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As crianças e os outros campos da pesquisa

2 ESCOLA, ALFABETIZAÇÃO E O FRACASSO ESCOLAR

3 FAMÍLIA, ESCOLA E APRENDIZAGEM – O COTIDIANO E O INVESTIMENTO DA ESCOLA E ESFORÇO DA FAMÍLIA NA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS

4.1 OS CAMPOS DE PESQUISA E OS SUJEITOS ENVOLVIDOS

4.1.4 As crianças e os outros campos da pesquisa

Quadro 2 – Perfil das crianças

Fonte: a autora

As crianças pesquisadas apresentavam perfis diferentes, tendo em vista a aprendizagem e o envolvimento na sala de aula, como também, os lugares que residiam. Algumas delas já estudavam na escola e com parte da turma, desde a educação infantil. Apresentamos, a seguir, uma descrição breve de cada criança, visto

Crianças Já lia e escrevia no 1º ano?Perfil inicial-nível de escrita

Perfil segundo a professora Elisa no 2º ano Mães

MILTON Silábico “[...] ele é preguiçoso, aí daqui a pouco ele começa: ai tô doente. Tô sentindo isso. Tô com dor de cabeça. Não consigo mais”.(Professora Elisa)

Laura ALEX Pré-silábico “[...] quando eu peguei Alex, em maio, Alex não

fazia, não

tinha nenhum interesse em aprender nada.” (Professora Elisa).

Mara

CÉSAR Silábico “Ele é completamente desligado, é Diferente, mas ele é inteligente. Se você puxar ele consegue até arriscar.

Que eu dou aula sempre tentando ancorar ele”. (Professora Elisa).

Celma

GILSON Pré-silábico “[...] ele fica aquém de tudo. [...] Fica olhando pro além"

Ele fica parado.(Professora Elisa).

Lívia

GISELE Alfabética “Ela aprende rápido, faz todas as

que seus retratos, permeados de detalhes que as definem, serão apresentados nas seções que se seguem.

MILTON, uma criança branca, que tinha 7 (sete) anos no início da pesquisa, era um aluno aparentemente tranquilo na sala de aula, mas que se dispersava com facilidade junto aos colegas. No início da pesquisa ele não estava alfabetizado e apresentava dificuldades na compreensão do sistema de escrita, encontrando-se imerso na fase silábica. Filho único, morava com sua mãe, Laura, na “casa das plantas”, como costumava se referir à casa alugada que ficava nos fundos de uma loja de plantas, localizada no bairro próximo à escola. Eles moravam de aluguel nessa pequena casa, com dois quartos, um banheiro e uma sala compartilhada com a cozinha, em um único espaço. O pátio da casa era bem amplo e a mesma estava localizada numa avenida bastante movimentada, próxima à escola em que Milton estudava. Mais tarde, no decorrer da pesquisa, o companheiro de sua mãe passou a morar com eles.

ALEX, criança branca e comunicativa, se relacionava bem com a sua turma. No início da pesquisa tinha 6 (seis) anos, completando 7 (sete) no decorrer do mesmo ano. Quanto a aprendizagem, apresentava grandes dificuldades na compreensão do sistema de escrita e, no início da pesquisa, se encontrava numa fase pré-silábica, com dificuldades em identificar algumas palavras e fazer registros no caderno. Ele morava com sua mãe, Mara, seu pai e seus dois irmãos mais velhos (uma menina e outro menino). A casa de Alex ficava um pouco distante da escola, levava-se, em média, 15 minutos de caminhada, percurso percorrido, no período da pesquisa, quatro vezes por dia pela sua mãe, porque os filhos estudavam em turnos diferentes. Sua residência ficava em um beco, com quatro casas, sendo a dele a última. Era uma casa pequena, inacabada e com móveis simples.

