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As deficiências são expostas e o sistema abandonado

4 A experiência na Argentina

4.6 As deficiências são expostas e o sistema abandonado

Um dos custos da adoção do currency board foi a sobrevalorização do peso argentino que teve entre 1991 e 1993 sua taxa real efetiva apreciada cerca de 25%. Ao final de 1998, a razão dívida e exportação era de 379% e o pagamento do serviço da dívida consumia grande parte das receitas advindas das exportações. Em 1999, ainda com reflexos da desvalorização brasileira, as exportações caíram 9% e a razão dívida e exportação subiu para 427%.

A conversibilidade não deteve o governo argentino de tentar monetizar seus déficits. Uma vez que o financiamento por capital externo cessou, o governo embora incapaz de diretamente imprimir moeda emitiu pequenas quantidades de bônus resgatáveis com pagamentos de impostos federais. Estes bônus eram chamados de “lecop” (letras de cancelación de obligaciones provinciales) e eram considerados quasi-moeda. Muitas províncias seguiram o governo federal e passaram a imprimir suas próprias versões de lecop para pagar déficits fiscais. A província de Buenos Aires emitiu “Patacón” e Córdoba emitiu

“Lecor”. Em Dezembro de 2001 esses bônus federais e provinciais excediam 24% dos pesos em circulação.

Em Dezembro de 1999, o governo de centro esquerda da Aliança, encabeçado por Fernando de La Rua foi eleito. A economia argentina estava começando a exibir sinais de recuperação depois uma recessão branda. Para diminuir seu déficit fiscal que atingia o patamar de 2,5% do PIB, o governo federal, com o apoio do FMI, aprovou em Janeiro de 2000 o primeiro de três grandes pacotes de aumento de impostos. Como era de se esperar as condições econômicas se deterioraram rapidamente forçando o FMI a liderar um empréstimo de US$40 bilhões. Em Março de 2001, a Aliança se desfazia e Domingo Cavallo era apontado o novo ministro da economia. Contudo, já era tarde, os argentinos já vinham trocando os depósitos em pesos para dólares desde Fevereiro de 2001 e esta tendência aumentou ao longo do ano chegando a Novembro ao montante de saques desde Julho de US$ 15 bilhões.

No esforço desesperado de impedir saídas massivas de capital e de parar a corrida bancária, o governo em 3 de Dezembro impôs uma série de controles financeiros que foi batizado de Corralito que limitava os saques bancários por conta a 250 pesos semanais. Não foi surpresa o fato de que logo após o anúncio das medidas cerca de 500mil contas foram abertas em apenas dois dias segundo os jornais. O governo mudou então a regulamentação para limites por pessoa e não por conta. Além do limite imposto aos saques transferências eletrônicas necessitariam de aprovação do BC e transações cambiais futuras foram proibidas e todos os investidores domésticos ou estrangeiros foram proibidos de transferir fundos para o exterior. As restrições foram anunciadas como medidas temporárias que deixariam de valer à medida que o perigo de ataque especulativo tivesse passado, mas na verdade as principais restrições ficaram vigentes até Dezembro de 2002. A revisão do acordo com o FMI que estava agendada não foi feita e o apoio do banco retirado.

No dia 19 de Dezembro os ministros renunciaram incluindo Domingo Cavallo e no dia seguinte foi a vez do presidente de la Rua renunciar. Em Janeiro de 2002 o peso argentino foi oficialmente desvalorizado e todos os depósitos e dívidas foram denominados em pesos, era a chamada pesificação. Os depósitos em dólares foram convertidos a taxa de 1,4 pesos por dólar enquanto os empréstimos em dólar foram convertidos na razão de um para um efetivamente impondo a maior parte dos custos da pesificação aos bancos ao invés de aos depositantes. A situação dos bancos era ainda pior porque eles ficaram ainda expostos ao risco cambial das dívidas em dólares que não foram convertidas em pesos. Estima-se que o patrimônio negativo dos bancos chegou a US$ 32 bilhões em Janeiro de 2002. Para suavizar esta situação e compensar os bancos o governo resolveu emitir novos bônus chamados Boden’s (Bonos del Gobierno Nacional) que até então eram ilíquidos e seu valor dependeria da reestruturação futura da dívida e sustentabilidade fiscal do governo.

No meio da crise econômica o corralito causou a expansão de 50% no mercado acionário. Uma interpretação era de que a desvalorização beneficiaria

as empresas mas uma explicação mais realista tinha a ver com as específicas restrições do corralito que permitia investidores usarem os depósitos congelados para comprar ações e assim sendo fornecia um mecanismo legal para transferência de fundos para o exterior via ADR’s (American Depositary

Receipts).

