vezes (como exposto em momentos anteriores), as profissionais mostraram entender a teoria, porém a prática apresentava-se contrária à ideia defendida. “No meu ponto de vista, cidadania emancipada perpassa pelo esclarecimento político e isso depende da quantidade de informações que você consegue adquirir ao longo da vida” (P4).

“É quando o cidadão é esclarecido, ele possui o conhecimento e a partir desse conhecimento ele é capaz de atuar na sociedade, tomando suas decisões, procurando a partir delas acertar, agir de maneira que seja benéfica para a sociedade” (P2).

Apenas uma pedagoga afirmou não ter certeza do que entendia por cidadania emancipada e disse o seguinte:“Eu não sei se tá certo. É aquela pessoa, ou seja, um indivíduo que possui toda uma formação, um conhecimento onde ele vai analisar e conduzir a um desenvolvimento para com o grupo em que vive” (P7).

Na verdade, cidadania emancipada é mais que o acúmulo de conhecimentos e a condução destes. Ser um cidadão emancipado é, acima de tudo, ser sábio e usar o conhecimento adquirido em busca da sabedoria requer a compreensão de que, para o processo reconstrutivo, é necessária a pesquisa, mas considerando o processo de emancipação em seu aspecto mais básico, que é o do acúmulo de conhecimento, percebeu-se, obviamente, certo acúmulo de saberes em relação às pedagogas observadas, porém duas delas (O1 e O2), em diversos momentos em que ministravam aulas, foram arguidas pelas crianças com perguntas bobas, das quais elas não sabiam a resposta e desconversaram os alunos; depois, passaram a dúvida das crianças como tarefa para casa, o que demonstra fragilidade no conhecimento, já que o ocorrido se deu por várias vezes e as crianças eram do fundamental menor.

Sabe-se que o conhecimento das crianças é, também, resultado de intervenções externas, que, somadas ao que aprendem na escola (conhecimento histórico e socialmente acumulado) facilitam o desenrolar do processo cognitivo, o que as tornam mais sensíveis e críticas para perceberem as situações com maior facilidade. Isto fazia com que, frequentemente, as crianças fizessem comentários que não eram muito agradáveis para as professoras formadas ouvirem.

Práticas de docentes, como o exposto acima, deixam-nos curiosos com relação ao trabalho dispensado ao longo da formação e, em análise ao projeto do curso, percebeu-se imensa preocupação com a formação de valores para a cidadania e, também, com relação à questão do acúmulo de saberes.

Nessa perspectiva, o perfil profissional do licenciado em pedagogia deverá contemplar consistente formação teórica, diversidade de conhecimentos, articulados ao longo do curso, de acordo com as novas diretrizes para a área (CNE/CP: Parecer 5/2005 e Resolução 1/2006) e com as necessidades locais e regionais [...]. Desenvolver-se-á ainda, a capacidade de perceber a realidade social, a fim de consolidar tomadas de atitudes positivas para mudanças de paradigmas e, em especial, contribuir para a formação de sua cidadania. (PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA INSTITUIÇÃO INVESTIGADA).

Para Freire (1973), a educação pode dirigir-se a dois caminhos: para contribuir com o processo de emancipação humana, ou para domesticar e ensinar a ser passivo diante da realidade que está posta. Desta forma, ela contribui ou para formação de agentes comprometidos com a construção de um saber que liberte a maioria popular ou contribui para a manutenção das desigualdades. Práticas que inibem a curiosidade natural do aluno acabam por destruir o foco de seus interesses, por meio dos quais as situações de aprendizagem se definem.

Seria interessante que as pedagogas valorizassem e admitissem práticas centralizadas nos interesses e nas necessidades físicas, emocionais e sociais dos alunos. Isso significa que não cabe mais um ensino mnemônico, pois a educação é um processo de socialização de relações que visa à autonomia, porém o desenvolvimento desta deve ser conduzido e não jogado conforme a justificativa das pedagogas. Segundo as mesmas, faziam isso para facilitar o desenvolvimento da “autonomia” dos alunos que, ao chegarem em casa, teriam que “sozinhos” encontrar a resposta. O desenvolvimento da autonomia perpassa pela escolha própria e não pela pressão ou pela recompensa e, de qualquer forma, precisa ser inicialmente direcionada.

Outro fato que, também, chamou atenção e que merece ser mencionado foi a aplicação de castigo a duas crianças pela O1. Devido ao comportamento e por não terem concluído uma

tarefa no tempo determinado, duas crianças foram impedidas de participar de um momento lúdico em sala de aula.

A atividade em grupo representa ótima oportunidade para a integração, pois ela assegura relações de reciprocidade e o professor tem obrigação de oportunizar esse tipo de situação, tendo em vista desenvolver no aluno a capacidade de argumentar, julgar, conceituar, além de promover integrações afetivas. Portanto criança nenhuma deve ser punida nessas situações, pois ficarão privadas do desenvolvimento de uma série de habilidades e competências necessárias à construção de sua cidadania.

Após longa reflexão, chega-se à conclusão de que, ser professor, exige do profissional um eterno reconstituir-se e isto se faz dia após dia, porque as experiências vão ganhando um significado diferente à medida que se assume certas responsabilidades e nelas nos empenhamos verdadeiramente. E é justamente neste compromisso que se percebe maior auxílio das atividades complementares, pois elas possibilitam ao profissional maior direcionamento em relação à formação de atitudes e isto reflete diretamente nos alunos, que consequentemente poderão ser pessoas mais humanas, talentosas e comprometidas.