CÉSAR, um menino pardo, bem comunicativo e participativo quando as atividades envolviam assuntos de seu interesse. No começo da pesquisa estava com 7 (sete) anos e na fase silábica transitória, identificada em momentos pontuais ou quando se realizava um acompanhamento mais individual, o que só aconteceu com maior intensidade no 2º ano. Filho único, morava com sua mãe, Celma, e o seu pai, na comunidade mais próxima à escola, uma vila localizada no mesmo bairro. A vila

apresentava uma porta de entrada que levava a um grande terreno composto de casas de tábua e, algumas partes, de ferro velho, todas muito próximas as outras, com becos para a circulação. A casa de César era de tábua com um primeiro andar e uma aérea fora com um tanque. É uma comunidade bastante carente, com problemas visíveis de saneamento básico e, segundo informações de profissionais da escola e da mãe de César, com muitos problemas relacionados à droga e violência. Conforme o Projeto Político Pedagógico da escola (2013): “[...] a comunidade [...] apresenta crescente violência e desestrutura social, inclusive ocorrência de consumo e venda de drogas. Sendo necessária, desse modo, a criação de ações pedagógicas voltadas para a prevenção das drogas”.

GILSON, menino branco e um aluno bastante comunicativo, apresentava boa interação com os colegas, mas também se envolvia em muitos conflitos na sala de aula, que se agravavam pelas brincadeiras das crianças, que, às vezes, o nomeavam de “gay”. Ao iniciarmos a pesquisa ele estava com 7 (sete) anos e numa fase pré-silábica de escrita, costumando se envolver em atividade de interpretação oral de textos. Morava com a avó paterna, com sua mãe, Lívia, seu pai e a sua irmã mais nova, no bairro um pouco distante da escola. O percurso diário era feito caminhando, por ele, a mãe e a irmã. Eles moravam em apartamento num prédio de quatro andares, localizado numa avenida de grande circulação de ônibus e carros, e com amplo comércio, como padaria, posto de gasolina, mercados. No nosso último contato referente à pesquisa, na fase final de coleta de dados, eles haviam se mudado para o bairro de Dois irmãos, onde alugaram uma casa, deixando, assim, a companhia da avó. Por conta disso, Gilson trocou de escola no último ano do ciclo de alfabetização.

GISELE, uma menina negra, que tinha 7 (sete) anos e era uma aluna bastante atenciosa nas atividades escolares. No início da pesquisa já se encontrava alfabetizada, escrevia e lia com autonomia. Filha única, residia no bairro um pouco distante da escola, mas tinha outra moradia diária, a casa da patroa de sua mãe, onde ficava até o encerramento do turno de trabalho doméstico da mesma, espaço em que realizamos a pesquisa. Gisele estabeleceu uma rotina nessa residência, segunda sua mãe, desde que nasceu. O apartamento localizava-se num prédio nas proximidades da escola e próximo a padaria, posto, local de bastante movimento. Na sua casa, Gisele

morava com a mãe, Edna, e o seu pai. No apartamento em que ficava a maior parte do seu tempo, durante a semana, moravam a patroa de Edna com a mãe. Durante algumas de nossas visitas, vimos também as filhas da dona da casa e as duas netas, crianças de poucos anos de idade. Gisele vivia na casa como se fosse sua, tendo autonomia e bom relacionamento com as pessoas que ali moravam. Salientamos que a presença de apenas uma menina na pesquisa é o resultado das escolhas a partir dos critérios e disponibilidade do grupo. Não estabelecemos critérios quantitativos de meninos e meninas.

4.2 A PESQUISA NA ESCOLA E NA FAMÍLIA: procedimentos de coleta de dados

Na busca de investigar as contribuições da escola e da família no processo de aprendizagem da leitura e da escrita das cinco crianças pesquisadas, precisávamos definir quais os procedimentos de coleta nos ajudaria a obter os dados que precisávamos. Afinal, tais definições são essenciais no processo investigativo. Como expressa Minayo (2001), essa fase da pesquisa realiza um momento relacional e prático de fundamental importância exploratória, de confirmação ou refutação de hipóteses e construção de teorias.

