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5 A caixa de conversão de Hong Kong

5.2 Crise Asiática e os ataques cambiais

Em Outubro de 1997, o dólar de HK esteve sob forte ataque especulativo como resultado do efeito contágio da crise do leste asiático. A primeira onda especulativa contra o HK dólar começou em 21 de Outubro de 1997, um dia depois de Taiwan deixar flutuar sua moeda. No início do dia 23, ficou claro que a câmara de compensação do sistema bancário (aggregate clearing balance) estaria ao final do dia com um déficit de US$1 bilhão. Esta quantia seria normalmente emprestada pela linha de desconto do HKMA (Liquidity

Adjustment Facility – LAF) sem maiores problemas. O problema começou

quando às dez horas da manhã daquele dia, numa atitude inesperada pelo mercado para combater a especulação, a autoridade monetária, HKMA, divulgou uma circular alertando que os tomadores de empréstimos contumazes da LAF teriam que pagar taxas punitivas. Os bancos assumindo que a janela de desconto (LAF) estaria fechada entraram em pânico. Uma corrida por liquidez começou e a taxa interbancária de HK (Hong Kong interbank interest

rate, HIBOR) saltou para 280%. No mesmo dia mais tarde, o HKMA esclareceu

sua posição indicando que a janela de LAF estaria aberta e que as taxas não seriam proibitivas. A taxa de câmbio à vista (spot) chegou a apreciou para HKD 7,60 por USD, um recorde desde o início do “link” em 1983 e a bolsa de valores local e o mercado imobiliário despencaram.

Mesmo depois de meses, após este aperto de liquidez inesperado arquitetado pelo HKMA, os estragos permaneceram no sistema com a HIBOR permanecendo acima da condição de paridade de juros em relação a LIBOR. Os especuladores acreditavam que o HKMA agiria novamente para defender o HK dólar e ficaram à espera de uma nova puxada nos juros. Decidiram no início de 1998, após a divulgação de uma contração no PIB, lançar um ataque duplo no mercado futuro, um com posição vendida no índice de ações futuro Hang Seng (HSI), ou seja, apostando na queda do índice, e outra, assumindo posições vendidas no HK dólar (apostando na depreciação da moeda local). A estratégia especulativa é descrita abaixo passo a passo:

• A preparação para o ataque duplo começou com os especuladores se financiando tomando empréstimos de médio prazo (6 a 12 meses) no mercado de swap cambial em quantidade substancial de HK dólar, ou seja, fazendo a troca de USD por HK dólar. Isto já elevou o prêmio de juros em HK dólar sobre o USD em 5 pontos percentuais. Alguns ainda compraram HK dólar (venderam USD) no mercado a termo (forward). No mercado acionário, começaram a montar posições vendidas grandes e ainda tomaram aluguel com agentes custodiantes.

• No ataque duplo, os especuladores venderam no mercado à vista a posição de HK dólar que tinham comprado anteriormente no mercado de swap e para maximizar o impacto do ataque também venderam a moeda em mercados não muito líquidos no exterior. Quando o HKMA tentou segurar a cotação da moeda comprando-a a liquidez interbancária já estava reduzida o que refletiu no aumento do juro interbancário. Além disso, venderam HK dólar no mercado a termo porque sabiam que era normal os bancos fazerem arbitragem entre o mercado de swap e o interbancário pressionando ainda mais a taxa de juro. Isto criou um sentimento de que a moeda estava sob ataque o que atraiu mais especuladores. Concomitantemente, o mercado acionário foi atacado com a venda das ações alugadas e venda de índice no mercado futuro. • O ganho se deu com a realização das operações inversas: compra de

índice futuro para liquidar as posições vendidas e compra no mercado à vista para liquidar os aluguéis. No mercado de swap cambial, liquidaram os empréstimos e no mercado a termo compraram a moeda.

Ao mesmo tempo em que acontecia o ataque o país precisava liquidar um déficit fiscal inesperado. Como havia enormes reservas não monetárias, aquelas que excediam o exigido para lastrear a base monetária, lançou-se mão destes recursos (venda de reservas) para naquele momento resolver dois problemas, sanar as contas públicas e inundar o mercado de câmbio com USD o que ajudou a segurar o juro interbancário.

O HKMA resolveu contra atacar em Agosto de 1998 de forma não muito convencional, comprou ações e futuro de índice HSI no montante de HKD 118 bilhões o que representava cerca de 13% das reservas não monetárias. Estas medidas deram um alívio no mercado de ações mas não convenceram os vendidos em futuro de HKD que o câmbio oficial de HKD 7,8 por USD seria mantido.

Para dirimir qualquer dúvida o HKMA anunciou no início de Setembro a implementação de sete medidas técnicas das quais apenas duas merecem menção3. A primeira permitiria os bancos a tomar emprestado do HKMA à taxa não punitiva e esclareceu os termos sob os quais o pedido de empréstimo seria aceito. A segunda, Convertibility Undertaking, provou ser crucial, pois incutiu perdas aos especuladores que estavam vendidos em HKD ao licenciar os bancos com créditos nas suas contas de compensação a converter USD junto

ao HKMA à taxa de HKD 7,75, ou seja um pouco abaixo da paridade oficial de HKD 7,8 por USD. Esta medida tornou a paridade muito mais crível.

Hanke (2002), defende que este episódio demonstra claramente porque não se pode considerar a caixa de conversão de Hong Kong ortodoxo, visto que se o fosse, a janela de desconto (LAF) não existiria e a autoridade monetária não se envolveria no combate à especulação.

Em 1998, os efeitos deste ataque começaram a ser sentidos na economia local à medida que as estimativas para crescimento do PIB foram revisadas para baixo.

