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7 “GOSTO SÓ DE FICAR NA RUA! ”– ALE

P.: Em casa tem alguma coisa que tu precisa ler? A.: Ninguém me ajuda (informação verbal) 84

7.1.1 Momentos de mudança

A chegada da professora Elisa, em abril de 2014, gerou mudanças relevantes na conjuntura da turma do 2º ano, que se encontrava no processo de alfabetização. Assim, Alex passou a ganhar atenção mais individualizada e atividades relacionadas com os seus conhecimentos, demandando uma preocupação da professora e da escola.

Elisa mudou a organização da sala e deu mais ênfase aos alunos que, assim como Alex, estavam com dificuldades em aprender a ler e escrever, além de possibilitar atividades em grupo. Mas, a aceitação em participar de determinadas atividades em dupla ou coletivamente, nem sempre se deu de forma positiva e, às vezes, culminava na negação de Alex:

A aula foi iniciada com o registro do cabeçalho no quadro. Em seguida, o livro de leitura (referente ao projeto ‘Nas ondas da leitura) foi distribuído e a turma foi solicitada a fazer uma leitura silenciosa do texto ‘É hora de cuidar da saúde’. Elisa organizou a turma, colocou alguém que já sabia lê junto de alguém que ainda não sabia.

Alex se recusou a fazer a atividade, não quis ficar com a colega, falou que a escola é chata, a professora também e que a escola não tem nada.

[...]

Após a atividade, a professora fez o registro no quadro de uma tarefa de classe relacionada ao texto que havia acabado de ser estudado. A turma realizou a cópia (informação verbal)89.

Fotografia 30 – Atividade registrada no quadro

Fonte: a autora

Fotografia 31 – Cópia da atividade realizada por Alex

Fonte: a autora

A reação de Alex diante da atividade ocorreu, principalmente, por não querer fazer com a colega escolhida pela professora. Diante do recorte acima, vemos que apesar da recusa inicial, o desdobramento da aula motivou Alex a se envolver nas

atividades posteriores. Elisa realizou o acompanhamento da leitura das duplas, até que Alex pudesse se centrar na atividade, ela não tomou nenhuma atitude frente ao posicionamento do aluno.

A tarefa proposta por Elisa tinha direta relação com o texto estudado no livro e teve o objetivo de refletir a escrita das palavras e sua composição. A fotografia do registro de Alex evidencia que ele, ainda no mês de maio, apresentava dificuldade de copiar usando a letra cursiva, como estava registrado no quadro. Desse modo, ele usou, predominantemente, a letra bastão, alterando com algumas cursivas, como a letra i. O esforço de Alex era bem maior porque, além de copiar, precisava fazer a transcrição adequada da letra cursiva para a de fôrma. Dado que demonstra alguns conhecimentos dele sobre o sistema de escrita, e, apesar de expor que não sabia a letra cursiva, Alex as identificava, mas tinha dificuldade no registro. Quanto à escrita das palavras, ele ainda apresentou uma escrita pré-silábica.

Observamos que diante das diversas dispersões de Alex, conforme apresentamos, Elisa criou também suas táticas cotidianas de lecionar, não prescritas nos documentos de ensino, como bem afirmou Ferreira (2008), mas reinventas a partir das necessidades e vivências diárias. Elisa buscou adequar as aulas ao perfil do grupo e às singularidades das crianças.

Elisa pediu que abrissem o livro de português, numa atividade onde eles teriam que construir palavras. Perguntei a Alex o que eles teriam que fazer e ele me disse que tinham que juntar as sílabas. [...]. A professora registrou as palavras no quadro porque tinham nomes difíceis de escrever. Após o registro, ela pediu que encontrassem a palavra coruja e registrassem no livro.

[...]

Em seguida, ela chamou alguns alunos para ler as palavras e contar as sílabas. [...]

Chamou Alex ao quadro e o ajudou a contar as sílabas da palavra “Esquilo”. Ela destacou as sílabas com ele, explicando, pedindo para ele contar quantas vezes abre a boca para dizer a palavra. Alex registrou o número de sílabas (informação verbal)90.

A atenção aos alunos, tendo em vista suas dificuldades, passou a ser o foco de Elisa, com o propósito de ajudá-los a compreender o sistema de escrita e evoluir na aprendizagem da leitura e da escrita. De acordo com a cena explanada, a dinâmica da atividade envolveu toda a turma e conseguiu atingir alunos como Alex, no auxílio de uma reflexão individualizada. Alex participou da atividade por sentir-se motivado com a ajuda que recebia da professora, que propiciou que o mesmo pensasse e pudesse expor o que entendia. É nessa perspectiva que Leal (2005, p. 91) explana: “Dentre as habilidades que precisam ser desenvolvidas pelos(as) professores(as), podemos elencar como uma das mais relevantes e difíceis, a de identificar as necessidades de cada aluno e atuar com todos ao mesmo tempo.