Desse modo, a pesquisa combinou dados coletados por meio de observações, entrevistas e análise documental. Durante o processo de coleta buscamos esclarecer o objetivo da pesquisa, enfatizando o motivo do estudo e o que faríamos com os dados colhidos, de modo que todos os envolvidos pudessem entender que o estudo fazia parte de uma pesquisa e que nossa intenção com as gravações, fotografia e anotações era compreender, do melhor modo, as contribuições do espaço e das pessoas atuantes nele, com a aprendizagem da leitura e da escrita. Tais explicações eram dadas também para as crianças que se mostravam curiosas diante dos instrumentos que compunham a imersão no campo da pesquisa.

A observação nos permitiu encontrar variados aspectos que se somavam na elaboração do “mosaico” que pretendíamos construir de cada criança. Na escola, observamos o espaço e, de maneira aprofundada e contínua, as aulas (na turma em que estudavam as cinco crianças), conforme alerta Vianna (2003, p. 74):

A definição do que observar, ou seja, o foco da observação, sempre constitui um problema para o observador ou pesquisador, seja ele experiente ou iniciante nessa metodologia. A sala de aula, apesar de apresentar uma aparente tranquilidade, na verdade é um mundo em que ocorrem múltiplos eventos, sendo a ecologia de salas de aula extremamente rica de elementos a observar e pesquisar.

Para apoiar a nossa memória, anotávamos a sequência da aula no diário de campo, enfatizando os detalhes e as ações dessas crianças ao longo das aulas. Mais que observar a prática docente, buscávamos entender o que fazia cada criança durante a aula: se participava, prestava atenção na aula, se realizava a tarefa, se solicitava ajuda, o que de fato ocorria com elas diante da aula que se desdobrava cotidianamente. Além dos registros no diário de campo, após o estabelecimento de uma relação mais consolidada com a turma, passamos a realizar gravações de áudio, ferramenta que nos possibilitou captar diálogos durante as aulas, interações entre alunos e entre professora e alunos, além de ampliar alguns dados descritos no diário de campo. Observamos ainda, algumas aulas do Mais Educação, dando maior ênfase à oficina de Milena, que tinha justamente a finalidade de trabalhar a leitura e a escrita, como também, poucos momentos do reforço escolar da professora Mônica, que se realizou apenas com Gilson. Realizamos, portanto, 60 (sessenta) observações de aula, mais 9 (nove) no MAIS EDUCAÇÃO, durante um ano e meio de pesquisa de campo na escola, como sistematizamos no quadro abaixo:

Quadro 3 – Observações de aula na escola

Fonte: a autora

No intuito de potencializar o processo de observação, fizemos uso também do registro fotográfico de atividades disponibilizadas pela professora, dos livros didáticos, cadernos dos alunos e algumas cenas de aula, a fim confirmar as descrições expressas no diário de campo.

NA ESCOLA

1ª ANO 2º ANO MAIS EDUCAÇÃO

25 35 9

Era exatamente essa proximidade que almejávamos para podermos estabelecer as conexões fora da escola, com as famílias. Afinal, para entendermos o nosso objeto, foi necessário, como bem fez Castanheiras (1991), (re)caracterizar esses sujeitos, tendo em vista o outro lugar, ou seja, o outro ponto de vista. Assim, nas visitas às casas estivemos atentos aos seguintes aspectos: organização do espaço, presença de materiais escritos, relações estabelecidas com esses materiais, eventos de letramentos que se vivenciavam na casa e como se dava a presença da escola naquele espaço. Para isso, fizemos uso do mesmo modo de observação realizado na escola, utilizando o diário de campo e os registros fotográficos. O registro no diário era realizado após as visitas nas casas, pois a sua realização durante as visitas, de algum modo, limitaria a interação estabelecida. As fotografias passaram a ser registradas só após o primeiro momento de imersão em cada casa, porque pretendíamos estabelecer determinado grau de confiança e autorização para o uso do recurso metodológico em questão. Assim, apenas na segunda ou terceira visita à cada casa, pedimos permissão para fotografar alguns materiais, partes da casa e cenas que se constituíam no lugar durante a investigação.