Como salientaram em seus trabalhos Chen and Chan (1998), Tsang (1999b), Miller (1998) e Yip (1999), o aumento substancial da taxa de juros durante a crise foi a causa principal da queda dos preços dos ativos e a conseqüente recessão que a economia de Hong Kong enfrentaria dali para frente.

Há bastante debate se o sistema ajudou Hong Kong em termos de crescimento e estabilidade de preços. Alguns o acusam de aumentar as pressões inflacionárias por causa de a moeda local ser desvalorizada, e outros, adotam uma explicação contrária, que a apreciação real do dólar de HK desde 1983 como resultado da inflação doméstica ter sido maior do que a americana minou a competitividade do país. Na tabela abaixo, pode-se observar que durante a década de 90 a taxa de crescimento do PIB de fato caiu combinado com o aumento da inflação.

Tabela 6

Crescimento Real do PIB e Taxa de Inflação de Hong Kong em perspectiva histórica e comparativa

Var. Real % PIB Taxa de Inflação

Ano Hong Kong Hong Kong Coréia Cingapura Taipei EUA 1977 12,5 5,7 10,2 3,2 7,0 6,5 1978 9,5 6,1 14,5 4,8 5,8 7,6 1979 11,7 11,6 18,3 4,1 9,8 11,3 1980 10,9 15,5 28,7 8,5 19,0 13,5 1981 9,4 15,4 21,3 8,2 16,2 10,3 1982 3,0 10,5 7,2 3,9 3,1 6,2 1983 6,5 9,9 3,4 1,2 1,3 3,2 1984 9,5 8,1 2,3 2,6 0,0 4,3 1985 0,4 3,2 2,5 0,5 -0,2 3,6 1986 10,8 2,8 2,8 -1,4 0,7 1,9 1987 13,0 5,5 3,0 0,5 0,5 3,7 1988 8,0 7,5 7,1 1,5 1,2 4,0 1989 2,6 10,1 5,7 2,4 4,4 4,8 1990 3,4 9,8 8,6 3,4 4,2 5,4 1991 5,1 12,0 9,3 3,4 3,5 4,2 1992 6,3 9,4 6,2 2,3 4,5 3,0 1993 6,1 8,5 4,8 2,2 2,9 3,0 1994 5,4 8,1 6,3 3,1 4,1 2,6 1995 3,9 8,7 4,5 1,7 3,7 2,8

1996 5,0 6,0 5,0 1,4 3,1 2,9 1997 5,2 5,7 4,5 2,0 0,9 2,3 Fonte: FMI, International Financial Statistics

Após diversas críticas sobre sua atuação durante o ataque, o HKMA e o governo resolveram definir o “link” como um CBA automático. Em Abril de 1998 foi publicado um importante relatório intitulado Report on Financial Market

Review aonde o HKMA anunciava uma importante mudança de postura ao

afirmar que não mais manipularia ativamente a base monetária para defender a moeda e se comprometeria com o princípio de ajustamento automático do balanço de pagamentos (specie flow mechanism).

Com este anúncio o HKMA firmava compromisso com uma das três âncoras de um CBA, o price specie flow mechanism de Hume4 ou mecanismo de ajustamento automático do balanço de pagamentos, que permite o fluxo de recursos determinar os movimentos na taxa de juros. Este mecanismo está retratado de forma simplificada abaixo e pode ser ilustrado pelo seguinte exemplo: supondo que houvesse um aumento da oferta monetária na economia, os juros consequentemente iriam cair, haveria expansão da economia e os preços internos subiriam. Com a alteração dos termos de troca (preços internos mais altos) as exportações deveriam cair e as importações aumentar o que retiraria recursos da economia gerando diminuição da oferta monetária e o aumento dos juros levando a economia para uma recessão. Como conseqüência, os preços internos cairiam, as exportações subiriam e as importações cairiam aumentando a oferta monetária e assim sucessivamente.

Contudo, a autoridade monetária, HKMA, se reservava o direito de esterilizar os efeitos de choques internos que ocorressem sobre a base monetária como

4

David Hume (1711-1776), filósofo escocês que tinha uma visão contrária ao pensamento mercantilista de que as nações deveriam e poderiam apresentar superávit permanente no balanço de pagamentos Preços Internos sobem Exportações caem Importações sobem Exportações sobem Importações caem Diminui a oferta monetária Aumenta a oferta monetária Recessão Expansão Preços Internos caem

por exemplo, uma oferta pública primária de ações (IPO) que aumentasse o risco no mercado interbancário.

Com a publicação do Report em 1998, Hong Kong passava a ter duas âncoras que sustentavam o sistema de caixa de conversão: disciplina fiscal, pois toda emissão monetária deveria ser lastreada em reservas internacionais e price

specie flow mechanism, mecanismo de ajustamento automático do BP, que

permitia o fluxo de recursos determinar os movimentos na taxa de juros.

Nesta mesma publicação o governo confirmou que a adoção de mais uma âncora, cash arbitrage, na fixação da taxa de câmbio sob o regime de caixa de conversão seria impraticável. A explicação estava na pequena representatividade que o caixa tem na oferta monetária, e sua movimentação (saques) para arbitrar a diferença entre o câmbio no mercado à vista e o oficial criaria perigo desnecessário para o sistema bancário.

O HKMA optou então por adotar nas palavras dos seus dirigentes uma postura “ambígua construtiva” para realizar intervenções discricionárias no mercado de câmbio. Sob esta estratégia o HKMA poderia atuar como elemento surpresa se julgasse que as circunstâncias no mercado cambial se tornaram anormais. Em Setembro de 1997 o país tinha a terceira maior reserva internacional no mundo que representava 40% do M3 em dólares de HK.

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