A atividade proposta por Elisa foi relevante por visar a análise fonológica, fazendo com que Alex buscasse a perceber a pauta sonora das palavras na identificação da quantidade de sílabas. Tarefas como essas são significativas para que as crianças possam avançar nas hipóteses de escrita, como bem esclareceu Morais e Leite (2005, p. 87), “[...], para alcançar hipótese silábicas, silábicas alfabéticas e alfabéticas de escrita, os aprendizes terão que pensar na sequência de partes sonoras das palavras [...]”.

Atividades voltadas para apropriação do SEA foram realizadas em outros momentos, como no dia em que Elisa solicitou que as crianças realizassem a segmentação de frases em palavras:

Após a merenda, Elisa colocou uma atividade no quadro, três frases com palavras coladas

e perguntou o que estava escrito. Alguns alunos identificaram. [...]

Alex foi chamado até para separar o ‘de’ da frase. Elisa disse para separar o ‘di’, ele circulou

o ‘d’ e o ‘i’, mesmo as letras não estando juntas. Elisa pediu para ele pensar e falou ‘DE’, ele apagou e circulou corretamente (informação verbal)91.

Fotografia 32 – Marcação realizada por Alex na atividade proposta

Fonte: a autora

Fotografia 33 – Atividade no quadro proposta por Elisa

Fonte: a autora

Vemos que Elisa permitiu que Alex pensasse no que havia feito, que, de certo modo, tinha a ver com a forma que ele entendeu a palavra dita literalmente. Tal fato revelou que ela sabia ler e escreve “DI”.

Observamos atividades com rimas, sopa de palavras para formar um texto estudado, formação de palavras a partir de recortes, etc. Isto é, Elisa passou a possibilitar atividades referentes ao SEA, que permitiam que Alex pudesse pensar sobre as palavras e a sua composição.

Elisa entregou o livro ‘Cantigas para aprender construindo’ do projeto ‘Nas Ondas da Leitura’ e pediu que realizassem a cópia do texto ‘Carneirinho, carneirão’.

Fotografia 34 – Livro “Cantigas para aprender construindo”

Fonte: a autora

[...]

Elisa pediu que os alunos circulassem palavras que terminassem com ÃO. [...]

Em seguida, Elisa disse que eles iriam pensar numa palavra com ÃO e registrar.

Pesquisadora: Tu escreveu que palavra? Alex: Pião

Pesquisadora: Tu fez sozinho?

Como foi que tu fez?

Alex: foi o P –I o A o til e o O (informação verbal)92.

A cena acima nos revelou, sobretudo, o quanto a atividade de cópia pode ser usada de maneira positiva e gerar aprendizagens. O diálogo estabelecido com Alex mostrou os seus avanços na aprendizagem da leitura e da escrita. Percebemos que ele conseguiu dizer, com segurança, como escreveu a palavra Pião.

Até mesmo o ditado passou a ser acompanhado de outro modo por Elisa, que havia compreendido como Alex pensava sobre “fazer do seu jeito”, como explanamos anteriormente:

[...] Elisa iniciou um ditado. Ela explicou que diria a palavra, eles repetiriam e escreveriam. Elisa ficou perto de Alex que pensava na escrita das palavras.

Professora: Castelo Alex: LO

Professora:Tá vendo que você tá pensando (informação verbal)93.

92 Conversa com Alex após realização da atividade em 23/09/2014. 93 Informação registrada no diário de campo, em 16/09/2014.

A cena acima evidencia a viabilidade da ação da professora em ficar junto de Alex, o que o ajudou a participar da atividade e pensar sobre o que fazia, diferente de outras ocasiões em que concluía o ditado antes mesmo das palavras serem ditadas.

Ao longo do ano, Alex foi acompanhado com a referida sistematicidade, sendo ajudado pela professora em pequenos momentos individuais, como nas vezes em que o chamava ao quadro ou se dirigia à sua banca no intuito de o auxiliar na resolução de algo. O esforço docente marcou uma mudança significativa no cotidiano escolar do aluno, que passava desapercebido diante do processo de ensino.

Alex resumiu o que aprendeu e como aprendeu, apontando o que o ajudou de forma efetiva a avançar em suas hipóteses de escrita:

Alex(A): aprendi a escrever direito, porque como eu fazia a tarefa de casa

minha mãe não entendia minha letra, agora eu tô melhorando minha letra, aí ela tá entendendo agora.

[...]

Priscila(P): E, e qual era a tarefa que tu acha que te ajudou a aprender? A.: Foi a das palavrinhas, que eu não sabia ainda, aí [...] Só foi isso. P.: E como era?