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As deficiências de uma dimensão exclusivamente monetária

1.3 Críticas a uma única dimensão da pobreza e desigualdade

1.3.3 As deficiências de uma dimensão exclusivamente monetária

Ao restringir a pobreza a um indicador monetário, comumente a renda, segundo Salama e Destremau (1999), pode-se incorrer no risco de superestimar a pobreza, especialmente a pobreza rural. De acordo com Neder (2008a), para as áreas rurais, os indicadores de pobreza estritamente baseados na condição de insuficiência de renda tendem a superestimar a quantidade de pessoas e domicílios pobres, na medida em que, não consideram o valor dos rendimentos de autoconsumo.

É notório que o enfoque monetário não observa os efeitos externos produzidos pelo Estado como transportes públicos, seguridade, etc. Além disso, é importante ressaltar que a renda trata-se de um fluxo e não de um estoque de riqueza. Uma medida de estoque seria mais adequada para medir o nível de pobreza e de privações materiais. De acordo com Salama e Destremau (1999):

Os pobres possuem um patrimônio, ainda que frágil: moram em casas simples, das quais, às vezes são proprietários porque construíram de maneira ilegal, invadindo terrenos vazios, com ajuda de programas populares de crédito; podem possuir ferramentas de trabalho, um pequeno capital, se são ambulantes, etc. É possível definir os pobres precisamente por sua ‘falta’ de patrimônio suficiente: moradia insuficiente (habitação insalubre), insuficiência de saúde, de educação [...] (SALAMA E DESTREMAU, 1999, p. 59-50).

Da mesma forma, utilizando-se estritamente indicadores monetários, pode-se incorrer no erro de subestimar a pobreza como um todo. De acordo com Sen (2000) a pobreza pode ser mais ampla do que pode parecer no âmbito da renda.

Além disso, o utilitarismo representado pela renda, não consegue captar o interesse geral das condições de igualdade, tendo em vista, as diversidades existentes entre os seres humanos. Assim, é atacado por sua despreocupação com as desigualdades na distribuição de utilidades (SEN, 1980). Reduzir as desigualdades, a essa dimensão negligencia outros modos de vê-la, assim como os meios para se chegar à equidade.

A renda exprime apenas uma margem parcial das diversas formas da vida humana. Recursos monetários não podem ser indicadores críveis, devido as diferenças que os indivíduos enfrentam para transformá-los em realizações (SEN, 1997). É preciso levar em conta o fato de algumas pessoas necessitarem de mais recursos que outras para obterem os mesmos resultados (LADERCHI et alli, 2003).

Conforme Thorbecke (2005), a renda é limitada e inapropriada como indicador de bem-estar, haja vista que não reflete as dimensões chaves da pobreza como expectativa de vida, alfabetização, provisão de bens públicos, igualdade, liberdade e seguridade. Assim, bem-estar é largamente correlacionado com qualidade de vida e menos intensamente com a renda.

No entanto, a pobreza baseada na escassez de renda não é uma ideia totalmente infundada, já que a insuficiência de renda é limitadora dos atos dos indivíduos e a principal causa da fome individual e coletiva. “Uma renda inadequada é, com efeito, uma forte condição predisponente de uma vida pobre” (SEN, 2000, p. 109).

Os níveis de renda são relevantes, pois permitem que as pessoas adquiram bens e serviços e que usufruam de um determinado padrão de vida. Por este motivo, a dimensão renda está presente na maioria dos estudos multidimensionais. Todavia, estes níveis, por si só, são inadequados para suprir aspectos essenciais como a liberdade para desfrutar de uma vida longa, escapar da morbidez, oportunidade de ter o emprego pretendido, viver longe da criminalidade. Estes aspectos não podem ser proporcionados simplesmente pela renda e não

estão substancialmente vinculados ao crescimento econômico. Sobre isso, cabe acrescentar que:

Uma ‘linha de pobreza’ que ignora completamente as características individuais não consegue fazer justiça às nossas verdadeiras preocupações sobre o básico na pobreza, a insuficiência de capacidade devida a meios econômicos inadequados. [...] Se escolhermos expressar a pobreza no espaço de rendas, então as rendas referidas terão de ser ligadas às exigências causais das capacidades mínimas (SEN, 2001, p. 175).

Sendo assim, pobreza é melhor vista em termos de deficiência de capacitações básicas ou insatisfação de necessidades humanas básicas, contrastando com a concepção em termos de baixa utilidade, logo de insuficiência de renda. Mas, mesmo nestas duas primeiras abordagens são identificados alguns dos elementos centrais estabelecidos pelos economistas pioneiros na abordagem monetária, já mencionados. Por outro lado, segundo Laderchi et alli (2003) enquanto a pobreza monetária prioriza o aumento da renda, a abordagem das capacitações enfatiza a provisão de bens públicos. Isto também é válido para a abordagem das necessidades humanas.

O uso de mais de uma dimensão na análise de pobreza pode ser justificado, porque mesmo o melhor indicador fundamentado na renda, na prática, pode ser considerado incompleto e conduzir a uma imprecisão na estimativa da pobreza (DIAZ, 2003).

Em virtude da dificuldade técnica encontrada na mensuração da renda, principalmente nos países em desenvolvimento, uma importante iniciativa, tem sido olhar para outras formas de mensuração da pobreza. Nesse sentido, a pobreza multidimensional é um conceito mais rico que a abordagem tradicional (ASSELIN, 2002).

Diante das ressalvas apresentadas, é útil concluir que a pobreza é mais complexa do que se imagina. Em virtude disto, no capítulo seguinte será discutida a perspectiva multidimensional, ainda recente, mas de suma importância no estudo da pobreza e desigualdade. Esse é o objetivo deste trabalho que apresentará formulações empíricas da pobreza multidimensional para a região Nordeste do Brasil.

CAPÍTULO 2

Pobreza multidimensional: privação de capacitações básicas e a insatisfação de necessidades humanas

O objetivo deste capítulo é enfocar e considerar a pobreza como um fenômeno multidimensional. Para tanto, apoia-se fundamentalmente, em primeiro lugar, na Teoria das Capacitações de Sen e agrega-se a Teoria das Necessidades Humanas Básicas. São apresentadas ambas as abordagens, suas semelhanças e divergências, assim como alguns avanços na representatividade da pobreza como um fenômeno multidimensional.