A brecha da ADR funcionava da seguinte forma: aos argentinos residentes era permitido usar os depósitos bancários que excediam ao limite de saque de 1.000 pesos mensais para comprar ações argentinas. Se essas ações tivessem ADR’s nos EUA poderiam legalmente ser convertidas em ADR’s e estas poderiam ser vendidas nos EUA e os recursos depositados numa conta lá mesmo. Antes do corralito os fluxos referentes à venda de ADR no exterior entrariam no balanço de pagamentos como entrada de capital como se americanos tivessem adquirido direitos sobre empresas argentinas, mas sob o

corralito a entrada de capital não acontecia e as ações e o financeiro

continuavam fora da Argentina. O governo entendia o papel dos ADR’s na transferência de fundos para o exterior mas como as conversões em ADR’s não tinham impacto direto nas reservas do BC e seria difícil para o governo proibir operações desta natureza e qualquer interferência no mercado acionário poderia levá-lo ao colapso o governo entendeu que a melhor solução seria não adotar nenhuma medida contrária.

Durante toda a experiência de caixa de conversão a Argentina tinha uma economia altamente dolarizada visto que um alto percentual dos portfolio dos bancos argentinos eram denominados em dólares e no final de 2001 mais de 80% da dívida pública era em moeda estrangeira. Isto demonstrava a limitada habilidade de emissão de dívida de longo prazo na sua própria moeda o que refletia o fato de que a conversibilidade encorajava a emissão de dívida em dólares.

Depois de três anos e meio de recessão, o ministro Cavallo em meados de 2001 estava tentando lidar como a dinâmica perversa da dívida pública. O prêmio de risco do país se encontrava em 2.000 basis points e com ainda havia uma disputa com as províncias em relação à transferência de receitas.

À medida que as condições econômicos se deterioravam um enorme debate público surgia entre economistas sobre as saídas possíveis para a lei de conversibilidade. De um lado estavam aqueles favoráveis a um default parcial embora mantendo as funções básicas da convertibilidade e da caixa de conversão, dentro deste grupo estavam diversos economistas americanos como Allan Meltzer, de outro estavam os que acreditavam que a melhor opção seria a dolarização da economia a uma taxa possivelmente mais alta do que 1:1, entre os partidários desta idéia estavam o Wall Street Journal e o ex- presidente Carlos Menem. Outro grupo encabeçado pelo ex-economista chefe do IDB Ricardo Hausmann e o jornal Financial Times ainda pedia uma desvalorização com pesificação seguida de adoção generalizada de indexação. Cavallo, como se sabe resolveu insistir no seu programa de reestruturação da dívida pública, incentivos para o setor industrial e negociação com as províncias. No início de Dezembro de 2001 com o intuito de acabar com uma

rápida corrida aos bancos o governo implementou um congelamento dos depósitos e controle cambial. No dia 20 o presidente Fernando de la Rua renunciou e em meados de Janeiro de 2002 Eduardo Duhalde foi nomeado pelo Congresso como novo presidente.

O novo governo tratou de rotular a antiga política econômica incluindo a lei de conversibilidade como ineficiente, recessiva e corrupta. Várias medidas foram implementadas como desvalorização do peso, default da dívida pública, as dívidas privadas foram pesificadas a diferentes e arbitrárias taxas cambiais. O congelamento dos depósitos foram aumentados e foram proibidas transferências de depósitos entre bancos. Em poucas semanas o dólar valia 3 pesos.

Estes eventos geraram um colapso na demanda por dinheiro na Argentina, e a população que estava acostumada ao lema de que um peso era tão bom quanto um dólar teve que de repente a conviver com a idéia de que nem um peso valia tanto quanto o dólar como um peso depositado não valia nem mesmo um peso.

No início de 2002 a Argentina enfrentava uma situação descrita na literatura como cash shortage ou monetary overhang, situação esta similar a vivida há cerca de uma década atrás pelas economias da antiga União Soviética e que se caracteriza pela falta de conversibilidade interna da moeda. Num sistema de câmbio flexível isto é resolvido pela depreciação cambial e aumento do nível de preços. Estes ajustes nominais têm que ser grandes o suficiente para eliminar a diferença entre o estoque real de moeda desejado e o existente. Apesar de parecer simples, este tipo de ajuste tende a gerar inflação que pode se tornar difícil de controlar, por isso o Fundo Monetário Internacional (FMI) achava que acabar com o congelamento de depósitos poderia gerar uma situação de difícil gerenciamento. Como alternativa o Fundo propôs a substituição dos depósitos por bônus de longo prazo uma saída já utilizada pela Argentina no passado com os chamados Bonex.

Antes da crise a moeda em circulação alcançava a cifra de 11 bilhões de pesos e os depósitos estavam em pesos (P$ 15 bilhões) e em dólares (US$ 45 bilhões). Estes últimos foram inicialmente convertidos em pesos a taxa de 1,4 pesos por dólar.

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