Realizamos, em média, 4 (quatro) momentos de imersão na casa de cada criança, que variou devido à disponibilidade dos responsáveis, que algumas vezes tinham outras atribuições que os impossibilitavam de nos receber em suas residências. Vale destacar que cada observação realizada resultou de visitas agendadas previamente, às vezes, pessoalmente, quando encontrávamos algumas das mães na escola, e, outras vezes, por telefone, conforme contato disponibilizado por cada mãe participante. Deixamos o agendamento partir da disposição de cada uma, tendo em vista seus melhores horários e dias. Dispomos no quadro abaixo a quantidade de visitas realizadas em cada casa:

Quadro 4 – Panorama de idas às casas das crianças pesquisadas

Fonte: a autora

MILTON ALEX CÉSAR GILSON GISELE

As entrevistas possibilitaram ampliar as percepções construídas com as observações e compreender como pensava, a professora e a diretora, a respeito das cinco crianças e da turma. Esse procedimento se deu na escola com a participação da diretora Antônia e da professora Elisa, que, com os seus depoimentos, trouxeram à tona dados que pertenciam ao perfil que elas construíram a respeito dos cinco alunos e refletiam, de alguma forma, nas suas ações diante deles. A entrevista com Elisa se deu em dois momentos, no começo do segundo semestre de 2014 e no final, para entendermos cada criança na visão docente, tendo em vista os possíveis avanços ou dificuldades presentes.

Nas casas, entrevistamos as mães: Laura, Mara, Celma, Lívia, Edna e os seus filhos, na busca de compreender a rotina da criança, para além da escola, e como se teciam as relações na casa envolvendo a leitura e a escrita.

Para viabilizar as entrevistas definimos as questões que buscaríamos, pois não queríamos um ambiente norteado por seções de perguntas-respostas, pretendíamos, na verdade, estabelecer um diálogo, conversar com as pessoas, norteadas por um foco:

As boas entrevistas caracterizam-se pelo facto de os sujeitos estarem à vontade e falarem livremente sobre os seus pontos de vista [...]. As boas entrevistas produzem uma riqueza de dados, recheados de palavras que revelam as perspectivas dos respondentes. As transcrições estão repletas de detalhes e de exemplos (BOGDAN; BIKLEN, 1994, p.136).

Considerando o expressado pelos autores supracitados, buscamos realizar “boas entrevistas”, para que pudéssemos ter dados suficientes, a fim de alcançar nosso objetivo. Organizamos, para isso, um roteiro prévio para as entrevistas, caracterizando- as como semiestruturada, com questões que não poderiam ser esquecidas. Tais questões foram norteadoras para a realização do diálogo com os entrevistados. Ludke e André (1986, p. 34) afirmam que tal instrumento “[...] se desenrola a partir de um esquema básico, porém, não aplicado rigidamente, permitindo que o entrevistador faça as necessárias adaptações”.

Muitas questões emergiram após a primeira entrevista com os sujeitos, o que nos permitiu revisar o roteiro e acrescentar questões particulares que seriam exploradas

posteriormente, tendo em vista cada caso. Desse modo, o roteiro passou a apresentar questões diferenciadas devido à singularidade de cada espaço e aos dados já revelados.

A análise documental também se fez presente no processo de coleta de dados e se apresentou como um importante procedimento metodológico para a pesquisa, nos permitindo completar o processo investigativo com dados elucidados no Projeto Político Pedagógico da escola, no diário de registro docente, nas tarefas propostas pelas professoras e nas produções de desenhos ou escrita de palavras que as crianças faziam quando entrevistadas, conforme nossa solicitação. Tais documentos se somaram às observações e entrevistas, completando o arsenal de dados que emergiam ao longo da pesquisa.